Na agricultura, as plantações de milho eram já abundantes por 1625, continuando por todo o século XVII e seguinte. Em grandes quantidades, o milho entrou na alimentação dos portugueses e, aliado ao feijão e às hortaliças, foi gradualmente substituindo o trigo e o centeio que escasseavam. De forma a colmatar a crise frumentária, Portugal estava comercialmente dependente do estrangeiro, particularmente no que se referia às importações de trigo, tendo mesmo sido criadas severas penalidades para quem monopolizasse os cereais. Após a restauração da independência, em 1640, manteve-se idêntica conjuntura comercial, recorrendo-se ao trigo do Norte da Europa, em vez do que habitualmente chegava de Espanha. Contudo, estas e outras medidas políticas não se mostravam suficientes para combater alguns períodos de carência e, até mesmo, de fome.
Como fonte de riqueza nacional, encontrava-se o azeite e o vinho. O progresso da plantação de oliveira a norte de Portugal e a produção de azeite marcou todo o século XVI e o vinho ia-se tornando cada vez mais conhecido fora das fronteiras nacionais, de tal modo que, a partir de 1650, um pequeno número de empresas inglesas se instalaram no Porto, incrementando a produção e exportação dos produtos vinícolas do Norte.
No que se referia os produtos importados, a estrutura do País permanecia sem alterações, embora em quantidades crescentes: cereais, textêis, cobre e prata, armas e munições e artigos de luxo.
Pela segunda metade do século XVI, um tráfico intenso de prata ligava Sevilha e Lisboa, motivado pela descoberta de minas na América Espanhola (Peru e México). A quantidade de entrada de reales espanhóis em Portugal era equivalente às moedas de prata de cunho nacional.
A laranja chinesa espalhou-se pela Europa e pelo mundo mediterrâneo, difundida pelos Portugueses e com o seu nome associado a Portugal em diversas línguas (grego, árabe e turco).
Dos territórios coloniais vinham, cada vez menos, as especiarias cujas importações foram gradualmente baixando durante a segunda metade do século XVI e todo o século XVII. Aquelas foram substituídas pelas porcelanas do Extremo-Oriente, do açúcar, da madeira e do tabaco do Brasil e das ilhas atlânticas.
Entre o Brasil e a África, outro tipo de comércio se começava a desenvolver nos meados do século XVI, vindo a resultar, no século seguinte, como um dos mais importantes de todos: o tráfico de escravos.
A unificação ibérica trouxe oportunidades e prosperidade para muitos portugueses. Em primeiro lugar, terminou com o secular conflito de fronteiras que, apesar de ter beneficiado militares, mercenários, traficantes de armas e assaltantes, tinha absorvido demasiado as energias políticas da nação.
A abertura das colónias espanholas da América ao comércio português trazia cada vez mais benefícios económicos à classe média portuguesa e, por outro lado, a actividade comercial dos portugueses foi tacitamente acolhida pelas autoridades castelhanas para expandir a riqueza das suas colónias.
As relações de comércio entre Portugal e Espanha saíram mais favorecidas, não provocando alterações particulares ao nível do tráfego mercantil, mas estabelecendo uma estrutura económica mais modernizada com a criação das primeiras companhias ou sociedades de comércio. Entre 1587 e 1633, o modelo económico adoptado era reproduzido do exemplo holandês, com o capitalismo de Estado a ser gradualmente substituído por uma participação de iniciativas e organizações comerciais privadas.
Mais de metade do tráfego colonial português era transportado em navios holandeses, quase todos fora do alcance das relações políticas e diplomáticas. A maioria dos agentes marítimos portugueses era frequentemente membros da classe dos cristãos-novos de Lisboa, cujas famílias judaicas foram convertidas à força em gerações anteriores. Tinham bons contactos com a comunidade judaica de Amesterdão, a maior parte deles eram exilados de Portugal. O tráfego luso-holandês tornou-se bastante vigoroso. Em 1630, os holandeses conseguiram conquistar as plantações de açúcar do nordeste brasileiro e aí passaram a controlar a rota do açúcar.
Em números globais, a análise dos orçamentos do Estado revela um tremendo surto, tanto de receitas como de despesas até à década de 1620, prova evidente da expansão económica e política. Depois desse período, as perturbações de tipo militar e económico trouxeram consigo um decréscimo nas receitas. A necessidade de reforçar fortificações, frotas e armamento obrigou a despesas extraordinárias por parte da administração filipina.
