COR LOCAL Cunha de Leiradella 19-02-2005 www.triplov.org |
CENA IV - TRÊS ANOS ANTES Mesmo cenário da Cena III, sem as fotografias nas paredes. De tarde. Cena vazia. A porta da rua abre e entra Juca, seguido de Eduardo. Eduardo carrega a mala de Juca. EDUARDO (Colocando a mala no chão) Que tal, Juca? (Juca olha a sala.) Quando você disse que vinha, a gente começou procurando e encontrou esta. Antes, a gente morava num quarto, sabe? Os aluguéis tão muito caros. JUCA Bobagem, mano. Por minha causa não precisava. Eu me virava. EDUARDO Ora, Juca. (Fecha a porta e coloca a mala em cima de uma cadeira.) Você gostou mesmo? JUCA Hum. Hum. EDUARDO Eu gostei. Não fica longe, sabe? JUCA Não fica longe? Mano, fica no fim do mundo! EDUARDO Fica perto da minha freguesia, Juca. (Anda pela sala.) Não é uma sala boa? Hem? JUCA É. EDUARDO (Apontando a banca) Tá vendo? Já comecei a montar a oficina. Tem espaço que chega, não? (Juca ri.) Quê que foi, Juca? Agora, só falta o alvará. JUCA (Ainda rindo) Eduardo da Cunha Júnior & Companhia. EDUARDO Que é isso, Juca! Irmãos Cunha é o nome. Até já mandei fazer uns prospectos. Eu tenho um amigo que trabalha numa gráfica e... JUCA Quanto é o aluguel? EDUARDO Quê que há, Juca?! Você tá chegando e já tá pensando no aluguel? Preocupa com o aluguel, não. (Abraça Juca.) O mais importante é que você veio, Juca! (Aponta a cama.) Ali, ó, a sua cama. Foi só arredar a mesa e as cadeiras, e a gente botou a sua cama. (Juca pega a mala, joga-a em cima da cama e experimenta a maciez do colchão.) Que tal? Gostou? Compramos num conhecido da Marcinha. JUCA Hum. Hum. EDUARDO Aos poucos a gente vai fazer como lá em casa, sabe? (Aponta uma das paredes.) Ali, ó, a gente bota o retrato que eu pedi, de papai e de mamãe. (Aponta outra parede.) E ali, ó, a gente bota o seu. JUCA (Rindo) O meu? Pra quê o meu, Eduardo? EDUARDO Eu gosto, Juca. Lembra a nossa casa, sabe? JUCA Você sempre foi bobo, hem, mano? EDUARDO Eu gosto, Juca, você sabe. (Juca pega um cigarro.) Pera aí. Pera aí. Primeiro, vamos tomar um cafézinho. (Entra na cozinha.) Já deixei pronto. (Um tempo. Entra, com duas xícaras e coloca-as em cima da mesa.) Vamos? Sentam-se e tomam café. Juca acende um cigarro. EDUARDO Me dá um. Tou tão contente, que vou até fumar. Fumo muito pouco, sabe? Os cigarros tão muito caros. (Acende o cigarro, puxa uma tragada profunda e olha o relógio.) A Marcinha deve tar chegando. Você vai ver, Juca. A Marcinha é uma moça cem por cento. Cem por cento mesmo, você vai ver. E a família também. Tem um irmão que trabalha na Prefeitura, esse eu mal conheço, só o vi uma vez, mas já me disse que, quando a gente for tirar o alvará, é só falar, que ele dá um jeito. E tem a mãe. A D. Helena. Juca, eu sou como um filho pra ela. Quando eu disse que você vinha, ela até chorou. E só não foi te esperar porque, hoje, é dia de ela pegar os juros de um dinheirinho que tem emprestado por aí, sabe? Mas é uma pessoa cem por cento. Cem por cento mesmo. JURA Ela mora aqui? EDUARDO Quem? A D. Helena? JUCA Hum. Hum. EDUARDO Não. A D. Helena mora na casa dela. Gosta de morar sozinha. Mas gosta muito de mim, sabe? Lembra da Donana? JUCA Falar nisso, Sandra... EDUARDO (Acusando o choque, mas fazendo de conta que não escutou) A D. Helena é uma pessoa cem por cento, Juca. Sempre querendo saber se a gente tá bem, sempre trazendo frutas, trazendo carne... Só você vendo, mesmo, Juca. (Juca levanta-se e anda pela sala.) A Marcinha também