A época de Quinhentos trouxe significativas mudanças para o Cristianismo. Por um lado, os estados protestantes, seguidores de Lutero e defensores do espírito científico, de ideais reformistas e protestantes, a liberdade de expressão e de pensamento. De outro, os redutos obedientes Roma, apoiada por uma Europa conservadora e católica e marcada pelo teocentrismo medieval.
Em reacção à Reforma proposta por Lutero na Alemanha, o Papa Paulo III convocou em 1545 o que viria a ser um dos mais importantes concílios ecuménicos da história da Igreja: o Concílio de Trento, finalizado em 1563, de onde saíra uma Igreja Católica mais forte do que nunca.
Portugal entrou no conflito tomando partido do bloco fiel a Roma, visando a imperturbabilidade das condições políticas, económicas, sociais e geográficas.
O fim da tolerância religiosa em Espanha, com a queda de Granada para as tropas cristãs, rapidamente se alastrou a Portugal. Em 1497, no mesmo ano que Vasco da Gama se preparava para iniciar o caminho marítimo para a Índia, Portugal aprovava legislação a proibir o trabalho a Muçulmanos e Judeus.
Assim, para assegurar as conversões ao Catolicismo, os portugueses tiveram de pôr em prática legislação discriminatória contra os não-cristãos.
A Contra Reforma, assim denominada a reacção católica à Reforma protestantista, visava uma profunda reestruturação no desempenho social e económico do clero, com o objectivo de restaurar e dignificar a sua condição de pureza. Limitou-se a ordenação apenas a sacerdotes e bispos que possuíssem algum património – evitando uma população mais pobre –, obrigou-se os prelados a viver nas suas dioceses e paróquias e criaram-se seminários para a preparação espiritual e cultural dos futuros eclesiásticos.
Todos os esforços despendidos pela Igreja resultaram num gradual aumento de poder eclesiástico, mais independente.
A heresia protestantista, orientada pela doutrina de Lutero, desencadeou o motivo pelo qual se perseguia em Portugal, na década de 1530. Mas, rapidamente foi substituído por outro, bem mais real na sociedade portuguesa: o judaísmo.
Muitos judeus, convertidos à força e praticando publicamente actos do culto cristão, designados por «cristãos novos», continuavam, na intimidade dos seus lares, a ser fiéis à sua doutrina religiosa. No caso de serem denunciados, eram acusados de delito contra a fé e punidos com a morte e o confisco da fortuna, pois um grande número de população de ascendência judaica detinha somas avultadas de bens e de ouro. E, para a situação de dificuldade económica do Estado, esta medida revestia-se de grande e oportuno interesse, constituindo uma nova arma de centralização régia. A Inquisição manteve-se durante muito tempo sob controlo directo do poder real, cujos interesses servia. Só a partir de 1615 é que o Santo Ofício e o Estado foram definitivamente separados. Entretanto, a Inquisição crescera e detinha um poder económico considerável, transformando-se num estado dentro do Estado.
A Inquisição portuguesa foi baseada no modelo espanhol e instaurada em 1536, através de bula papal concedida ao rei D. João III. Mais do que uma ramificação educacional da Contra-Reforma, a Inquisição foi concebida como um instrumento repressivo. O primeiro auto-de-fé, assim designada a condenação à fogueira em praça pública e em cenário espectacular, realizou-se em 1541. Contando na assistência com altas autoridades governativas (rei e família real), estes espectáculos de horror visavam atrair, excitar e comover as massas.
Passado cerca de um século e meio e abrangendo uma época de religiosidade profunda, em 1684, o número de pessoas queimadas nas condenações públicas ascendia a mil trezentas e setenta e nove. A sua maioria tinha sido castigada por praticar o culto judaico mas, nas longas listas de acusações, também figuravam práticas de feitiçaria, paganismo e comportamentos considerados imorais. Para além destas, centenas ou milhares de homens e mulheres acabavam por morrer na prisão onde eram deixados sem julgamento anos a fio.
O seu poder quase autónomo resistia à influência da coroa e estava imune à interferência papal.
A sua crueldade no trato de possíveis suspeitos religiosos era largamente anunciada como ferramenta de controlo social e as suas execuções eram encenadas para obterem o máximo de efeito.