Do ponto de vista económico, todo o império português atravessava uma séria crise com a irrupção vitoriosa de Holandeses e Ingleses.
Os Holandeses, que ganharam a sua independência de Espanha em 1580, exactamente no ano em que os portugueses perderam a sua, penetraram em vários pontos do Atlântico. Por volta de 1605, já os holandeses eram os grandes carregadores do Atlântico Sul e, nesse ano, cerca de duzentos navios holandeses tinham visitado os campos de sal da América do Sul.
A Rota do Cabo deixara de constituir a fonte principal da prosperidade e das receitas. O tráfico português entre Lisboa e a Índia reduzira-se a menos de um terço desde 1580. Os centros vitais do império, como Ormuz, Ceilão, Recife, Mombaça, S. Jorge da Mina, Arguim, Macau e Goa, foram caindo uma a uma.
Ao mesmo tempo, os Árabes, ajudados pelos Ingleses e Holandeses, afastavam os Portugueses da Arábia e do Golfo Pérsico.
A navegação tornou-se cada vez mais difícil: entre 1623 e 1638, foram atacados cerca de quinhentos navios destinados aos portos portugueses. Os comerciantes e armadores deixaram de se sentir beneficiados pelo regime da união das duas coroas.
Mesmo em Portugal, a situação económica estava longe de brilhante. Os produtores sofriam com a queda dos preços. A crise afectava as classes baixas, cuja pobreza aumentou sem disfarces, como aliás em muitos outros países da Europa. O aumento de impostos tornava a situação ainda pior. Para explicar os tempos difíceis e apaziguar o descontentamento geral, a solução apresentava-se fácil e óbvia: a Espanha, causa de todos os males. Este sentimento de abandono e traição era comum a todas as classes: a redução no montante de receitas desagradava ao clero, à nobreza e, muito especialmente, à burguesia. A constante sobrecarga de impostos e taxas revoltava as massas populares, famintas e pobres.
Apesar das razões já apontadas, a revolta portuguesa de 1640 não pode ser interpretada somente como uma luta interna pelo poder. A crise da recente e moderna Europa afectou o comércio internacional, no qual Portugal ainda tinha um papel a desempenhar. Bem longe e esquecidas estavam as razões que justificaram o seu acordo com a união espanhola: depois de 1620, a crise geral da Península Ibérica começou a fazer-se sentir, com a decadência do Império castelhano e o declínio na produção colonial de prata.
A recessão originou tensões sociais e os proprietários das minas de prata no Peru atribuíram a sua desgraça aos comerciantes portugueses, expulsando-os com acusações de judaísmo.
A política económica de D. João IV visou obter dinheiro de qualquer maneira, principalmente para financiar a defesa do território. Obtiveram-se somas avultadas dos mercadores a quem, em troca, se concediam privilégios, pois o governo actuava com prudência no que respeitava ao aumento de impostos. Os cristãos-novos beneficiaram da situação anormal do reino. Tanto em Portugal como fora dele, capitais judaicos auxiliaram a causa da independência e auxiliaram-se a si mesmos em operações rendosas. Empréstimos conseguidos de companhias judaicas permitiam comprar navios, munições e soldados para a defesa. De 1649 a 1659 ficou imune a propriedade dos cristãos-novos sentenciados pela Inquisição. Além disso, foi transferida, da Inquisição para o Estado, a administração de bens já confiscados. O desenvolvimento do comércio com a Europa do Norte e com o Brasil, um dos principais objectivos do governo joanino como contrapartida da anterior ligação económica ibérica, favoreceu numerosos mercadores, levando-os a apoiarem a causa da independência.
De qualquer modo, a restauração da independência de Portugal trouxe consigo poucos benefícios ao comércio externo. Para fazer face às enormes despesas militares do conflito com Espanha e aos ataques estrangeiros aos navios portugueses que prejudicavam o comércio à distância, os governos de D. João IV (1640-1656) e de D. Afonso VI (1656-1683) viram-se forçados a assinar diversos acordos com a Inglaterra (1654 e 1661, este último ratificado com o casamento da princesa D. Catarina com Carlos II de Inglaterra) e com a Holanda (1661). Apenas deste modo se conseguiu que o comércio marítimo atingisse, na década de 1680, cerca de 40% das receitas totais do Estado, tornando-se factor vital para Portugal.
