Metropolis, de Fritz Lang é uma das obras-primas absolutas do cinema, um misto entre a estética do Expressionismo filmado e pintado, magnificamente estilizado e a semente de ideias utópico-sociais e religiosas. Os críticos definem-no como “uma mistura bizarra entre ficção científica futurista e um romance clássico de horror gótico”.
A história do filme, situado em 2026 numa cidade-modelo inspirada em Nova Iorque, centra-se na dualidade da vivência entre a Parte Alta, com a luz do Sol, jardins magníficos e um luxo perpétuo, morada dos “senhores do mundo”, e a Parte Baixa, onde os trabalhadores labutam incansavelmente na penumbra, para trazer energia e prosperidade aos seus senhores.
O âmago do filme centra-se numa intriga entre cientistas e dirigentes para alcançar o Poder, sempre utilizando como peões os trabalhadores. Existe a dualidade entre Paraíso e Inferno, que será depois espelhada na personagem Maria, jovem “angelical” e doce que é depois utilizada como modelo para o robot maléfico que é a imagem mais icónica do filme e uma das imagens mais poderosas da História do Cinema. O argumento gira á volta do romance entre Freder, filho do poderoso e omnipotente presidente da Câmara, e a já referida Maria, professora e secreta defensora dos direitos dos trabalhadores oprimidos.
A isto junta-se Rotwang, o paradigma do cientista louco, que albergando antigos ressentimentos contra o presidente, pretende fazer desabar a sociedade (aparentemente) perfeita de Metrópolis, para isso construindo um robot que é a réplica perfeita de Maria, duplo maléfico que irá tentar levar os trabalhadores a revoltarem-se contra os seus senhores.
Tudo culmina num final que, segundo os críticos, é “pouco coerente e pouco credível”, com laivos das ideologias nacional-socialistas que Harbou professava (tendo-se inclusive filiado em 1932 no N.S.D.A.P., o partido nazi. Quanto a Lang, após ter sido convidado por Hitler para “Fuhrer” do cinema alemão, fugiu em 1933 para França e posteriormente para os Estados Unidos, onde conseguiu uma carreira longa e de qualidade).
É evidente que o contexto ideológico deste filme não vai “beber” apenas na inspiração da “Nova Alemanha” a despontar, sendo também credor de dois dos “pais” da Ficção Científica: H.G. Wells e “A Máquina do Tempo”, com a sua sociedade do futuro distante drasticamente estratificada entre Morlocks e Élois ; e Jules Verne, em tudo o que diz respeito ao “mundo que virá”, em termos de inovações científicas e arquitectónicas.
Em relação á parte menos discutível do filme, e mais conseguida, a da realização/concepção de Metrópolis, é de referir que Lang colaborou na direcção artística da obra-prima do Expressionismo alemão, “O Gabinete do Doutor Caligari” (1919, Robert Wiene), tendo juntado aos cenários distorcidos e irregulares, á perspectiva desfocada e ás sequências claustrofóbicas e psicológicamente perturbantes que são as marcas do Expressionismo uma visão ambiciosa e megalómana de cinema.
As filmagens de Metrópolis demoraram um ano e quase levaram á bancarrota a produtora U.F.A., que apostou tudo no filme mais caro de sempre (á época), com cerca de 40.000 figurantes e cenários meticulosamente construídos pela equipa de Lang. O resultado do génio de Lang e do argumento (dúbio) de Harbou é uma obra-prima, que se tornou numa grande influência para o género da Ficção Científica (escrita, desenhada e filmada), especialmente notada em filmes como “ Blade Runner” (Ridley Scott) e “ Dr. Estranhoamor” (Stanley Kubrick).
A cópia hoje em dia de maior duração é a existente em DVD, com 118 minutos (a uma velocidade mais rápida, por isso mesmo com menos minutos). O filme na sua estreia tinha a duração de 210 minutos, tendo Lang remontado para 153 minutos o filme aquando da sua estreia nos Estados Unidos. As razões para um quarto do filme original se ter perdido são várias, mas é de referir que Hitler, quando subiu ao poder em 1933, mandou queimar todas as cópias existentes dos filmes de Lang, a que não escapou Metrópolis.
Em 1984, o compositor Giorgio Moroder remontou e coloriu uma versão do filme que contém uma banda sonora contemporânea, que não sendo tão má como os críticos mencionaram na época, é de evitar se possível. Em 2001, o Festival de Berlim apresentou uma versão restaurada com 147 minutos, a partir de diversas versões do filme.
De mencionar ainda alguns factos curiosos sobre Metrópolis: Foi filmado no mesmo ano em que saiu nos Estados Unidos a 1º revista de Ficção Científica, a “Amazing Stories”, onde Hugo Gernsback, o seu fundador, cunhou a palavra “ScientiFiction”, género literário muito influenciado por Metrópolis; foi o 1º filme a ser nomeado para conservação pela UNESCO como “Memória do Mundo”, em 2001; também no mesmo ano foi produzida no Japão uma interessantíssima “anime”, intitulada “ Metrópolis”, uma homenagem/re-invenção do clássico de Lang, com realização de Rintaro, a partir de uma “manga” de Ozamu Tezuka (criador de “ Ghost in the Shell”), e com argumento de Katsuhiro Otomo (criador do seminal “ Akira”).
João Bénard da Costa, aquando do ciclo na Cinemateca sobre Lang, escreveu que Metrópolis é “o espaço de um conflito entre o mundo mágico e oculto (...) e o mundo da moderna tecnologia”; e Luís Bunuel, o grande cineasta dos sonhos e do Surrealismo, avisa-nos que Metrópolis “cumulará todos os nossos desejos, e maravilhar-nos-á como o mais maravilhoso livro de imagens que algum dia se compôs, como uma arrebatadora sinfonia do movimento”. |