Traduções de
NICOLAU SAIÃO

Rapsódia LATINA em tom maior

4. Juan Pedro Moro (Alcalá de Henares, 1966):
Londres

Visitei Londres pela primeira vez numa manhã de Primavera.

Numa das margens do rio, um pouco ao estilo vitoriano

rapazolas snifavam tranquilamente

tornavam real e popular o mistério que William

Blake espalhou pelas coisas do inferno e do céu.

Velho carola

O que eu lhe li nas entrelinhas

o que eu inventei à sua custa com a proverbial

lucidez mediterrânica

Mas passemos adiante. Salvo erro

e creio que isto é exacto

daquela maneira desasada é que habitualmente circulavam

os que numa serena e fresca noite resolveram limpar o sebo

mesmo sob o nariz dos transeuntes

à jovem Elisabeth Douglas com sete naifadas no baço

(a sua mãe, o seu pai choroso

o ar compungido da locutora boazona

o cheiro provável a cera fria dos demais figurantes)

Os cisnes em Datchet Court

solenes como dois turistas numa pensão da linha.

Londres, Londres dali vejo partir os velhos aventureiros

G.A.Henty com a sua gravata verde os olhos piscos

Poetas envinagrados conjurando-se a uma esquina

lançando a âncora num pub despertando lembranças

Sucheu Bali as savanas do monte Kenya

lá passam de autocarro até Hampstead

não naturalmente pelos livros mas sobretudo

pelos leitores “recordo-me que uma vez

tentei trabalhar numa casa depois de uma outra quadrilha

lá ter estado” O meu vizinho que sabe

que tudo é citação faz-me sorrir

conta-me coisas adormece-me.

 

Muitas coisas ficam desconstruídas, do grave

ao divertido

ao fim duma meditação intempestiva

Os domingos de sol

As prímulas na pradaria de Runnymede

O choro de Defoe ou de Donne sobre os rochedos de Chaltenham

O amplexo de um preto velho numa lojeca de Carnaby Street.

Mas a inocência

é já matéria sem relevo

é uma pérola uma pedra fibra descarnada e melancólica.

Londres exactamente e tudo o mais é divagação

há 300 anos eu aqui seria um inimigo.

Os salpicos de lama feriam-me a concentração

mas não havia bruma ouvia-se

um piano mecânico nas redondezas

Deserta a cidade rapaziada pedante mariquices isabelinas

- o obelisco como um carvalho nas colinas de Cape Staines.

É difícil pensei eu lançar o olhar em volta

tanta coisa poderia eu sei lá acontecer

A rapariga junto ao poste de iluminação, pensativa

Cinco sonatinas para violoncelo e a sombra de Mateus Pipperbarem

uma voz que ondula de repente e pára.

Ferrovias contudo desdobravam-se ao longo dos continentes e foi então

que me ocorreu Mas que faço

eu aqui

No entanto uma doçura muito velha percorria-me de cima a baixo

a Inglaterra florida e violenta martelava-me na cabeça

Robinson surgia de súbito acenando, com um jornal na mão

Interrogativo um pouco alucinado.

 

A minha alegria ousará abrir caminho por aqueles labirintos.

A tepidez do Inverno num lugar mais aprazível.

Olho de novo o céu. A multidão comprime-se.

Noutras condições, pergunto: ainda estarei no recanto que sonhara?