“20.000 Léguas Submarinas”, o primeiro filme saído dos Estúdios Disney sem personagens de animação e também o primeiro em “Cinemascope”, é talvez a melhor versão cinematográfica de uma obra de Jules Verne (e um dos seus livros mais adaptados, com versões de cinema mudo, a preto e branco, a cores, séries de T.V. contemporâneas, etc).
É uma adaptação fiel, principalmente em relação aos conflitos sociológicos e filosóficos descritos no romance, embora tenha como seria de esperar uma “dose” de aventura e acção que o tornam um dos grandes filmes da “Época de Ouro” de Hollywood.
O argumento gira á volta do mistério que rodeia uma série de ataques a navios, que descobrimos depois serem da responsabilidade do Capitão Nemo, de nacionalidade indiana, e do seu submarino, o “Nautilus”.
Nemo é a figura principal do filme (numa excelente interpretação de James Mason), carismático, ameaçador e sedutor, uma personagem com várias “nuances” e com facetas diversas e conflituosas em termos de personalidade. No decorrer do filme, Nemo parece tornar-se progressivamente apenas mais um representante dos celebrados “sábios loucos” do cinema, mas a sua personagem é evidentemente mais rica e menos estereotipada que um simples cientista levado á loucura (embora por razões perfeitamente plausíveis).
A evolução do comportamento de Nemo ao longo do filme (e do romance) levanta várias questões ao espectador: será Nemo apenas um produto da injustiça do imperialismo, representando a figura de um revolucionário á frente do seu tempo na luta contra o despotismo?
Será que a violência exercida pelo Capitão Nemo e os seus métodos de “Vigilante” serão a melhor forma de corrigir as injustiças do mundo?
Será o brilhante submarino “Nautilus” apenas um exemplo da utilização da Ciência para combater os males do mundo e o Totalitarismo?
Poderá existir um meio-termo que possa pôr o génio de Nemo ao serviço de algo construtivo e não destrutivo (o eterno dilema das descobertas científicas e a sua utilização)?
A estas perguntas pertinentes o filme responde-nos com imparcialidade, esquivando-se ás respostas simplistas, dando ao espectador apenas o ponto de vista de Nemo, a forma como o Capitão observa as situações e personagens com que se depara, e o carácter positivo ou negativo das suas reacções.
Em relação aos aspectos técnicos do filme, são de destacar os excelentes efeitos visuais e os magníficos cenários, especialmente no “Nautilus”, um luxuoso palácio submarino de inspiração vitoriana. Como curiosidade, refira-se o facto de o filme ter ficado imortalizado na “Disneyland”, com uma viagem submarina temática.
Também de destacar são dois factos interessantes paralelos ao filme “ 20.000 Léguas Submarinas”: a continuação em livro, “ L’ Ilê Misterieuse/A Ilha Misteriosa” (serializado em 1874-1875), adaptado para cinema em 1961 por Cy Enfield, com interpretação de Herbert Lom como Nemo. O temido capitão é aqui apenas uma figura tutelar, um “Deus ex-machina”, que ajuda as personagens sem se revelar, num enredo que gira á volta da sobrevivência numa ilha (aparentemente) deserta, na época da Guerra Civil Americana; absolutamente indispensável é a homenagem a Nemo feita recentemente em Banda Desenhada pelo genial Alan Moore e por Kevin O’Neill, “ The League of Extraordinary Gentleman/A Liga dos Cavalheiros Extraordinários” (desde 1999, em 2 volumes, não confundir com o dispensável filme feito a partir desta magnífica B.D.), que nos mostra o indomável capitão finalmente reconciliado com os seus inimigos de sempre (os ingleses), onde o submarino “Nautilus” é retratado em todo o seu esplendor e é peça sempre fundamental do enredo. |