O proveitoso tráfico terrestre com o país vizinho acabou por desaparecer e o Mediterrâneo fechou-se ao comércio nacional.
A tendência da maior parte da Europa foi marcada por um crescente aumento demográfico, até aos primeiros anos do século XVI. Posteriormente, o crescimento da população caracterizou-se por um ritmo que se ia, a pouco e pouco tornando mais lento, chegando, em alguns casos, a registar estagnação e declínio efectivo.
Na Península Ibérica, a população acompanhou o ritmo europeu até ao final de Seiscentos. Em 1620, os registos demográficos apontam para um total de 165 000 habitantes para a cidade de Lisboa. Embora com uma população mais reduzida do que Paris, Nápoles ou Londres, a capital portuguesa poderia ser comparada a Veneza e Amesterdão, grandes centros metropolitanos para a época. Lisboa, maior do que qualquer cidade da Península Ibérica, tinha crescido demasiado para o diminuto tamanho do país. As restantes cidades, como o Porto, Coimbra, Évora e Elvas, contavam com uma população mais reduzida (entre os 15 000 e os 20 000 habitantes para a década de 1620), verificando-se a tendência de ocupação efectiva do Norte e do Centro do país, em detrimento do Sul.
Em Portugal, como em geral na Europa, o século XVI caracterizou-se pelo crescimento e engrandecimento da nobreza, sobretudo da nobreza de corte. Como grupo social, baseado no privilégio, os nobres situavam-se entre o monarca e o povo e, regra geral, preferiam confiar a profissionais a administração dos seus bens.
Depois do estabelecimento da monarquia dual (1580), um conjunto de leis fortaleceram a influência económica e social dos nobres, bem como a profusão de títulos e privilégios atribuídos. Com esta política, o governo esperava conseguir novos partidários e enfraquecer as possibilidades da secessão portuguesa embora, com essas medidas, incrementasse o poder crescente da aristocracia.
Entre 1640 e 1670, o novo governo da restauração promulgou medidas drásticas com o objectivo de reestruturar o poder da classe nobre. Através da extinção de títulos, D. João IV pretendia que a autoridade real saísse de novo fortalecida. No entanto, e num Portugal onde a paz e a tranquilidade financeira marcava a década de 1670, a Coroa partilhava o poder, em partes idênticas, com a aristocracia.
Formando um autêntico grupo político, perseguindo todo aquele que não se sujeitasse à autoridade da Inquisição, o tribunal do Santo Ofício deu origem a uma nova classe social, os «cristãos novos» – judeus convertidos à força.
Esta nova classe envolveu-se em constantes disputas com os nobres proprietários de terras que dominavam o norte e classe média urbana, que detinha uma poderosa influência nas cidades ao centro de Portugal. Os judeus eram, na sua maioria, artesãos e mercadores, os quais desempenhavam um importante papel nas cidades e nos portos e nos territórios coloniais.
A nobreza ligada à terra limitou o poderio dos comerciantes acusando-os, com ou sem apresentação de factos, de práticas religiosas ilegais. A classe média nunca mais pode contar com o apoio da realeza como tinha acontecido sob a regência de D. Pedro, duque de Coimbra, durante o conflito que marcou a década de 1440, ou com D. João II em 1480. Aqueles que se opunham ao domínio conservador arriscavam as suas vidas nos tribunais.
Quanto aos burgueses, a grande maioria não participou no movimento separatista e foi apanhada de surpresa. A sua atitude depois de 1640 mostrou-se, geralmente, de expectativa neutral. Muitos mercadores e capitalistas participavam em negócios em Espanha, possuindo aí, ou no Império Espanhol, boa parte dos seus bens.
Outro grupo, porém, com um núcleo importante de cristãos-novos e conexões de relevo fora da Península Ibérica, apoiou a revolução e ajudou a financiá-la. Os negócios deste grupo dependiam muito mais do tráfico atlântico (Brasil) e do tráfico com a Europa Ocidental e Setentrional.
A aristocracia portuguesa virou a sua atenção para os casamentos dinásticos, o que constituiu uma forma de unificação da Península Ibérica.