não foi, sabe?, porque hoje é sexta-feira e, às sextas-feiras, ela faz manicure na casa das freguesas. São freguesas ainda do tempo do salão, sabe? (Juca senta-se.) Ela até que queria ir, mas eu disse a ela, Marcinha, não tem importância, não. O Juca não vai se aborrecer, não. Conheço ele. Depois, você abraça ele em casa, quando chegar. (Levanta-se, apaga o cigarro no cinzeiro da banca e senta-se de novo.) Você ficou aborrecido por ela não ter ido? Hem, Juca? JUCA Quê que é isso, mano? Se você também não tivesse iso, eu teria me virado. Eu sei me virar, meu irmão. EDUARDO Aqui é diferente da nossa terra, Juca. Aqui ninguém ajuda ninguém. Você é que não conhece esta cidade. JUCA (Apagando o cigarro dentro da xícara) Ainda não conheço, mas vou conhecer. Pode deixar. Um tempo, ambos calados. EDUARDO Sabe como eu conheci a Marcinha? Consertei, uma vez, um rádio pra ela. Ela morava sozinha, ela sempre morou sozinha, sabe?, e não queria ficar sem rádio. Aí, eu emprestei um, enquanto fazia o conserto. Mas demorei muito. Não tinha peças, sabe?, e ela todo dia vinha saber do rádio. Aí... Faz seis meses que a gente tá junto. Eu tinha muita saudade da nossa terra, sabe?, e ela me ajudou muito. A Marcinha foi cem por cento. Foi mesmo. Você vai gostar dela, você vai ver. É um pouco mais velha do que eu, até é um pouco mais velha do que você, mas é uma moça cem por cento. Bonita, poupada... E gosta muito de mim, sabe? (Juca acende outro cigarro.) Ah, deixa eu te mostrar uma coisa. (Levanta-se, abre uma gaveta da banca e pega uma máquina fotográfica.) Peguei semana passada. Foi um freguês. Não tinha dinheiro pra pagar o conserto e me deu esta máquina. Que tal? Não é boa? (Juca apaga o cigarro dentro da xícara.) Hem, Juca? JUCA (Levantando-se) Eduardo, você devia era receber o dinheiro. (Pega a máquina.) Quem vai querer comprar uma máquina velha deste jeito? EDUARDO Mas eu não quero vender, não, Juca. É prá gente tirar retratos. Você e eu. (Pega a máquina e faz de conta que fotografa Juca.) Agora, que você chegou, vamos tirar e mandar pra papai e pra mamãe. (Juca senta-se na cama.) Você acha que eles não vão gostar? Eu nunca mandei um retrato pra eles, Juca. JUCA Claro que eles vão gostar, mano. Mas você devia era ter recebido o dinheiro. Depois, você tirava o retrato. EDUARDO (Guardando a máquina na gaveta) O pessoal daqui é gente pobre, Juca. JUCA Problema deles. A gente sai da nossa terra é pra ganhar dinheiro, Eduardo. EDUARDO Eu sei, Juca. Mas tem muito pobre por aí. JUCA E quê que você tem com isso? Você não veio pra cá pra ganhar dinheiro? Mano, mano! Você tá trabalhando no lugar errado, mano. Um tempo, ambos calados. EDUARDO Juca... Toma uma cerveja? JUCA Podemos tomar. Eduardo entra na cozinha e volta com uma garrafa e dois copos. Enche os copos. EDUARDO À nossa oficina, Juca. Juca levanta o copo
EDUARDO Que bom que você veio, Juca! Quando eu morava só era uma tristeza. Tinha dias que até chorava, sabe? É muito triste a gente viver só, Juca. Às vezes, queria até voltar, sabe? Nunca voltei porque... Sabe, Juca? Eu não posso voltar do jeito que vim. Eu saí da nossa terra pra ganhar dinheiro e se voltar sem... Por isso, eu queria que você viesse. Com você, eu tenho certeza que ainda vou ganhar muito dinheiro, sabe? Eu tenho que ganhar dinheiro, Juca. JUCA Eu também, mano. EDUARDO Só depois é que posso voltar prá nossa terra. JUCA Eu também, mano. Ou você pensa que eu vim pra cá pra quê? APAGA A LUZ |