No governo dos monarcas Habsburgo, a Inquisição tornou-se uma importante ferramenta de persuasão do governo, com autoridade para actuar pela sua própria iniciativa sem sanções parlamentares ou jurídicas. Era uma arma poderosa na supressão de dissidentes e foi preferida pela nobreza da terra para manter o status quo tradicional e conservador.
Para além do terror das fogueiras, a actividade inquisitorial assumiu outras formas de perseguição: a denúncia e a censura.
O Santo Ofício havia instituído na sua doutrina um novo dever para com Deus: a denúncia de um delito contra a fé era considerada uma responsabilidade religiosa. O crente via-se, desta forma, obrigado a acusar qualquer facto que subjectivamente lhe tivesse suscitado um desrespeito pela fé, mas também por vingança e inveja. Todo o país era religioso e, por isso, todos aderiram com extrema facilidade a ideias que lhes apareciam como caminhos de piedade. Eram quatro os tribunais independentes do Santo Ofício, distribuídos por Lisboa, Coimbra, Évora e Goa e, por todo o lado existia alguém espiando, denunciando e condenando. Em reverso, por todo o lado existia alguém espiado, denunciado e condenado: a Inquisição invadia todos os aspectos da vida quotidiana.
A censura era exercida através da publicação do Index, extensa lista onde constavam os livros nacionais e estrangeiros que a Inquisição considerava contra a «nossa santa Fé e bons costumes». Os regulamentos inquistoriais eram aplicados rigorosamente na fiscalização do comércio e da entrada de livros no País: as vistorias às livrarias e aos navios que entravam nos portos eram frequentes. Todas as obras que promovessem o desvio da «verdadeira» fé eram apreendidas, prendiam-se os seus possuidores e queimavam-se os livros na fogueira.
A acção intimadora do Santo Ofício incluía igualmente o direito de correcção de todos os textos escritos, examinando e aprovando as obras antes de serem impressas, o que originou extensos cortes na segunda edição d’Os Lusíadas. Outros escritores como Gil Vicente, Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro e João de Barros conheceram igualmente os mesmos procedimentos dos censores.
Os censores cortavam e modificavam as palavras que consideravam menos convenientes, o que levava o escritor a ser cauteloso com a exposição das suas ideias. A produção literária aproximava-se então de temas que não implicassem riscos. No entanto, este clima intimador também fez nascer uma literatura clandestina e um estilo de escrita pleno de ambiguidades, numa construção engenhosa de palavras e ideias, que pudesse atravessar a malha fina da censura.
Esta acção repressiva deixou profundas marcas na evolução do País. O estabelecimento da Inquisição, com as suas perseguições organizadas, manteve a inovadora e intensa movimentação cultural do Humanismo isolada da actividade intelectual portuguesa durante uma parte do século XVI e ao longo de todo o século XVII. Afastou igualmente uma classe de mercadores e capitalistas, os «cristãos-novos» que podendo desempenhar um papel relevante na economia portuguesa, se viram forçados a deixar o País para sempre.
Numa época de grande progresso científico europeu, grande número de professores sofreu, em território português, perseguições de toda a ordem e poucas inovações no ensino foram toleradas, rejeitando o avanço cultural e insistindo numa metodologia conservadora e baseada nos velhos mestres.
Mas o clima de perseguição cultural não conseguiu travar as ideias e calar alguns protestos contra esta e outras atitudes menos inteligentes. Entre as vozes de reacção, estavam as palavras do Padre António Viera defendendo uma política de tolerância por razões económicas.
D. João IV adoptou uma política extremamente cautelosa com respeito ao Santo Ofício, bem consciente da sua importância política e religiosa mas bem ciente da sua pouca confiança. A Inquisição tinha-se mantido favorável a Espanha, posição compreensível se nos lembrarmos que fora a Inquisição quem praticamente governara Portugal durante a União Ibérica.
É verdade que a Inquisição tinha os seus interesses próprios como estado dentro do Estado, interesses que se afastavam, tanto dos de D. João IV como dos de Filipe IV.
A Santa Sé recusou-se a reconhecer a secessão de Portugal e negou todas as súplicas de confirmação de bispos para as dioceses que iam vagando. Em 1668, quando por fim se alcançou a paz, todas as 25 dioceses de Portugal e seu Império achavam-se sem prelado legal.
Os espanhóis tinham, aparentemente, um trunfo ideológico na sua tentativa de acabar com a revolta dos Bragança e reconquistar a perdida província de Portugal – fomentar a hostilidade do papa perante a causa portuguesa.
