AS PULGAS Cunha de Leiradella 13-12-2004 www.triplov.org |
MADAME Silva. MONSIEUR Sim, Ifigênia. MADAME Ana Maria, hoje, recebe convidados. MONSIEUR Ótimo. Ótimo. E você, minha filha, conhece esses convidados? MADEMOISELLE Oh, papai! É o Alberto. Ele... MONSIEUR Ele pertence a que família? MADEMOISELLE Aos Lemos, papai. Não é, mamãe? MONSIEUR Lemos? Lemos? Lemos de quê? MADAME Lemos da Silva, Silva. MONSIEUR Ah, então somos todos... MADAME O Monsieur não é Silva. É outro Silva. MONSIEUR Mas... MADEMOISELLE O Alberto é dos Lemos, papai. Silva é só o nome. Não é mamãe? MONSIEUR Quer dizer que o Silva dele... MADAME Não é Silva, Silva. MONSIEUR Mas, se ele é Silva... MADEMOISELLE Mas também é Lemos, papai. O Alberto é Alberto Lemos da Silva. MONSIEUR Então deve ser uma grande família. Somando os Lemos e os Silva... MADAME Não some, Silva. Não some. Silva é o só o nome. MONSIEUR Mas o nosso Silva... MADAME Não confunda, Silva. O nosso Silva é nosso. O Silva dele é Lemos. MONSIEUR Ah! MADEMOISELLE (Ao mesmo tempo) O Alberto mora aqui. É quase nosso vizinho, papai. MONSIEUR Bem. Considerando... MADAME Silva, nós conhecemos alguns Lemos? MONSIEUR Lemos, assim de repente, acho que não, Ifigênia. MADEMOISELLE Oh, papai, o Alberto... MONSIEUR Eu sei, minha filha. Eu sei. Mas nós não somos Lemos. MADEMOISELLE Papai! MONSIEUR (A Madame) Como eu estava dizendo, o fato de nós não conhecermos alguns Lemos, não significa que não existam mais Lemos. Eu nunca conheci nenhum Ford e houve um Ford que fabricava carros e outro que foi presidente dos Estados Unidos. Agora, quanto a esses Lemos... MADAME Será que eles são do interior, Silva? MADEMOISELLE Mamãe, o Alberto mora aqui! MONSIEUR (Ao mesmo tempo) Podem ser, Ifigênia. Podem ser. Você sabe que o interior, apesar de ser interior, também tem legados hereditários de longa data. Falando francamente, Ifigênia, a gente é que não gosta de admitir, mas é no interior que nasce tudo. Aqui no Brasil, por exemplo, é no interior que nascem todos os nossos rios. E olha que nós temos alguns dos maiores rios do mundo. No interior há coisas importantíssimas, Ifigênia. As estradas, as fazendas, as minas... Todas as nossas melhores minas são do interior, Ifigênia. E olha que nós temos minas de ferro, nós temos minas de ouro, nós temos minas de diamantes, nós temos minas de água, nós temos minas de tudo. Falando francamente, Ifigênia, as duas únicas coisas que o interior não tem são o litoral e as praias. O resto, o interior tem tudo. Assim sendo, Ifigênia, eu não me espantaria se esses Lemos fossem do interior. Em Bauru, por exemplo, existem Lemos. Eu conheci os Lemos de Bauru. MADEMOISELLE O Alberto não é de Bauru, papai. O Alberto é daqui. MADAME Ana Maria, de Bauru, daqui ou dali, que importância tem isso? Nós não moramos na nossa casa? Moramos na nossa casa e, nem por isso, deixamos de ter fazendas em Caxambirra. E, além do mais, minha filha, embora talvez você não saiba, no fundo, no fundo, seu pai quase sempre tem razão. MONSIEUR Realmente, minha filha, sua mãe está certa. Lá no banco, por exemplo... MADEMOISELLE Mas, papai, o Alberto... MADAME Ana Maria, tenha modos! Seu pai ia falar. Fale, Silva. MONSIEUR Bem. O que eu ia dizer... Quer dizer, o que eu queria dizer é que, o importante, são os fatos. Contra fatos não há argumentos, minha filha. Quem tem um banco, tem um banco, e, quem não tem, não é banqueiro, entendeu? O relógio bate cinco horas. MADAME Silva, Ana Maria está noiva. MADEMOISELLE Mamãe... MONSIEUR Ótimo. Ótimo. Meus parabéns. Meus sinceros parabéns, minha filha. (Tomando ciência do fato.) Ana Maria está noiva? Mas está noiva de quem? MADAME Que pergunta, Silva! Ana Maria está noiva do noivo dela. MADEMOISELLE Mas, mamãe, eu não... MADAME Você, sim. (A Monsieur.) Silva, Ana Maria está noiva. MONSIEUR Eu sei que Ana Maria está noiva, Ifigênia. MADEMOISELLE Papai... MONSIEUR Mas se Ana Maria está noiva, tem que ter um noivo, ou não? Lá no banco, por exemplo... MADAME Silva, James vai... MONSIEUR James? Mas que filho da puta! MADAME Olhe os seus modos, Silva! Você é dono de um banco, merda! MONSIEUR Eu sei que sou dono de um banco, mas também sei o que digo. Ou você pensa que eu já esqueci... MADAME Silva, eu não admito que você insulte a memória da minha mãe. Benson era apenas o nosso mordomo... MONSIEUR Igualzinho a este! MADEMOISELLE Papai! MONSIEUR Não era sua mãe que dizia que a melhor coisa que ela tinha dentro daquela casa era aquele filho da puta daquele mordomo? E não foi ele que ensinou você a falar espanhol, não? Ou será que fui eu? Hem? MADAME Silva, você está me insultando! Eu estudei na Suiça. Você é que falava espanhol! MADEMOISELLE Papai... MONSIEUR Está bem, Ifigênia. Desculpe, eu tinha esquecido do meu espanhol. Mas, a notícia do noivado de Ana Maria, dada assim de repente... MADEMOISELLE Mas eu não estou noiva, papai! Eu... MADAME Está, sim. MADEMOISELLE Mas, mamãe... MADAME Silva, Ana Maria está noiva. MADEMOISELLE Mas... MONSIEUR Minha filha, se sua mãe diz que você está noiva, você está noiva, não se preocupe. Você não lembra, mas, quando sua mãe disse que eu estava noivo, eu também não acreditei. Mas, estava, entendeu? (Levanta-se e abraça Mademoiselle.) Meus parabéns, minha filha. Tenho certeza que sua mãe fez uma boa escolha. Você vai ser muito feliz, você vai ver. Madame levanta-se e abraça os dois. O relógio bate uma badalada fortíssima. Depois, toca os primeiros acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven. Quando termina, todos se sentam. MADAME Pronto, minha filha. Agora, seu pai já sabe. O resto, depois, a gente acerta. MADEMOISELLE Mas, Mamãe, o Alberto... MADAME Eu sei, minha filha, eu sei. Seu pai era igualzinho. MONSIEUR Era mes... MADEMOISELLE Mas o Alberto não... MADAME Seu pai também não, minha filha. Mas não se preocupe. Depois dá tudo certo. O relógio bate quatro horas. |