HISTÓRIA
O senhor do monóculo
usava uma boca desdenhosa
e na botoeira, a insolência
duma rosa.
Era o poeta.
Quando passava
- figura subtil e correcta,
toda a gente dizia
que era o poeta.
- Era, portanto, o poeta...
Mas um dia
o senhor de monóculo
quebrou o monóculo,
guardou a boca desdenhosa
e esqueceu na mesa de cabeceira
a flor que punha na botoeira,
a insolente rosa...
Entrou nas tabernas e bebeu,
cingiu o corpo das prostitutas,
jogou aos dados e perdeu,
deu a mão aos operários,
beijou todos os calvários
- e aprendeu.
E o mundo,
que o chamava poeta,
esqueceu;
e quando o via passar
limitava-se a exclamar:
- o vagabundo!
Mas o senhor do antigo monóculo,
da antiga figura subtil e correcta,
sentia vozes dentro de si,
vozes de júbilo que diziam:
- É o Poeta! É o Poeta!...
Herberto Helder |