GEOMONUMENTOS
DE LISBOA








EXTRACTOS DE:
JAZIDA DE BRIOZOÁRIOS DO MIOCÉNICO INFERIOR DE LISBOA
Pólo Sampaio Bruno
Por A.M. Galopim de Carvalho
Edição do Museu Nacional de História Natural
Patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa - 2000

III - OS BRIOZOÁRIOS DO MIOCÉNICO INFERIOR DA RUA SAMPAIO BRUNO
c) Ascophora


Subordem ASCOPHORA

Os briozoários pertencentes a esta sub-ordem caracterizam-se pelo respectivo sistema hidrostático zoecial que consta de um saco compensador, ou compensatriz, cuja comunicação com o exterior é feita ou por um orifício próprio, localizado na frontal da zoécia (ascóporo) ou por uma diferenciação da abertura e do opérculo. A frontal das zoécias não é costulada.

Ao contrário dos outros grupos, é nos tempos terciários e actuais que os Cheilostomata e, em particular, os Ascophora atingem o máximo da sua extensão. Eles formam um conjunto de várias centenas de géneros distribuídos por mais de trinta famílias.

Doze famílias, abrangendo um total de vinte e sete géneros, foram assinaladas no Terciário português e destas oito fazem parte da fauna do Aquitaniano de Campo de Ourique, com doze espécies.

Na família Schizoporellidae (Jullien, 1883) o zoário é incrustante ou erecto, bilamelar, escariforme ou cilíndrico, vinculariforme. A abertura apresenta uma rímula no bordo proximal que serve de passagem à compensatriz. Na mesma abertura situam-se dois côndilos onde se articula o opérculo. Esta família está representada na jazida por três espécies:

Buffonellodes incisa (Reuss, 1873)

O zoário é incrustante, em geral, sobre valvas de pectinídeo. As zoécias são elípticas a sub-hexagonais alongadas, de frontal lisa e convexa. A abertura, alongada, apresenta um anter semicircular e um poster côncavo, entalhado por uma rímula grande e irregular.

Esta espécie apenas conhecida como fóssil está representada no Miocénico de França, Itália, Polónia, Áustria e Egipto. Em Portugal existe ainda no Langhiano do Areeiro, em Lisboa.

Schizoporella unicornis ( Johnston, 1847)
(Imagem 1 da estampa acima)

Zooário incrustante sobre outros briozoários. As zoécias sub-rectangulares a elípticas, dispõem-se em fiadas longitudinais alternas e separam-se por um sulco bem marcado. A frontal é convexa e constituída por um tremocisto regularmente perfurado por poros finos e abundantes; na parte central, sob a abertura, existe um pequeno umbo, saliente e perfurado. A abertura é pequena, semicircular, com uma rímula no bordo proximal, bem marcada e estreita. Os aviculários, localizados na extremidade distal da zoécia, são oblíquos e de bico virado para a parte distal externa; são em número de um ou dois, ladeando a abertura de um ou outro lado, ou de ambos, simultaneamente. Os exemplares estudados não se apresentam ovicelados.

S. unicornis é uma das espécies de grande distribuição geográfica, quer durante o Neogénico, quer nos tempos actuais. É comum nas bacias neogénicas do norte, oeste e sul da Europa, e ainda nos terrenos quaternários de Itália. Em Portugal, é conhecida no Burdigaliano de Palença (Almada), no Langhiano do Areeiro e no Serravaliano de Encarnação, em Lisboa. No continente americano S. unicornis é conhecida nas formações miocénicas das Américas do Norte e Central.

Actualmente esta espécie tem larga distribuição geográfica nos domínios do Atlântico Norte e no Mediterrâneo, vivendo nas regiões costeiras.

Schizomavella auriculata (Hassal, 1842)
(Imagem 4 da estampa acima)

Zoário incrustante. As zoécias, rectangulares, dispõem-se radialmente em fiadas longitudinais alternas. A frontal, ligeiramente convexa, é constituída por um tremocisto poroso que recobre um holocisto visível nas zonas onde a abrasão destruiu a camada primeiramente citada. O orifício é subcircular, deprimido e comporta no seu lábio proximal uma rímula triangular aberta; ele abre-se no extremo distal da zoécia e é contornado por um peristoma pouco saliente. O aviculário, pequeno e arredondado, situa-se na parte média da frontal, sobre uma pequena saliência em forma de umbo, podendo estar ausente. O ovicelo é hiperstomial, achatado, perfurado e parcialmente mergulhado na zoécia distal vizinha.

