O que imploraste ouviu-o o rei tirano
como apelo ao gesto soberano
só ao alcance de quem tem compaixão
não preenchendo ele a condição.
Diz-se que vacilou: que não se quis vilão
no momento de a História lhe fixar o alarde
deixando ao arbítrio dos lestos matadores
a solução final. Mas era tarde.
A História já tomara a decisão
de fazer do vencedor do Mouro
carrasco da mulher
mãe dos seus netos.
Do último choro e das lágrimas de sangue
com que as paixões se cobrem
quando as retalham a golpes de punhal
brotou a lenda do teu nome mártir.
Sujas as mãos do “Bravo”
de nada lhe valeu culpar os sequazes.
A Memória, primando no ofício,
coroou, generosa, o sacrifício.
O “Bravo” rei verdugo, íntimo da dor
desconhecia na força do amor
algo mais alto que do Estado o rito.
Hoje ninguém lembra o vencedor do Mouro
hoje ninguém esquece o fundador do mito.
Tu, a de colo de garça, resplandeces
todos os dias
não só na pedra trabalhada
como nos pensamentos dos amantes.
O autor moral
cumpre degredo eterno
por cortesia de um inferno
de brandos costumes para os reis.
Tinha, ao morrer, o coração no sítio
imerecidamente.
2006 |