NICOLAU SAIÃO...

EVOCAÇÕES ESPANHOLAS

1. Por su gracia (Juanito Valderrama)

2. Em louvor dos palhaços

 

 

 

Juanito Valderrama ergue a voz e solta o seu cante grande. E abrem-se os céus. Os céus de Sevilha, entre renques de laranjeiras, entre os odores de Sevilha, ao pé da sombra da Giralda, ao pé da Catedral a propósito da qual o cardeal Pedralva disse “Faremos uma igreja tão imponente que os vindouros dirão que estávamos todos loucos!”.

Canta Juanito em criança e canta depois de velho. Andaluz dos pés à cabeça, voz de plata policromada, canta “Las carretas del rocio”, “La rosa cautiva”, “La hija de Juan Simón”… Canta e no seu canto vibra o amor e a morte, o desespero e a mais funda alegria, o vigor e a altivez e a simplicidade varonil de um povo de pessoas e não de números. E com ele cantam, sem cantarem com ele, Pedro Martin, o “Chato de las vendas” que morreu de desgosto duas horas depois de saber, durante a guerra civil, que o iam fuzilar. E Jimenez Rejano com a sua voz de vendaval, e Caracol, e os irmãos Montoya, e Camarón, e Paco de Lucia com a sua guitarra trágica e poética. E a Niña de la Puebla, que canta aquela que é provavelmente a mais bela canção de amor já feita pela tradição popular e pelo génio desse povo: a comovente, exaltante, lírica e desgarradora “Campanilleros en los pueblos de mi Andalucia”.

Mas canta também o maestro Pepe Marchena, de grave e doce voz de hombre y caballero. E o Niño de Penarrubia, essa fonte de pura água andaluza. E os anónimos dos tascos, do “venga vino”, os azeitoneiros de Jaén, os “niños del mar” de Almeria, os minericos de Linares e Cartagena. E cantam o quê?

Os fandanguillos, as alegrias, as seguidillas e as campanilleras do flamenco – que é a meu ver a maior invenção musical e cantaora já feita pelo povo. E onde ressoa a dignidade, a paciência, os momentos de fruição dessas gentes anónimas e pobres – mas tão ricas! – esses “gitanos de aristocrácia/ cantaores de cante grande/ flamenco en sus quatro ramas” que souberam erguer a figura entre os solavancos do tempo e os volteios das cordas das guitarras.

  Juanito Valderrama… Hombre! Toma mi pañuelo blanco para limpiarte la cara!

Oiça Juanito Valderrama, no YouTube:
http://www.youtube.com/watch?v=K7Ruc_NM8j0

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc. 

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).  

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).     

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),  “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil)...

Prefaciou os livros “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras) e “Estravagários” de Nuno Rebocho (Apenas Livros Editora).

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Com João Garção e Ruy Ventura coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.