O nacionalismo não era bem visto pelo Vaticano no século XVII. Os papas associavam a independência política com a autonomia da religião Protestante que percorreu o norte da Europa.
A missão de Roma fracassou completamente. Ainda que o papa estivesse motivado para apoiar a independência de Portugal em 1640, não teria tido coragem para ofender o governo espanhol. O rei de Espanha, chefe do bloco da Casa de Áustria, era simultaneamente o suporte político da causa católica, então em luta com os protestantes. Os papas recusaram-se por isso a reconhecer a independência portuguesa e não o fizeram senão depois da própria Espanha o ter feito: só em 1669 o papa recebeu em audiência um embaixador português.
Os exércitos portugueses tinham sido derrotados pela falta de aprovação papal.
Apesar deste ostracismo papal e da persistente incapacidade de Portugal em substituir os bispos que morriam, uma quase autónoma Igreja católica sobreviveu ao longo dos 28 anos de luta de independência. Muitos mosteiros ficaram com boas terras e cresceram economicamente. Os padres da aldeia mantinham a sua grande influência e Portugal continuava a ser um bastião do Catolicismo.
Este ambiente de fé católica originou um elevado surto de ordens religiosas, (Jesuítas, Franciscanos, Dominicanos, Cistercienses, Beneditinos, Agostinhos) resultando numa verdadeira moda de instituir mosteiros e levando os monarcas e um grande número de aristocratas a associar o seu nome às construções dessas marcas de piedade cristã e honra religiosa.
Um facto dominante no panorama mental do século XVII foi a acção dos Jesuítas. Fundada como um ramo da Contra-Reforma, a grande ordem dos finais do século XVI e de todo o século seguinte foi a da Companhia de Jesus.
Entraram em Portugal em 1540 e dedicaram-se, para além do ataque das heresias e dos Judeus, à monopolização do ensino a todos os níveis (a Universidade de Évora foi fundada em 1559 e confiada àquela ordem religiosa). Funcionaram também colégios em Lisboa (no actual Hospital de S. José funcionava o Colégio de Santo Antão, rebaptizado pelo Marquês Pombal após a expulsão dos Jesuítas), Évora, Braga, Bragança, Angra do Heroísmo, Funchal, Faro, Portalegre, Ponta Delgada, Santarém, Porto, Elvas, Horta, Setúbal, Portimão, Beja, Pernes, Vila Viçosa e em diversos pontos no Brasil, África e Índia.
O seu programa educacional usava o latim exclusivamente para afastar de Portugal as crescentes literaturas vernáculas que iam aparecendo na Europa. Os livros de estudo foram cuidadosamente preparados, em harmonia com as verdades do saber ortodoxo defendido pela Contra Reforma. Durante século e meio, estes compêndios foram a base do ensino até ao governo de Pombal, que os proibiu. O espírito da Reforma revogava a liberdade mental e o direito de cada indivíduo pensar por si; era precisamente isso que a pedagogia jesuíta pretendia combater. Os Jesuítas mantinham escrupulosamente o índice de censura e baniram a filosofia de Descartes e Newton do seu programa, preferindo a doutrina de São Tomás de Aquino de obediência à abertura de espírito questionando a nova era científica.
O objectivo era enraizar dogmas e não o de provocar a discussão sobre os mesmos. Todos os estudantes aprendiam latim, gramática, retórica, filosofia, embora ignorasse as ciências novas e as línguas dinâmicas.
Constituíam prova evidente da tendência para manter formas arcaicas e obsoletas, de reacção contra a inovação e do medo em face do progresso.
O equilíbrio entre a tradição e modernidade permitiu aos Jesuítas controlar o poder educativo e confessional ao longo de várias gerações da elite.
O uso que se podia fazer dessa preparação pedagógica era limitado, provocando um atraso cultural. Enquanto a Europa conhecia um período de efervescência no campo científico, com as pesquisas e descobertas de Francis Bacon, Galileu, Kepler e Newton, a Península Ibérica era um reduto da cultura medieval.
Durante quase um século, estiveram aliados à Inquisição, à medida que se lhes multiplicava o poderio e a riqueza. A partir da década de 1620, os Jesuítas defenderam a causa da Independência, convertendo-se em importantes partidários do duque de Bragança, proclamado rei com o título de D. João IV em 1640. |