COR LOCAL Cunha de Leiradella 19-02-2005 www.triplov.org |
CENA VII - UM MÊS ANTES Mesmo cenário da Cena VI, sem a cama e sem o vaso de plantas. No lugar da cama de Juca está um caixote onde dorme a cachorra. De tarde. Eduardo, sentado à banca, trabalha. Márcia está na cozinha. D. Helena, sentada, acompanha o trabalho de Eduardo. EDUARDO Marcinha. D. HELENA Você é muito inteligente. EDUARDO Marcinha, vem cá. MÁRCIA (Na cozinha) Quê que você quer? EDUARDO Vem cá. MÁRCIA (Na cozinha) Quê que foi? EDUARDO Vem cá. Quero te falar uma coisa. MÁRCIA (Na porta) Quê que é, homem? Não vê que eu tou trabalhando, não? EDUARDO Adivinha o quê que eu vou dizer. D. HELENA Você é um rapaz muito inteligente. MÁRCIA (Aproximando-se) Quê que você quer? EDUARDO Adivinha. MÁRCIA Anda, homem. Não vê que tá me atrasando? Aqui não tem empregada, não! EDUARDO (Segurando a mão de Márcia) Não quer adivinhar, não? D. HELENA Vê como seu marido é seu amigo, minha filha? Você arrumou um marido muito distinto e muito inteligente. MÁRCIA Deixa eu ir. EDUARDO Escuta. MÁRCIA Quê que você quer? Fala, homem! EDUARDO Há quanto tempo a gente não vai no clube? Vamos amanhã? MÁRCIA (Soltando-se) Era isso que você queria me dizer? Eduardo levanta-se e pega a mão de Márcia. EDUARDO Não quer ir, não? D. HELENA Vá, minha filha. Seu marido é muito seu amigo. EDUARDO (Ao mesmo tempo) Me diz há quanto tempo... MÁRCIA Me larga. EDUARDO Primeiro, me diz há quanto tempo... MÁRCIA Me larga, homem! EDUARDO Só largo se você me disser há quanto tempo a gente não vai no clube.
Márcia solta-se e entra na cozinha. D. Helena levanta-se e vai para a janela, e Eduardo senta-se à banca. MÁRCIA (Na porta) Quer dizer que você não sabe há quanto tempo a gente não vai no clube. Deixa de ser sonso, homem! D. HELENA (Aproximando-se) Seu marido esqueceu, minha filha. Mas é muito seu amigo. (A Eduardo.) Não é, Eduardinho? MÁRCIA Ora veja! Careca de saber há quanto tempo a gente não vai no clube e ainda vem me perguntar com a cara mais cínica deste mundo, Marcinha, há quanto tempo a gente não vai no clube, hem? Toma jeito, homem! Toma jeito! Márcia entra na cozinha. D. HELENA (Entrando na cozinha) Minha filha, não fale assim. O seu marido é um rapaz muito distinto. MÁRCIA (Na cozinha) Mamãe, a conversa não é com a senhora, tá bom? D. HELENA (Na cozinha) Pronto, minha filha. Pronto. Eu já tou calada. MÁRCIA (Na cozinha) Ótimo. (Entra na sala.) Você não sabe, mesmo, há quanto tempo a gente não vai no clube? Deixa de ser sonso, homem! EDUARDO Marcinha, eu preciso trabalhar. MÁRCIA Ora veja! Se eu contar isto pra alguém, duvido que alguém acredite. Duvido! Então?! Não vai me dizer há quanto tempo a gente não vai no clube? Hem? D. HELENA (Na porta da cozinha) Seu marido tá trabalhando, minha filha. MÁRCIA Mamãe, assim não é possível! (A Eduardo.) Sabe ou não sabe há quanto tempo a gente não vai no clube, hem? Fala, homem! D. HELENA Minha filha... MÁRCIA Mamãe! (A Eduardo.) Então?! Sabe ou não sabe? EDUARDO Sei. Sei. MÁRCIA Sabe? Então, se