O único exemplar proveniente de Campo de Ourique faz parte de um zoário incrustante já separado do seu suporte.

S. auriculata tem sido assinalada no Miocénico de França, da Europa Central e do Norte de África; Pliocénico da Bélgica, da Holanda, da Inglaterra e de Itália. Em Portugal está referida no Burdigaliano de Palença e no Langhiano de Areeiro (Lisboa). Esta espécie vive actualmente no Atlântico norte, da Groenlândia aos Açores e Madeira, e no Mediterrâneo, atingindo profundidades de 200 m. Na costa portuguesa foi assinalada por Rosas (1944), na foz do Douro.

Na família Microporellidae (Hincks, 1880), o zoário tem forma variável, bilamelar ou unilamelar incrustante. A abertura é semicircular ou semielíptica, simples. A frontal apresenta um ascóporo colocado sob o peristoma. O ovicelo é hiperstomial.

Das três espécies representativas desta família em Portugal, duas existem no Pliocénico da Orla Ocidental e uma no Aquitaniano de Campo de Ourique:

Microporella ciliata (Pallas, 1876)
(Imagem 2 da estampa acima)


Zoário incrustante. As zoécias, sub-hexagonais, alongadas ou elípticas, dispõem-se em fiadas longitudinais alternas. A abertura, semicircular e de bordo proximal rectilíneo, situa-se na extremidade distal da zoécia. O peristoma, bem visível, apresenta cicatrizes de espinhas orais. A frontal das zoécias é convexa e constituída por um tremocisto finamente perfurado. Este aspecto perfurado da frontal não é, por vezes, visível, em virtude de fina película calcária que, secundariamente, recobre as zoécias. O ascóporo, mediano e bem diferenciado, situa-se no cimo de uma pequena elevação em forma de umbo. De um e de outro lado do ascóporo e junto ao bordo lateral da frontal, situam-se os aviculários adventícios. Os exemplares estudados não apresentam ovicelos. Os zoários provenientes de Campo de Ourique têm como suporte uma valva de lamelibrânquio.

M. ciliata é conhecida a partir do Miocénico. A sua distribuição geográfica durante o Neogénico é mundial. Em Portugal é ainda conhecida no Burdigaliano de Palença. Este carácter cosmopolita mantém-se actualmente. Assim, M ciliata vive em todos os oceanos (entre 800 de latitude norte e 70° de latitude sul), junto às costas, podendo, no entanto, atingir 500m de profundidade. Existe também na costa portuguesa, entre Cascais e Setúbal, sobre algas, na zona das marés (Nobre, 1904; Rosas, 1944).

Na família Umbonulidae (Canu, 1904) o zoário é bilamelar ou unilamelar incrustante. A frontal das zoécias apresenta poros aureolares separados por costelas. Os briozoários desta família exibem normalmente um umbo saliente suboral. O ovicelo é hiperstomial perfurado por dois grandes orifícios (fenestrae). A única espécie desta família está representada em Portugal por:

Hippopleurifera sedgwicki (Milne-Edwards, 1836)
(Imagem 3 da estampa acima)


Zoário bilamelar. As zoécias, ovais ou piriformes, estão dispostas em fiadas paralelas ou radiais, conforme a região do zoário, e separam-se entre si por um sulco bem marcado. A frontal é ligeiramente convexa e é contornada por duas fiadas irregulares de poros areolares; outros poros existem também na parte central. A abertura subcircular mostra um peristoma muito apagado e, em alguns indivíduos é possível ainda observar os dois côndilos laterais. Cada zoécia tem, em geral, dois aviculários de tamanho variável, oblíquos, ladeando a abertura e com os respectivos bicos virados para a parte distal interna.Os exemplares estudados não se apresentam ovicelados. H. sedgwicki é uma espécie fóssil conhecida na Europa
durante o Neogénico. Assim, conhecem-se referências seguras desta espécie no Aquitaniano e Burdigaliano da Aquitânia, no Burdigaliano da Bacia do Ródano e no Helveciano do oeste da França; no Miocénico da Áustria e no Pliocénico da Tunísia, de Marrocos, da França, de Inglaterra e da Holanda. Em Portugal a mesma espécie foi também encontrada no Pliocénico de Salir do Porto.

