Cena II

As estátuas estão limpas e o canhão foi retirado. Homens e mulheres, sentados nos bancos, conversam. Crianças brincam nos jardins e casais de namorados passeiam nas alamedas. O ambiente á alegre.

NARRADOR

Era uma cidade boa, senhores. Era uma cidade boa e feliz esta cidade, com os homens e as mulheres conversando e rindo à sombra dos heróis. No silêncio recolhido das igrejas de pedra antiga, as mães ensinavam aos filhos o amor do próximo e todos eram próximos e sabiam que eram próximos. Era uma cidade boa e feliz esta cidade, senhores. Os homens eram livres e trabalhavam, e amavam-se uns aos outros. As crianças estudavam e brincavam, e os namorados abraçavam-se e beijavam-se, e colhiam flores nos canteiros dos jardins.

Acompanhando as palavras do Narrador, um Casal de Namorados desfolha uma flor de malmequer.

NARRADOR

Malmequer, bem-me-quer, malmequer, bem-me-quer, hei de amar-te a vida inteira. Era uma cidade boa e feliz esta cidade, senhores. Havia calor no verão e as flores brotavam na primavera, e havia frio no inverno e as folhas caíam no outono. Os policiais protegiam a vida dos cidadãos e os motoristas não buzinavam na porta dos hospitais e das escolas, nem os professores mentiam aos alunos. Ninguém compunha epitáfios de pompa, nem discursos de circunstância; nem condecorava com medalhas os mentirosos e os amigos. Nesta cidade, senhores, havia consciência e havia entendimento, e os heróis eram heróis de verdade. Por isso, era uma cidade boa e feliz esta cidade. Nas janelas dos escritórios o sol dourava os sorrisos das datilógrafas e, nas igrejas de pedra antiga, os fiéis acreditavam no poder e na benção das divindades. Os namorados abraçavam-se e beijavam-se e os velhos sorriam e balançavam as cabeças, aprovando.

Escuta-se o ruído de homens marchando.

NARRADOR

Sobre as estátuas dos heróis revoavam bandos de pombos e pardais, e os cães e os gatos corriam por entre as árvores das praças e dos jardins. Era uma cidade boa e feliz esta cidade, senhores. Casas e casas, e praças e ruas, e homens honrados, trabalhando.

O ruído aumenta, num crescendo.

NARRADOR (Quase gritando)

Nesta cidade, senhores, os homens trabalhavam e reverenciavam os mais velhos e os heróis, e as crianças estudavam e brincavam, e o futuro escorria no tempo, sereno e tranqüilo com um rio imaculado. Assim era esta cidade, senhores. Os homens sempre acreditaram no futuro e os heróis sempre...

O ruído abafa a voz do Narrador.

NARRADOR (Gritando)

Esta cidade era assim, senhores! Os homens sempre acreditaram no futuro e os heróis sempre foram verdadeiros!

Homens Vestidos de Marinho entram, correndo, e arrastam o Narrador para fora da cena.

 

APAGA A LUZ