sabe, pra quê que perguntou? EDUARDO Marcinha, assim não é possível. MÁRCIA Responde. EDUARDO Marcinha. MÁRCIA Responde, homem. EDUARDO Marcinha! MÁRCIA Responde, merda! EDUARDO Ainda o Juca não tinha vindo morar com a gente. MÁRCIA Viu!? Eu te conheço, homem! D. HELENA Minha filha, seu marido só quer levar você. MÁRCIA Mamãe! D. HELENA (Entrando na cozinha) Pronto, minha filha. Pronto. MARCIA Quem te convidou? EDUARDO Marcinha. MÁRCIA Vê se te enxerga, homem! Você não é de me levar a canto nenhum, parece até que tem vergonha de mim, quanto mais. D. HELENA (Na cozinha) Era uma surpresa que seu marido queria fazer a você, minha filha. (Aparece na porta.) Não era, Eduardinho? Não era uma surpresa? MÁRCIA Mamãe, a senhora até parece boba. Então a senhora acha que este homem é capaz de fazer alguma coisa? Em quatro anos nós só fomos num clube duas vezes. E, mesmo assim, porque eu ganhei convite. Nesta casa eu sou muito pior do que uma escrava. D. HELENA Que é isso, minha filha?! Seu marido quer levar você no clube. (A Eduardo.) Não quer, Eduardinho? EDUARDO Já perdi a vontade. MÁRCIA Você?! Você nunca teve vontade pra nada, como é que vai ter agora? Se você tivesse vontade, mesmo, viu?, (Entra na cozinha) você era alguma coisa na vida. D. HELENA (Entrando na cozinha) Não diga isso, minha filha. Seu marido é muito seu amigo e é um rapaz muito distinto e muito inteligente. MÁRCIA (Ao mesmo tempo) E, o pior, é que ainda quer me fazer de boba. D. HELENA (Na porta) Você é um rapaz muito distinto e muito inteligente, viu, Eduardinho? MÁRCIA (Na cozinha) Deita aí, diabo! Eduardo. D. HELENA (Entrando na cozinha) Você quer alguma coisa, minha filha? MÁRCIA (Na cozinha) Eduardo! Você não tá escutando, não, merda? (Eduardo levanta-se) Eduardo! EDUARDO (Entrando na cozinha) Quê que você quer? MÁRCIA (Na cozinha) Prende esse diabo dessa cachorra. Não. Aí, não, homem! Não vê que tá me atrapalhando, merda! Um tempo. Eduardo entra e senta-se à banca. Márcia vem atrás dele e encosta-se na parede oposta. Em seguida, entra D. Helena com uma bandeja e começa pondo a mesa para o lanche. MÁRCIA (De repente) Eu quero ir amanhã no clube. D. HELENA Viu, minha filha? Eu sabia que você queria ir com seu marido. (A Eduardo.) Viu, Eduardinho? MÁRCIA Você tá escutando? Eu quero ir amanhã no clube. Você escutou o que eu falei? (Frisando bem as palavras.) Eu quero ir amanhã no clube! Você não disse que queria me levar? Então?! Agora, eu quero ir. (A D. Helena.) Tá vendo? A senhora tá vendo?! Depois me diga se eu não conheço este homem. (Debruça-se na banca.) Escuta, homem! (Frisando bem as palavras.) Eu quero ir amanhã no clube! EDUARDO Ah, Marcinha! MÁRCIA (A D. Helena) A senhora tá vendo? A senhora tá vendo só!? Isto é de quem quer me levar? (Debruça-se na banca.) Então?! Vamos amanhã no clube? Responde, homem! EDUARDO Marcinha, será que eu posso, ao menos, trabalhar? D. HELENA Minha filha... MÁRCIA Mamãe! (A Eduardo.) Quem foi que te convidou? Qual das suas negas foi? Foi aquele jacu lá do