Como tal, sempre se haviam sentido no país diversas influências culturais castelhanas. Autores e artistas portugueses gravitavam nas órbitas da corte à procura de mecenato nos palácios reais de Madrid – ao contrário das moradas mais pequenas dos nobres portugueses –, fixavam residência em Espanha, aceitavam padrões espanhóis e escreviam cada vez mais na língua de Cervantes.
Gil Vicente, o criador do teatro nacional, utilizou o português, o castelhano e ambos os idiomas nas suas peças. Também Camões escreveu as suas obras em castelhano e em português. E, a mesma forma era aplicada nas influências portuguesas em Castela. Alguns autores clássicos da literatura espanhola escreviam em português, numerosas traduções de autores portugueses circulavam em Espanha e houve, como vimos, rainhas portuguesas em território espanhol. O número de estudantes portugueses em universidades espanholas e o número de professores espanhóis em Portugal sofreu, durante todo este período, uma evolução significativa.
Para além da língua, a dinastia Habsburgo apostou no poder da imagem e da memória, tendo como finalidade convencer os portugueses de que o rei Católico não só era o legítimo como o mais vantajoso dos vários candidatos que pretendiam o trono de Avis na sucessão de Portugal.
Do ponto de vista teórico, tornava-se necessário justificar a secessão, mostrar a todos que o novo monarca, longe de figurar como usurpador, reavera simplesmente aquilo que por direito legítimo lhe pertencia.
Não há qualquer dúvida que o poder também se expressa sob formas não coercivas e de que as imagens se encontram entre estes expedientes não violentos. O carácter exemplar que se concede à dimensão visual, exercitando a memória com imagens tanto orais como visuais mas sempre visíveis, eleva este método como um dos mais eficazes para conseguir que se fixe as ideias que se pretendem adquirir ou transmitir. Enquanto instrumentos, o valor das artes visuais permitem ao poder tornar-se reconhecível, exibindo-se e justificando-se, conferindo igualmente intensidade ao poder, fazendo com que este deixe de ser uma simples força para se converter em potência.
Em termos gerais, o século XVI considerava que olhar o rei era uma espécie de consumação do olhar humano. A visão dos monarcas em majestade, os quais coroavam a escala dos poderes deste mundo, aparecia como algo que superava todas as demais visões humanas. Baseava-se na teoria que personificava no corpo físico do rei a própria realidade da Monarquia, na qual o Príncipe se convertia numa espécie de ícone político da comunidade a que presidia e cuja existência se expressava majestosamente em si mesmo.
Por isso mesmo, a entrada de Filipe I em Portugal foi espectacularmente arquitectada, com toda a pompa e circunstância da etiqueta real.
Em primeiro lugar, as imagens através das quais o monarca é representado – retratos, escudos de armas, emblemas, medalhas, obras reais – tendem a substitui-lo, ou seja, são testemunhos da sua existência onde a presença física régia não chega. Em segundo lugar, as imagens representam o poder, reduplicando-o e dando-lhe prestígio, seja por serem tomadas como expressão de um título justo, seja porque se convertem em instrumentos de reconhecimento efectivo.
O Retrato de Filipe I de Portugal do Museu Nacional de San Carlos da Cidade do México – com a inscrição que diz claramente «D. Filipe I de Portugal e II de Castela» – é disto paradigmático e altamente ilustrativo. |
Enquanto os retratos de corte a uso nessa altura o apresentavam mais ou menos com elevado aparato, aqui o rei aparece com o ceptro de ouro dos reis portugueses, vestido de branco e ouro, com o exuberante traje que levava nas Cortes de Tomar, ao contrário das vestes negras com que frequentemente andava.
Todos os artifícios tinham uma intenção clara de durabilidade, não para permanecerem no tempo cronológico, mas no registo da memória. Era pelo recurso a imagens como estas que se pretendia causar uma impressão imperecível na recordação daqueles que as viam.
A falta de participação popular no movimento de independência de Portugal não significou que o entusiasmo do povo não tivesse presente no que respeitava à libertação da coroa espanhola. Séculos de conflitos com Castela foram criando um forte antagonismo entre os portugueses e os seus únicos vizinhos terrestres.
Embora o separatismo nacionalista não constituísse uma importante questão política, verificou-se, a nível popular, um patriotismo cultural.
