GEOMONUMENTOS
DE LISBOA









EXTRACTOS (1) DE:

JAZIDA DE BRIOZOÁRIOS DO MIOCÉNICO INFERIOR DE LISBOA
Pólo Sampaio Bruno
Por A.M. Galopim de Carvalho
Edição do Museu Nacional de História Natural
Patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa - 2000


INTRODUÇÃO
I - A JAZIDA E O SEU ESTUDO
II - OS BRIOZOÁRIOS
III - OS BRIOZOÁRIOS DO MIOCÉNICO INFERIOR DA RUA SAMPAIO BRUNO
a) Introdução
b) Anasca
c) Ascophora
CONCLUSÃO
GLOSSÁRIO
BIBLIOGRAFIA

...

INTRODUÇÃO

Nós, humanos, e toda a natureza viva, temos as nossas raízes no chão que pisamos, isto é, nas rochas, testemunhos de um passado muitíssimo antigo e cuja história é preocupação fulcral da Geologia, uma disciplina tradicionalmente pouco cultivada entre os portugueses. A paisagem física, ainda observável fora dos grandes centros populacionais, não é apenas a da vegetação e da fauna que lhe anda associada. É também, e sobretudo, a do suporte geológico sobre que assenta e de que absolutamente depende. A contínua e galopante transgressão do espaço urbano sobre a paisagem natural exige que, em nome da qualidade de vida em toda a sua diversidade, se tomem medidas protectoras de um tal património, sem esquecer o de natureza geológica, aqui entendido como um georrecurso cultural, não renovável, ou seja, um bem que, uma vez destruído, fica perdido para sempre. Do mesmo modo que as termas romanas de S. Paulo, na baixa lisboeta, a Sé, os Jerónimos, o Palácio da Ajuda, o Centro Cultural de Belém, ou um qualquer pergaminho da Torre do Tombo são considerados documentos importantes da nossa História, também algumas ocorrências geológicas observáveis em vários pontos da cidade são documentos de uma outra história muitíssimo mais remota, na ordem dos muitos milhões de anos.

Um grande número de habitantes de uma cidade como Lisboa não se apercebe das rochas sobre as quais ela se foi edificando e alastrando ao longo de séculos, nem imagina que elas lhe poderão testemunhar que aqui foi mar de águas quentes, de tipo tropical, há mais de 90 milhões de anos, que a paisagem era continental, vulcânica e desolada há uns 70 milhões, e que voltou a ser mar há pouco mais de 20. Não sabe que houve aqui formas de vida que foram surgindo, evolucionando e desaparecendo com o passar dos tempos, nem suspeita que tudo isso está escrito nos poucos afloramentos rochosos que o acaso permitiu que sobrevivessem ao betão e ao asfalto. À semelhança de qualquer património histórico que, por características de significado e grandiosidade, é considerado monumental, também certos geótopos (sítios com interesse geológico) devem ser entendidos como geomonumentos e, como tal, merecer-nos atenção, respeito e o cuidado de os legarmos às gerações futuras como o que resta de um património natural que a civilização, o progresso e, também, alguma ignorância foram destruindo ou soterrando.

O afloramento de calcário com briozoários fósseis da Rua Sampaio Bruno, em Campo de Ourique, representa um destes testemunhos do passado geológico da região onde, mais de 20 milhões de anos depois, surgiu a cidade de Lisboa.

O relato que dele fazemos, em especial o do respectivo conteúdo fóssil, mereceu-nos particular atenção nos aspectos taxonómicos e nomenclaturais que, dada a relativa juventude destas formações são praticamente os mesmos (o Miocénico e os tempos actuais pertencem à mesma era, dita Cenozóica, ou da "vida recente"). Assim, os professores, os estudantes e outros eventuais interessados têm a partir de agora à sua disposicão um elemento de estudo de um grupo biológico muitíssimo pouco divulgado entre nós. Nesta óptica, a Câmara Municipal de Lisboa associa-se ao Museu Nacional de História Natural neste sector de apoio ao ensino da Paleontologia e da Zoologia.

A protecção e valorização deste e de outros geomonumentos existentes na cidade e a sua colocação ao serviço do público, como bens culturais e pedagógicos de reconhecido interesse na área das Ciências da Terra, resultaram de um protocolo estabelecido entre a Câmara Municipal e o Museu Nacional deHistória Natural, assinado em 27 de Julho de 1998. Segundo este protocolo, o geomonumento da Rua Sampaio Bruno é um entre vários pólos do referido Museu, concebidos no quadro de uma estrutura museológica alargada, de âmbito nacional, ainda embrionária e sem qualquer reconhecimento na letra da lei, mas já instalada no terreno e a dar os primeiros passos (nomeadamente nos concelhos de Lisboa, Viseu, Setúbal, Torres Vedras, Sesimbra e Évora), a que demos o nome de Exomuseu da Natureza, conceito que lançámos há uma década e cuja expressão, de então para cá, não pára de crescer e reunir consensos.

A Câmara Municipal de Lisboa tem vindo a inaugurar, antes de quaisquer outras, os primeiros deste tipo de bens culturais, numa concepção de cultura alargada ao saber científico, postos ao serviço dos seus munícipes e visitantes. E como autarquia da cidade capital do país, o seu exemplo não pode deixar de influenciar as suas congéneres, de norte a sul do território nacional. Com efeito, não só o nosso diálogo com o poder local, com vista à salvaguarda do respectivo património geológico, se tornou mais fácil, como estamos a assistir a iniciativas das autarquias no mesmo sentido e que, para tal, nos solicitam o necessário apoio.

Bem-haja o município lisbonense e todos os que estão a proceder de igual modo, que assim contribuem grandemente para combater uma acentuada e tradicional falta de cultura geológica dos portugueses, compensando uma acentuada e lamentável inércia neste sector, por parte dos serviços centrais competentes, e colocando Portugal na companhia dos países que dão ao património geológico o valor que lhe é devido.

NOTA DO TRIPLOV
(1) Salvo alguma gralha involuntária, resultante da digitalização do texto, a grafia corresponde à intenção original.