COR LOCAL
Cunha de Leiradella
19-02-2005 www.triplov.org

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CENA III - UM ANO ANTES

Mesmo cenário da Cena II. Mesmo dia, na hora de deitar. Juca, deitado na cama, lê uma revista. Eduardo toma banho. Márcia também está no banheiro.

MÁRCIA (No banheiro)

Enxuga bem. Mais! Pode enxugar, que não rasga a pele, não, homem porco. Se não fosse a gente obrigar, não tomava nem banho.

EDUARDO (No banheiro)

         Marcinha...

MÁRCIA (No banheiro)

Você tá pensando que ainda tá lá na sua terra, é? Você não tá mais na sua terra, não, homem porco. Aqui todo mundo toma banho. Agora veste a cueca, vamos. A outra, homem. Ou você quer vestir a cueca suja outra vez? Veste as calças.

EDUARDO (No banheiro)

         Pra quê, Marcinha? Eu vou deitar.

MÁRCIA (No banheiro)

Você quer andar nu dentro de casa, é? Vê lá se, agora, também deu pra andar nu dentro de casa. (Eduardo passa e entra no quarto. Márcia começa cantando um bolero.) Ah, que beleza! Só mesmo um homem sujo, porco, imundo e fedorento é que não gosta de tomar um banho assim. (Continua cantando.) Não fecha a janela que esquenta.

EDUARDO (No quarto)

         Marcinha, vem dormir.

MÁRCIA (No banheiro)

         Vai querer café?

EDUARDO (No quarto)

         Não. Vem deitar, vem.

MÁRCIA (No banheiro)

         Não esquenta o meu lugar.

Juca joga a revista no chão e levanta-se. Márcia continua cantando.

EDUARDO (No quarto)

         Marcinha.

MÁRCIA (No banheiro)

Vê se dorme, homem. Não tá vendo que eu tou tomando banho, não, merda? (Continua cantando. Juca despe-se, apaga a luz da sala e deita-se. A cena fica iluminada, apenas, pela claridade que entra pela janela.) Eduardo. Ô Eduardo!

EDUARDO (No quarto)

         Quê que você quer?

MÁRCIA (No banheiro)

Pega a minha toalha. (Continua cantando.) Eduardo! (Eduardo passa e entra na cozinha.) Vê se a Bolinha tá dormindo bem. A Bolinha tá dormindo bem? Eduardo!

EDUARDO (Passando e entrando no quarto)

         Tá. Tá. Vem deitar.

Márcia continua cantando. Um tempo. Márcia entra na sala envolta numa toalha e acende a luz. Olha Juca, provocante, deixa escorregar a toalha pelo corpo e entra no quarto. Juca levanta-se, apaga a luz e deita-se. Um tempo.)

EDUARDO (No quarto, sussurrando)

         Marcinha.

MÁRCIA (No quarto)

         Quer fazer o favor de estender essa toalha?

Eduardo passa com a toalha e entra na cozinha. Ruídos de Márcia espreguiçando-se. Eduardo passa e entra no quarto. Um tempo.

EDUARDO (No quarto, sussurrando)

         Marcinha. Marcinha.

MÁRCIA (No quarto)

         Quê que foi, homem?

EDUARDO (No quarto, sussurrando)

         Cicinha.

MÁRCIA (No quarto)

Sai pra lá, sai, homem porco. Você escovou os dentes? Responde primeiro. Você escovou os dentes? Homem porco, querendo me lambuzar, agora, que tou lavada. Sai. Sai pra lá. Vai escovar os dentes, homem porco.

EDUARDO (No quarto)

         Eu já escovei os dentes, Marcinha.

MÁRCIA (No quarto)

Ora veja! Além de porco, sujo, imundo e fedorento, ainda, por cima, é mentiroso. E, o pior, é que, antigamente, não era assim. Desde quando você deitava sem escovar os dentes, hem? Você escovou os dentes agora, homem mentiroso?

EDUARDO (No quarto)

         Escovei. Escovei. Escovei até a bunda. Dorme.

Um tempo. Juca acende um cigarro.

MÁRCIA (No quarto, sussurrando)

         Eduardo. Eduardo.

EDUARDO (No quarto)

         Quê que você quer?

MÁRCIA (No quarto, sussurrando)

         Vem cá.

EDUARDO (No quarto)

         Vê se me deixa dormir, tá?

MÁRCIA (No quarto)

         Chiu! (Sussurrando.) Vem cá.

EDUARDO (No quarto)

         Marcinha, toma jeito, tá?

MÁRCIA (No quarto)

         Desgraçado! Homem sem moral!

EDUARDO (No quarto)

         Marcinha, quer deixar eu dormir?!

MÁRCIA (No quarto, ao mesmo tempo)

O que eu devia era te botar uma boa camada de chifres, isso sim! Homem sem moral! A gente trabalha o dia inteiro, chega na hora de descansar e o desgraçado não tá nem aí. Chega pra lá, chega. Ou você tá pensando que aqui tem ar refrigerado? Ah, mas um dia ainda te boto uma boa camada de chifres. Ah, boto! Boto mesmo! Ou você pensa que eu só sirvo pra trabalhar? Eu não sirvo só pra trabalhar, não, quê que há?! Eu sou mulher! E muito mulher, tá ouvindo? Muito mulher!

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