Amigo/a -
O Acordo Ortográfico não tem por objetivo ensinar-nos a escrever mal a
nossa língua. Qual exatamente o seu fim, não estou certa. Como
instrumento unificador de grafias, é hesitante e cauteloso em demasia.
Há domínios em que urgia unificar, mas esses não são superficiais como a
ortografia, são profundos como os sentimentos. É o caso das fórmulas de
tratamento. Estou a escrever este e-mail para brasileiros, portugueses,
angolanos, cabo-verdianos, e não sei se falantes de Português (ou
português?) de outros países. Como hei de tratá-lo ou tratá-la (a si, a
você)? Com brasileiros íntimos, eu trato por tu quem me trata por você.
Posso engolir sapos e tratar por você também, mas esse não é o nosso
tratamento familiar. E a seguir? Aos não íntimos? Trato-o, ou trato-a,
por Vossa Excelência? Não é a primeira vez que brasileiros me tratam por "vós", fórmula que outrora se reservava aos príncipes.
Enfim, um dia encontraremos maneira de nos tratarmos segundo códigos que
não deixem ninguém de respiração suspensa, na suspeita de estar a ser
ofendido. Isto para dizer que o Português tem muitos registos, de acordo
com as populações que os falam, mas se a unidade pudesse ser
alcançada... Ah!, a unidade linguística dá imenso poder! Uma nação
grande com muitas línguas é mais frágil do que uma nação pequena com
unidade linguística.
Não, o Acordo Ortográfico não vai unificar grande coisa, mas, se
permitir a redação de documentos diplomáticos num grafia só, se der
poder político ao Português e facilitar a difusão dos nossos livros
pelos vários continentes, vale a pena o esforço da mudança.
Note, amigo: a língua não é uma coisa sagrada, mas, se fosse, a
ortografia era a mais modesta das suas alfaias. E tudo se transforma,
até o mais sagrado dos rituais.
Tem as bases do Acordo Ortográfico em linha no TriploV,
para se ir habituando às novas grafias.
<estela></guedes>
Lisboa, 15 de abril de 2008, terça-feira