Para a maioria dos Portugueses, sobretudo para as camadas inferiores, os monarcas Habsburgos era vistos como usurpadores, os Espanhóis como inimigos e os seus partidários traidores.
Estes sentimentos populares da identidade portuguesa não afectavam grandemente as altas camadas da sociedade. À época da revolução de 1640, a cultura da corte era transnacional. A linguagem vernácula dos camponeses, que se tornou a linguagem nacional, não era falada na sociedade culta.
No entanto, a perda de uma individualidade cultural era sentida por muitos portugueses, resultando em reacções diversas a favor da língua pátria e da sua expressão em termos de prosa e poesia.
O idioma falado ou escrito deixa de ser considerado apenas como instrumento de comunicação, para dar lugar a um patriotismo linguístico, intimamente relacionado com o espírito nacionalista. Embora muita gente falasse e escrevesse em espanhol, mesmo entre o povo, durante o domínio filipino, o português continuou a ser a língua oficial. Partindo da noção de que a língua portuguesa era um tesouro a proteger (a fala dos dominadores não deixou de se impor), os estudos linguísticos assumem uma importância elevada (percursores dos os estudos de Fernão de Oliveira e de João de Barros, do século anterior). A atenção prestada ao modo de falar do povo e aos seus provérbios e aforismos tornou-se um aspecto a destacar desse movimento.
A poesia popular alertava sobre os perigos em confiar nos castelhanos e baladas reforçaram as diferenças entre as duas culturas.
A literatura satírica (com vestígios do teatro de Gil Vicente) produzida durante o Portugal dos Filipes é muito rica e continua à espera de uma edição que a dê a conhecer. Evidentemente, que a escrita satírica não é específica ou exclusiva da luta política em sociedades como as europeias dos séculos XVI e XVII, onde uma escala de desqualificações sociais expressavam uma violência quotidiana e caracterizavam a ofensa aos outros.
As sátiras desta época fundaram as suas raízes no teatro de Gil Vicente e numa florescente tradição de trovas, a qual é possível seguir até aos tempos medievais. Com uma fecunda linha temática centrada em ridicularizar os castelhanos e a sua relação com os portugueses, assistiu-se a uma profusão de sátiras que começaram no ano de 1580, as quais acompanharam os Filipes até 1640, para entrarem, depois desta data, no arsenal propagandístico da Restauração.
A consciência épica d’Os Lusíadas constituiu um dos ingredientes mais duradouros da retórica nacional. A obra constituiu um importante marco cultural e fixou, por muito tempo, os traços básicos da erudição portuguesa e estrangeira. Foi a obra mais lida em todo o século XVII: entre 1580 e 1640, editaram-se vinte e quatro vezes as obras de Camões.
O estado de espírito nacionalista permaneceu, embora a sua causa se tenha vindo a desmoronar progressivamente.
É a consciência épica de uma compensação do passado pelo presente que iria dar origem a um novo elemento de resistência: o Sebastianismo, difundido por todas as classes.
Na década de 1570, D. Sebastião reviveu brevemente a noção de conquista de territórios como a solução para a situação da pátria e comandou uma campanha militar a Marrocos. Foi derrotado e desapareceu na batalha de Alcácer Quibir.
A perda da autonomia e o desaparecimento de D. Sebastião originaram a crença segundo a qual o rei não morrera em Alcácer Quibir e voltaria em breve, transformando Portugal no Quinto Império. O mito do sebastianismo aproveitou a crença surgida nas trovas proféticas de Bandarra, um sapateiro que vivera no tempo de D. João III e que anunciara a vinda de um rei encoberto, redentor da humanidade.
Uma espécie de «nacionalismo messiânico» foi crescendo em Portugal, baseado nos feitos heróicos do desaparecido D. Sebastião. Esperava-se, a todo o momento, o regresso do rei messias para salvar o povo do seu sofrimento.
Nas décadas de 1620 e 1630, muita gente começou a identificar D. Sebastião com o duque de Bragança, seu herdeiro legítimo. A necessidade de mudança transferiu o sonho para a realidade política e os sebastianistas identificaram-se com os opositores da União Espanhola.
É a convicção de que os Portugueses eram ainda os mais gloriosos homens do mundo que alimentou boa parte da literatura de resistência durante o domínio filipino.