Na família Smittinidae (Levinsen, 1909) o zoário é incrustante ou erecto, de forma variável. A abertura apresenta, geralmente, uma lírula mediana e côndilos laterais e é contornada por um peristoma saliente, escavado na parte proximal. Há geralmente um aviculário oral colocado no bordo proximal do peristoma. O ovicelo é hiperstomial e profundamente mergulhado na zoécia distal vizinha.

No Aquitaniano de Campo de Ourique esta família está representada pela espécie:

Smittina lobata (Busk, 1859)(1)


Zoário incrustante sobre outras colónias de briozoários. Um dos exemplares de S. lobata fixa-se sobre uma colónia de C. calpensis que, por sua vez, tem como suporte um zoário de Haloporella palmata. Um outro exemplar fixa-se sobre uma valva de ostreídeo. As zoécias, distintas e separadas entre si por um sulco, são elípticas. A frontal, convexa, lisa e rodeada de poros areolares apresenta, sob a abertura, um pequeno aviculário saliente. A abertura é pequena e transversa. O estado de fossilização não permite observar bem o limite do peristoma nem as espinhas dorsais. O ovicelo é grande, um pouco achatado e mergulhado na zoécia distal vizinha.

Os exemplares de Campo de Ourique identificam-se com os do "Savignéen" francês, conservados na colecção CANU (Muséum National d'Histoire Naturelle, Paris). Esta espécie é conhecida no Pliocénico do "Crag", Inglaterra e no Helveciano do oeste da França.

Na família Escharellidae (Levinsen, 1909) o zoário é incrustante ou erecto, bilamelar. As zoécias apresentam a frontal formada por um holocisto contornado de aréolas, recoberto por um pleurocisto granuloso, formando costelas entre os espaços areolares. A abertura apresenta uma lírula, espinhas orais e é contornada por um peristoma saliente no bordo proximal, formando um mucro. Ausência de aviculários, excepto em alguns casos raros. Presença de séptulas uni e multiporosas. Ovicelo hiperstomial.

Desta família só conhecemos, em Portugal, a espécie de Campo de Ourique:

Escharella ventricosa (Hassal, 1842)


Zoário incrustado sobre outras colónias de briozoários. Zoécias sub-hexagonais alongadas, dispostas em fiadas longitudinais (paralelas ou radiais) alternas. A frontal é convexa e contornada por poros areolares bem visíveis e separados entre si por costelas radiais pouco salientes. A abertura é semicircular e contornada por um peristoma. Aviculários desconhecidos. Nenhum dos exemplares observados se encontra ovicelado.

E. ventricosa é uma espécie de águas frias e temperadas. É conhecida do Atlântico Norte a Marrocos e no Mediterrâneo. Como fóssil, esta espécie foi assinalada no Miocénico e no Pliocénico da Europa, quer nas costas atlânticas, quer nas mediterrânicas. Vive actualmente nas águas do Atlântico Norte e do Mediterrâneo. Está referida no litoral português (Foz do Douro) por Rosas, 1944.

Na família Tubocellarídae (Busk, 1884) o zoário é erecto, ramificado e constituído, em geral, por segmentos articulados. A frontal é característica e formada por uma espécie de tubo tremocístico sobreposto ao holocisto, delgado e perfurado. O ascóporo é bem visível a meio da frontal. Não existem espinhas orais e os aviculários são pouco constantes. As séptulas são numerosas, dispersas e multiporosas. O ovicelo forma-se por deformação do peristoma (ovicelo peristomial) sempre muito saliente.

