COR LOCAL
Cunha de Leiradella
19-02-2005 www.triplov.org

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CENA VI - DOIS ANOS ANTES

Mesmo cenário da Cena V. De manhã. Márcia, de camisola, arruma a cama de Juca. Juca entra pela porta da cozinha, sem fazer barulho e abraça Márcia pelas costas.

MÁRCIA

Sai. Sai. (Percebe que é Juca, volta-se e abraça-o.) Pensei que fosse ele.

Beijam-se.

JUCA

         Hoje, ele demorou paca pra sair.

MÁRCIA

         Também, se tiver desconfiando, problema dele.

JUCA (Afastando Márcia)

         Por quê que você diz isso?

MÁRCIA

         Tem importância ele saber? (Abraça Juca.)  Ah, Juca!

JUCA (Afastando Márcia)

Claro que tem! Eu não quero decepcionar o meu irmão, não, quê que há?! (Márcia ri e tenta abraçá-lo.) De quê que você tá rindo?

MÁRCIA

         Ora, Juca! Nós trepamos, não trepamos?!

JUCA (Afastando Márcia)

Mas é muito diferente. Trepar é uma coisa, decepcionar o meu irmão é outra.

MÁRCIA (Abraçando Juca)

         Ah, Juca!

JUCA afasta-se de MÁRCIA e acende um cigarro, de costas para a cama. MÁRCIA deita-se.

JUCA

         Eu gosto do meu irmão.

MÁRCIA

Vem cá. (Juca volta-se.) Vem. (Juca continua no mesmo lugar.) Não gosta mais de mim, não? (Levanta os braços, num convite.) Vem.

JUCA não se mexe. MÁRCIA senta-se na cama.

MÁRCIA

         Quê que há? Não tá querendo, não?

JUCA

         Não é isso.

MÁRCIA (Deitando-se)

         Então vem. (Espreguiça-se.) Sonhei a noite inteira com você. Vem.

Juca ri. Márcia senta-se na cama.

MÁRCIA

         Tá rindo de quê?

JUCA (Ainda rindo)

         De você.

MÁRCIA

         Vê lá se, agora, eu também sou palhaça. Vê lá. (Deita-se.) Vem.

JUCA

         Você é bem sacana, isso sim.

MÁRCIA

Agora, eu sou sacana. E antes era o quê, hem? (Juca encolhe os ombros.) Então vem.

Juca ri. Márcia senta-se na cama.

MÁRCIA

         Você não presta mesmo.

JUCA (Ainda rindo)

         Nem você.

MÁRCIA (Deitando-se e começando a tirar a camisola)

         Não quer, não?

Juca apaga o cigarro no cinzeiro da banca.

MÁRCIA

         Quê que há, hem?!

JUCA

         Tive pensando.

MÁRCIA (Levantando-se e abraçando Juca)

         Não gosta mais de mim, não?

JUCA

Ora, Márcia! (Afasta-se.) Nós nunca gostamos um do outro, quê que há? Você só tava a fim de mim e eu só tava a fim de você. Mais nada.

MÁRCIA

         E, agora, você já não tá mais a fim. É isso?

JUCA

         Mais ou menos.

MÁRCIA

Ora veja! Usou sempre que quis e, agora que não quer mais, joga fora. Quê que você pensa que eu sou, hem?

JUCA

         Qual é, Márcia?!

MÁRCIA

         Eu não sou quem você tá pensando, não!

JUCA

         Nunca te prometi nada, prometi?

‘MÁRCIA

         Isto não fica assim, não. Não fica, não. Tou avisando.

JUCA

         Tá querendo o quê, hem?

MÁRCIA

Me diga uma coisa. Se você não tava mais a fim, por quê que deixou seu irmão sair e voltou, hem? Tem que ter um motivo. Ah, tem! Ou você só voltou porque tava de pau duro, hem?

JUCA

         Das outras vezes não era assim, não?

MÁRCIA

         Você não presta mesmo!

JUCA

Por quê? Porque gosto de trepar? Qual é, Márcia?! Você também gosta, merda!

MÁRCIA

Por quê que você me quis, logo a mim, que sou a mulher do seu irmão?

JUCA

         Porque você também quis.

MÁRCIA

         Foi só por isso?

JUCA

         Qual é, Márcia?! Vê se te enxerga, merda!

MÁRCIA

Olha que eu não sou igual a essas suas negas, não, viu? Não sou de usar e botar fora, não!

Juca ri. Márcia pega uma chave de fenda em cima da banca e tenta feri-lo.

MÁRCIA

         Filho da puta!

JUCA (Segurando Márcia)

         Escuta.

MÁRCIA (Debatendo-se)

         Filho da puta! Cafajeste!

JUCA (Com força)

         Escuta, porra!

MÁRCIA (Debatendo-se)

Me larga! Me larga, desgraçado! Você tá pensando que eu sou o quê, hem? Eu sou uma mulher de muita linha, viu? Não sou nenhuma puta praí à toa, não. Eu sou uma mulher de muita linha e de muito sentimento. Ou você tá pensando que eu não sou uma mulher de sentimento? Eu sou uma mulher de sentimento, sim! (Juca empurra-a e afasta-se.) Me juntei com o seu irmão, mas foi porque eu quis. Foi ele que pediu. Foi ele que me pediu, e muito, viu?

JUCA

         O meu irmão não tem nada a ver com o que a gente faz.

MÁRCIA

         Ah, não tem, não? Deixa só ele chegar, que você vai ver!

JUCA

         Se você disser alguma coisa pra ele, eu te mato, tá ouvindo? Eu te mato!

MÁRCIA

         Pois vai ter que matar mesmo, taí!

JUCA

         Você tá se metendo numa fria. Tou avisando.

MÁRCIA

Pensa que eu tenho medo de você, é? Eu não tenho medo de você, nem dos seus amiguinhos, não, quê que há?!

Márcia tenta ferir Juca com a chave de fenda. Juca segura-a.

MÁRCIA

         E vou contar pro seu irmão, sim, seu viado!

Juca joga Márcia na cama e prende-a com os joelhos.

MÁRCIA

         Me larga! Me larga, seu viado!

JUCA

Se você contar pro meu irmão, eu te mato, sua puta! Eu te mato! (Márcia debate-se.) Eu te mato, ouviu?! O meu irmão não tem culpa, nem de mim nem de você, não, sua puta!

MÁRCIA (Gritando)

         Socorro! Assassino!

JUCA (Tapando a boca de Márcia com o travesseiro)

Sua puta! Eu te mato, ouviu?! Tenta só abrir a boca, que eu te mato! (Levanta-se e anda em direção à porta.) Abre a boca, que tu vai ver só.

Juca sai, batendo a porta com força.

MÁRCIA (Desfazendo a cama, num acesso de fúria)

         Eu juro que mato esse desgraçado! Eu juro! Eu juro!

         APAGA A LUZ