A situação governativa especial, com a ausência de uma corte régia em Portugal, originou transformações sociais de interesse. No que respeita à aristocracia, grande número de nobres recusou-se a ir viver para Madrid e, sentindo a discriminação da administração central e de Lisboa (onde se localizavam os grupos apoiantes de Espanha), acabou por se retirar para as suas propriedades rurais. A falta de uma corte régia prejudicou a expansão cultural dentro das fronteiras nacionais, desencorajou os espíritos mais talentosos e conferiu à cultura um nível ruralizante, confinando-a a pequenos núcleos em redor de alguns bispos e nobres mais abastados.
O século XVII foi decisivo para o pensamento e a ciência moderna. Foram as ideias de Galileu, Descartes, Pascal, Espinosa, Bacon, Newton que revolucionaram a visão do mundo. A literatura e a arte acompanhou essa mudança, onde os nomes de Shakespeare, Cervantes Corneille, Moliére e Racine imprimem o génio nas letras; e Rembrandt, Van Dyck e Velasquez ilustram as pinturas.
Após a prosperidade do reinado de D. Manuel I onde floresceu o teatro, a poesia e a música (com a polifonia vocal), os anos da governação filipina significaram um esmorecimento cultural. Podem ser apontadas diversos factores, mas as razões fundamentais encontram eco na repressão inquisitorial e na crise económica que culminou com a perda da independência e que conduziu a uma situação de depressão e de desânimo.
Nascido em Itália, o barroco começa por ser um estilo do mundo católico, ligado à Contra-Reforma, mas ao longo do séc. XVII conquista o resto da Europa e é exportado para outros continentes. Entre nós, o barroco permanece durante dois séculos. A utilização da talha e azulejaria consolida o estilo ao gosto nacional e reafirma a autonomia portuguesa face à Espanha.
O estilo barroco nasceu da crise de valores renascentistas ocasionada pelas lutas religiosas e pela crise económica vivida em consequência da falência do comércio com o Oriente. O homem de Seiscentos vivia um estado de tensão e desequilíbrio, do qual tentou evadir-se pelo culto exagerado da forma, sobrecarregando a poesia de figuras, como a metáfora, a antítese, a hipérbole e a alegoria. Todo o rebuscamento que marca a arte barroca é o reflexo do dilema, do conflito entre o terreno e o celestial, o homem e Deus (antropocentrismo e teocentrismo), o pecado e o perdão, a religiosidade medieval e o paganismo renascentista, o material e o espiritual, que tanto atormenta o homem do século XVII. O pensamento e a arte caracterizam-se, assim, pela busca do detalhe num exagerado rebuscamento formal.
Ao mesmo tempo, é nesta época que o artista toma consciência do seu valor tendo orgulho na sua profissão e considerando a arte pela arte e querendo diferenciar-se dos demais. Importa referir que é neste período que aparecem as primeiras Academias de Belas Artes onde a formação do artista era teórica, colocando-o ao nível do poeta e do filósofo e libertando-o da condição de artificie. É também nesta altura que uma burguesia cada vez mais rica entra na cultura aumentando o nível das encomendas; as obras de arte perdem o carácter utilitário da Idade Média para passarem a ser objectos de luxo.
A literatura assume um carácter moralista e apologético da majestade divina, tornando-se um importante instrumento para educar e pregar por parte dos religiosos. Os dois escritores portugueses do século XVII, o Padre Manuel Bernardes e o Padre António Vieira, representam todas essas tendências. O primeiro, escrevendo em prosa, e o segundo realizando a apresentado os seus sermões, demonstraram o génio inventivo através do uso da palavra como algo que vale por si, em pôr a ideia ao serviço da forma.
A concepção tridentina de religião e o seu peso na sociedade de Seiscentos tiveram um grande impacto sobre as artes, nomeadamente na arquitectura. Novas formas decorativas, como azulejos de cores variadas e a talha dourada, cobriam os altares das igrejas, relegando a pintura religiosa para um plano secundário.
De forma a captar a atenção e a imaginação das almas para Deus, a arquitectura religiosa deu prioridade à construção de igrejas, com espaços mais longos do que largos e uma mudança significativa na distribuição da luz e na decoração. De naves escuras, iluminadas apenas de ângulos diferentes, a igreja surgia como um vasto salão, obrigando os olhos e os espíritos dos fiéis a voltarem-se apenas para o púlpito e para o altar, exuberantemente decorado. O sermão é considerado uma lição e tudo se dispõe de forma que a figura do pregador seja vista e a sua voz ouvida de toda a parte.