A única espécie desta família está descrita em Portugal no Aquitaniano de Campo de Ourique:

Tubocellaria bipartita (Reuss, 1869)

Os segmentos são filiformes e constituídos por zoécias bem distintas umas das outras, dispostas em fiadas longitudinais alternantes ao longo do segmento. As zoécias têm a forma de um pequeno saco alongado e terminado por um tubo saliente (peristomia) separado do resto da zoécia por um pequeno estrangulamento. Toda a frontal da zoécia se apresenta regularmente perfurada. A parte externa, correspondente à peristomia, é ligeiramente canelada e apresenta pequenos poros nos sulcos. Existe um ascóporo bem visível, frontal, situado a um terço da parte distal, sob a peristomia. O ovicelo é peristomial e apresenta a mesma ornamentação da peristomia.

Tubocellaria bipartita é uma espécie fóssil descrita no Oligocénico e no Aquitaniano do sudoeste da França.

Na família Sertellidae (Jullien, 1903) o zoário é erecto, unilamelar, reticulado, formando frondes, às vezes bastante desenvolvidas. As zoécias são pouco distintas e de pequenas dimensões. A face dorsal do zoário apresenta-se dividida por sulcos ou cristas, sem qualquer relação com a disposição frontal das zoécias e contém, às vezes, pequenos aviculários dorsais. O ovicelo é hiperstomial e profundamente mergulhado na zoécia distal vizinha.

A espécie de Campo de Ourique é afim de: Sertella aff. beaniana (King, 1846)

O seu estado de conservação permite apenas constatar o tipo de zoário, reticulado, erecto, unilamelar. A abertura é elíptica, munida de dois côndilos e, às vezes, de aviculário labial. O ovicelo apresenta uma fenda longitudinal, característica.

S. beaniana é conhecida no Neogénico da Europa e vive ainda no Atlântico e no Mediterrâneo. No litoral português foi referida por B. Ferreira (1923) e A. Nobre (1903), (1904) e (1942).

Na família Celleporidae (Busk, 1852) o zoário é incrustante ou erecto, às vezes em massas de grandes dimensões. As zoécias orientam-se, em geral, normalmente à superfície do zoário. A abertura, de forma variável, apresenta, às vezes, aviculários. O ovicelo é hiperstomial.

Esta família está representada em Portugal por duas espécies bem identificadas no Aquitaniano de Campo de Ourique e por um género cuja espécie é irreconhecível, comum em várias jazidas nacionais do Miocénico e do Pliocénico, mas sempre em estado de conservação deficiente.

Holoporella palmata (Michelin, 1847)

Zoário em geral globoso e algumas vezes cilíndrico. As zoécias apresentam-se erectas, convexas e de frontal lisa, às vezes munida de umbo saliente. A abertura é semicircular com dois côndilos laterais que definem um anter e um poster. Um ou dois aviculários pequenos podem estar presentes, ao nível do peristoma, em geral granuloso.

H. palmata é, sem dúvida, a espécie mais abundante no jazigo de Campo de Ourique, constituindo colónias robustas que serviam de suporte a outras espécies incrustantes. É também conhecida no Miocénico da França, da Bélgica e de Inglaterra.

Schismopora perforata (Canu e Lecointre, 1930)

Pequenos fragmentos de zoário, talvez, arborescente. Zoécias amontoadas ao acaso, salientes e de frontal lisa. Um umbo saliente, colocado na parte proximal do peristoma, termina em pequeno aviculário. Peristoma saliente, no interior do qual se observa a abertura fendida por pequeno seio proximal. Os aviculários interzoeciais são grandes, ovais e alongados. O ovicelo é hiperstomial, globoso e perfurado. Conhecida em Portugal apenas na jazida de Campo de Ourique. Foi pela primeira vez descrita no Helveciano da Bacia do Loire (França).

Cellepora sp.


Sob esta designação genérica à qual não corresponde nenhum genótipo nem nome de autor, reúnem-se todos os exemplares de Celleporida e indetermináveis especificamente, e que não pertençam a outro género da família.
 
NOTA DO TRIPLOV
(1) Pode ver mais imagens, entre elas de espécies de Bosc, na página Cheilostomates: Bryozoa