COR LOCAL
Cunha de Leiradella
19-02-2005 www.triplov.org

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CENA V - SEIS MESES ANTES

Mesmo cenário da Cena IV, com as fotografias nas paredes. De tarde. Juca está sentado na cama. Eduardo, sentado à banca, come uma banana. Riem.

JUCA

E aí, entendeu?, quando eu perguntei pro cara se ele sabia o quê que tinha dentro dos livros, sabe o quê que ele disse? Dentro dos livros eu não sei, não, senhor. Só sei que são bonitos.

Riem às gargalhadas, enquanto se escutam latidos de cachorro nos fundos.

VOZ DE MÁRCIA (Na cozinha)

         Deita aí, Bolinha. Deita.

JUCA (Ainda rindo, ao mesmo tempo)

         E um merda destes ainda diz que é vendedor. Vê se pode, mano!

MÁRCIA (Entrando)

Quer fazer pouco barulho aí, que me dói a cabeça?! (Entra no quarto. Eduardo e Juca continuam rindo. Entra, a Eduardo.) Você não tem vergonha, homem? Nós temos vizinhos. Ou você pensa que nós não temos vizinhos?! (Eduardo pára de rir. Juca continua rindo.) Já que você não me respeita, respeita, ao menos, os vizinhos, homem.

EDUARDO (Pegando as cascas da banana)

         Bota no lixo pra mim, bota.

MÁRCIA

         Me respeita, homem. Ao menos, me respeita.

EDUARDO

         Bota no lixo, Marcinha. Bota.

MÁRCIA

Você tá pensando que eu sou o quê, hem? Alguma puta praí à toa pra você sacanear, é? (Eduardo joga as cascas da banana em cima da banca.) Olha que eu não sou nenhuma puta praí à toa, não, viu? (Entra na cozinha.) O que te vale é que eu sou uma mulher de muita linha e de muito sentimento. (Aparece na porta.) Eu sou uma mulher de muito sentimento, viu? (Entra na cozinha. Juca levanta-se, pega as cascas da banana e vai para a cozinha.) Eu sei que sou burra, se não fosse burra não tava aqui (Aparece na porta.) mas sou uma mulher de muito sentimento, viu?

Ao passar por Márcia, Juca faz um gesto de desdém. Márcia, entra na cozinha, bruscamente,  e escuta-se o barulho de um prato jogado no chão.

JUCA (No banheiro)

         Outro! Quebra outro, que esse já tá pago!

MÁRCIA (Entrando)

Você escutou o vagabundo do seu irmão? Ou não tá vendo que ele só vive me provocando? Depois diz que sou eu que não presto, diz! (Sacode Eduardo.) Escuta o que eu falo, homem!

EDUARDO

         Marcinha, eu preciso trabalhar.

MÁRCIA

Pra conversar assunto sério, assunto que valha a pena, nunca que este desgraçado tem tempo. (Entra na cozinha.) Mas pra escutar safadeza, ficar aí, feito bobo, só escutando molecagem, tem sempre tempo. (Entra.) Então?! Gostou da safadeza? De safadeza você gosta, eu te conheço! (Juca entra, pega uma revista e deita-se na cama.) De quê que você tava rindo aí, feito bobo, quando eu entrei, hem?

EDUARDO

         Marcinha...

MÁRCIA

Safado! (Entra na cozinha.) O que você merecia é que eu fosse uma mulher sem vergonha, viu? Que saísse na rua e te botasse uma boa camada de chifres por dia, entendeu? (Entra com um prato de comida e senta-se à mesa.) Por quê que eu não posso saber da safadeza, hem? (Come.) Fala, homem!

EDUARDO

         Marcinha, será que eu não posso nem trabalhar?

MÁRCIA

         Eu também quero rir.

EDUARDO

         Marcinha...

MÁRCIA

         Fala, homem! Eu também quero rir.

JUCA (A Márcia)

         Escuta aqui...

MÁRCIA (Levantando-se, a Eduardo)

         Eu também quero rir. Ou será que eu não posso rir?

JUCA (Levantando-se, a Márcia)

         Será que, também, já é proibido a gente rir, porra?! Toma jeito, merda!

MÁRCIA (A Juca)

         Não tou falando com você.

JUCA

         Mas tou eu com você.

MÁRCIA

Moleque! (Juca ri.) Se você tivesse um pingo de vergonha nessa cara, viu?, já tinha ido embora daqui há muito tempo.

JUCA (Ainda rindo)

         Ou você.

MÁRCIA

Infeliz! (Corre para a cozinha. Escuta-se barulho de louça jogada no chão.) Safado! Moleque!

JUCA

         Quebra! Quebra mais! (Aponta Eduardo.) O bobo tá aqui pra pagar.

MÁRCIA (Aparecendo na porta)

         Sai já daqui! Sai já daqui, seu vagabundo! Sai! Sai! Sai!

JUCA

         Vai dar chilique, é?

Eduardo encolhe-se sobre a banca.

MÁRCIA (Gritando)

         Desgraçado! Moleque!

JUCA

         Se fosse comigo, já te tinha botado daqui pra fora há muito tempo.

MÁRCIA (Com fúria)

         Desgraçado! Seu desgraçado!

JUCA (Ao mesmo tempo)

Mas ele é que tem culpa. Se tivesse dado um pontapé na sua bunda, não acontecia nada disto. A tua sorte é que não é comigo. Se fosse, te quebrava de porrada.

MÁRCIA

         A mim? Você?!

JUCA

         A você, sim, sua puta.

MÁRCIA (Gritando)

         Assassino! Assassino!

JUCA

         Cala essa boca, porra.

MÁRCIA (Correndo para o quarto)

Sua mãe é que não sabe quem você é, seu desgraçado! (Entra no quarto.) Sua mãe é que não sabe quem você é!

JUCA

         Vai à merda.

MÁRCIA (No quarto)

         Mas eu vou escrever pra ela e vou dizer quem você é!

JUCA

         Vai à merda, porra!

MÁRCIA (No quarto)

À merda vai você, seu Cafajeste! À merda vai você! Você vai ver. Eu vou escrever à sua mãe.

JUCA

         Quer o endereço?

MÁRCIA (Entrando)

Vou escrever e vou dizer o quê que você faz. (Juca corre para ela. Márcia entra na cozinha, correndo.) Filho da puta! (Escutam-se latidos de cachorro nos fundos.) Traficante!

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