COR LOCAL Cunha de Leiradella 19-02-2005 www.triplov.org |
CENA II - UM ANO ANTES Mesmo cenário da Cena I. Mesmo dia, após o jantar. Márcia está na cozinha. Eduardo, sentado à banca, trabalha. Juca olha a rua pela janela. JUCA (Voltando-se) Sabe de uma coisa? Às vezes, eu fico pensando que você é bobo. MÁRCIA (Na cozinha) Sua danada, sua boba, mordendo as mãos da mamãe. JUCA (Ao mesmo tempo) Você trabalha que nem um desgraçado e que vida você leva? (Márcia aparece na porta, rapidamente.) Amanhã nós vamos na casa de um amigo meu. Eu já falei com ele. EDUARDO Mas, Juca, eu... JUCA É gente de dinheiro, mano. Pode te ajudar. EDUARDO Amanhã? Amanhã não posso, Juca. Amanhã, eu tenho que entregar este serviço. É urgente. JUCA Amanhã é domingo, quê que há? E, além do mais, você não pode trabalhar desse jeito, não. Ninguém agüenta trabalhar de noite e de dia, não, Eduardo. EDUARDO Este mês foi fraco, Juca. Só deu conserto pequeno. JUCA Será que você não entende, merda? (Márcia aparece na porta, rapidamente.) Desse jeito, nunca que você vai ganhar dinheiro, não, Eduardo. Na porra deste país só ganha dinheiro quem não trabalha, você sabe disso. EDUARDO Mês que vem quero ver se tiro o alvará. Tirando o alvará... JUCA E quando você tirar essa merda desse alvará, você vai trabalhar onde? Aqui? EDUARDO Lá no fim da rua tem uma lojinha muito boa. Não é grande, não, mas o aluguel é barato. JUCA Desse jeito, meu irmão, com alvará ou sem alvará, você vai ficar é sempre na merda. Me diga. Pra quê abrir uma oficina aqui, nestes cafundós? EDUARDO Ora, Juca. Todos os meus fregueses moram por aqui. EDUARDO E você acha que se ganha dinheiro consertando rádios e televisões de gente que não pode nem pagar? Tenha dó, meu irmão. Tenha dó! Se a gente quer ganhar dinheiro, a gente tem que fazer o quê? Tem que ir atrás dele! Ou você pensa que eu não quis trabalhar com você por quê? (Márcia aparece na porta, rapidamente.) Hem? EDUARDO Juca, eu... JUCA Escuta. Amanhã, a gente vai na casa desse meu amigo. É gente fina. Gente que sabe ganhar dinheiro e que pode te ajudar, entendeu? MÁRCIA (Na cozinha) Quieta aí, diabo! Vai lamber as mãos de outro, merda! JUCA (Ao mesmo tempo) Como é que você acha que eu ganho dinheiro, hem? Trabalhando vinte horas por dia, que nem você? Quê que há, Eduardo? EDUARDO Você deu sorte, Juca. JUCA Sorte? Eu me virei, isso sim. Ou você pensa que eu fiz o quê? Hem? EDUARDO Nem todo mundo tem a sorte que você tem, Juca. JUCA Ah, Eduardo, deixa de besteira. Você não tem porque não quer. Quantas vezes já te convidei, hem? EDUARDO Eu não dou pra isso, não, Juca. JUCA Não dá porque não quer. É um negócio como outro qualquer. Você não compra suas peças? Tem gente que compra outras coisas. EDUARDO Juca... JUCA (Ao mesmo tempo) Ou você pensa que se eu não vender, ninguém vai comprar? Se não comprar de mim, compra de outro. Sabe qual é o seu mal? Você gosta é de sofrer. Em quatro anos, quê que você fez? Nem abrir a merda dessa oficina você abriu, Eduardo. E tem mais. Se continuar assim, vai morrer do jeito que tá. Pobre, doente e fodido, entendeu? Por quê que você não fez como eu, hem? Largava essa merda e tinha até carro, como eu tenho. EDUARDO Papai ainda tá pensando que você tá comigo. JUCA E daí? Interessa o que papai pensa ou o dinheiro que a gente ganha? Ah, Eduardo, sem essa de honestidade, tá? Quer ser honesto, ganhe dinheiro. O resto... Não vê por aí, não? Nego rouba uma galinha, entra
JUCA Eu acho que... MÁRCIA (Na cozinha) Eduardo. JUCA (Ao mesmo tempo) Vai ou não vai? MÁRCIA (Na cozinha) Eduardo! JUCA (Ao mesmo tempo) Eu te ajudo, mano. Te passo alguns fregueses. Não tem perigo, não, pô. EDUARDO Juca... MÁRCIA (Entrando) Você quer fazer o favor de parar isso aí e tomar banho? Ou será que nem na hora de dormir você acha que é hora de parar, hem? Pára, homem, pára! EDUARDO Marcinha. MÁRCIA Escuta o que eu vou te dizer, homem. Comigo, porco, sujo, imundo e fedorento é que você não dorme, não, viu? JUCA Vai logo, Eduardo. Vai logo, senão vai ter aporrinhação a noite inteira. MÁRCIA (A Juca) Se você tivesse vergonha na cara, viu?, não abria nem a boca. Mas quem tem culpa não é você, não. É ele. Ele é que é o dono da casa. Ele é que devia se impor. (A Eduardo) Como é, homem? EDUARDO Deixa eu acabar esta solda, Marcinha. MÁRCIA Será que eu tenho que me aporrinhar ainda mais, homem? (Entra na cozinha.) Será possível?! EDUARDO Vou já, Marcinha. JUCA Você sabe por quê que todo dia é isto? Porque você não se impõe. MÁRCIA (Entrando) E você? Fica aí que nem cordeirinho só porque eu lavo a sua roupa e faço a sua comida, é? Parasita! APAGA A LUZ |