fim da rua? Mulher sem vergonha, podia ser sua filha. (Debruça-se na banca.) Vamos, responde! Quem foi que te convidou? EDUARDO Marcinha... MÁRCIA Quem foi? Foi aquele jacu? EDUARDO Marcinha, eu preciso trabalhar! MÁRCIA Quem foi que perguntou se eu queria ir amanhã no clube, hem? Fui eu? Por acaso fui eu? Agora, vê lá, também, se fui eu. Vê lá. EDUARDO Marcinha, será que nunca se tem sossego nesta casa? MÁRCIA Sossego?! Você falou em sossego? E a vida que eu levo? Você já esqueceu a vida de cachorro que eu levo aqui dentro?! D. HELENA Minha filha, não fale assim com seu marido. Ele é um rapaz muito distinto. MÁRCIA Como é que pode, um infeliz destes, vir falar em sossego, mamãe?! Precisa não ter é vergonha na cara, isso sim! (Debruça-se na banca.) Você quer fazer o favor de me dizer quem foi que inventou essa estória de ir amanhã no clube? Ou será que, aqui dentro, eu só sirvo pra trabalhar, hem? Fala, homem! Ou será que eu não posso saber? D. HELENA Minha fi... MÁRCIA Mamãe! (A Eduardo.) Fala, homem! EDUARDO Foi o Juca. MÁRCIA Eu sabia! Eu sabia! Uma coisa dessas só podia sair, mesmo, da cabeça daquele desgraçado. D. HELENA Minha filha, não diga isso! Que mal tem seu cunhado convidar seu marido? MÁRCIA (Ao mesmo tempo) E você, claro, apoiou logo. Sacanagem é com você mesmo. Aliás, até me admirou você não ter ido atrás dele, quando ele foi embora. D. HELENA Que é isso, minha filha?! Então, seu marido ia deixar você aqui sozinha? MÁRCIA Mamãe, quando é que a senhora vai deixar de dizer bobagem, hem? D. HELENA Eu, minha filha? Eu não digo bobagem. MÁRCIA Então, fique calada, tá? (D. Helena entra na cozinha.) Por quê que ele te convidou? Hem? Fala, homem! EDUARDO Uns amigos dele vão e... MÁRCIA E se eu não quiser ir? Vai me obrigar? EDUARDO Marcinha... D. HELENA (Na porta) E por quê que você não quer ir, minha filha? Vá, minha filha. Seu marido quer levar você. Não quer, Eduardinho? MÁRCIA (Ao mesmo tempo) Vai me obrigar? Hem? EDUARDO Marcinha, eu preciso trabalhar. MÁRCIA Você precisa é ter vergonha na cara, isso sim. D. HELENA (Na porta) Minha filha, não diga isso. Seu marido é muito seu amigo. (A Eduardo.) Não é, Eduardinho? MÁRCIA (Afastando-se) Quer dizer, então, que foi o seu irmão que convidou. (Entra no quarto. D. Helena entra também.) Mas eu vou te dizer uma coisa. Quem tem culpa não é ele, não. Quem tem culpa é você. Você é que devia se impor. D. HELENA (No quarto) Minha filha, então seu marido... MÁRCIA (Ao mesmo tempo) Se desde o primeiro dia você mostrasse que era homem, que era macho... D. HELENA (No quarto) Minha filha, não fale assim. Olhe sua mãe. MÁRCIA (No quarto) Será possível, mamãe! D. HELENA (No quarto) Então isso são coisas que se digam a seu marido, na frente dele?! MÁRCIA (No quarto) Mamãe, quem conhece o homem que dorme comigo na cama sou eu, viu? Sou eu. Não é a senhora, que nunca dormiu com ele, tá bom? (Aparece na porta de biquini.) Taí! Amanhã nós vamos no clube, sim! Agora, eu quero ver você dizer que nós não vamos! APAGA A LUZ |