A chegada a Portugal da Companhia de Jesus, com o seu dinamismo no campo da acção pastoral e do ensino, originou uma grandiosa vaga de construção religiosa que se prolongou durante o século XVII e constituiu um importante capítulo da História da arquitectura nacional. Os Jesuítas introduziram duas novidades: a centralização da acção apostólica na igreja e a vertente pedagógica, que conduziria à criação de redes de seminários, edifícios «civis» funcionando em regime de internato onde a igreja se integrava mas tipologicamente distintos dos conventos tradicionais.
A Igreja de S. Roque (1565), em Lisboa, foi a primeira das grandes construções da Companhia, além de sede da Ordem em Portugal. O arquitecto régio Afonso Alvares foi encarregado da traça de nave única com capelas laterais comunicando entre si. Um espaço totalmente unificado, equivalente a uma «praça pública» com a funcionalidade necessária para uma liturgia profundamente vocacionada para a pregação. As igrejas da Companhia de Jesus em Lisboa, Évora (Igreja do Espírito Santo, 1567) e Braga (Colégio de Sant’Iago, 1567) formam uma trilogia inseparável pelas suas semelhanças arquitectónicas. O novo modelo de nave única adoptado na edificação dos espaços religiosos foi largamente utilizado no decurso dos séculos XVI e XVII em igrejas e sacristias nacionais e pelo mundo fora, vindo ainda a servir de paradigma para a construção de igrejas pombalinas, já no terceiro quartel do século XVIII. Serviu de protótipo a igrejas espanholas como São Bartolomeu do Escorial ou a sacristia da Catedral de Toledo, provando que o intercâmbio cultural entre os reinos peninsulares se fazia nos dois sentidos.
Na arquitectura civil, verificou-se exactamente o mesmo fenómeno. Nos ricos palácios e casas de campo, a decoração dos interiores mostrava-se extremamente rica e adornada, caracterizando um caprichoso e refinado estilo que, mais do que marcar a transição entre duas épocas, expressou a necessidade de renovação. O aumento de população abastada residindo em cidades foi proporcional à edificação de palácios e mansões. Já na época da Restauração e em Lisboa, salienta-se o Palácio Távora-Galveias (Campo Pequeno) e o Palácio dos Marqueses de Fronteira, em Benfica.
O ciclo filipino era também a época da aristocracia rural, exilada nas aldeias no repúdio pela dinastia espanhola, que consolidou a tipologia do solar da fidalguia rural portuguesa. Destacam-se a Quinta das Torres, em Azeitão, a Quinta do Calhariz na Serra da Arrábida e a Casa de Pascoaes em Amarante.
No século XVII, a pintura religiosa declinou mas a arte do retrato, já desenvolvida anteriormente, elevou-se. A primeira deu lugar a uma outra arte decorativa: a do azulejo e da talha dourada. Os ceramista e entalhadores eram artistas do povo e a evolução desses dois géneros reflecte a cultura e o gosto populares com a sua devoção festiva, mas também o difícil período económico. O azulejo substituiu, nas paredes das igrejas e nos palácios, as caras tapeçarias importadas da Flandres, território de domínio espanhol. A talha substituiu a escultura em pedra e outros materiais mais dispendiosos, tal como o ouro e a prata dourada, obtidas através dos espanhóis. Muitos objectos de culto passaram a ser feitos de madeira dourada e trabalhados de forma a parecer metal. O material era barato, a mão de obra dos ourives evitada e o efeito decorativo, combinado com o azul do azulejo, tornava-se magnífico. De tal forma que se prolongou por quase todo o século XVIII e, levada pelos emigrantes portugueses, floresceu no Brasil.
Este é também um período no qual a música de Igreja se desenvolve sob os auspícios religiosos da época e a polifonia nacional toma a sua forma mais perfeita. No entanto, não há quaisquer demonstrações significativas de novos géneros musicais que se desenvolviam na Europa, como a ópera ou o madrigal.
A direcção da cultura pela Igreja e pelo Estado originou um ambiente dificilmente permeável a qualquer progresso científico, rejeitando o avanço cultural que se ia verificando fora de Portugal e oferecendo um exemplo de dogmatismo e conservadorismo.
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