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1. Nasci numa época
em que muito do clero português cultivava mais o medo do pecado do
que o amor da virtude. A sua pregação – sobretudo a dos padres da
vinagreira – estava centrada na ameaça do inferno e a confissão
oscilava entre um precário alívio, a tortura e o escrúpulo.
As insólitas atitudes do Papa
Francisco, a forma e o fundo da sua Exortação Apostólica, recusam
fazer da fé cristã uma tristeza. Estão a irritar não só a alta
finança, mas também os movimentos que tentam recuperar esse tipo de
práticas religiosas – contra o Vaticano II -, com o auxílio de
eclesiásticos vestidos e calçados a preceito.
Estamos no Domingo da Alegria, como se
todos os Domingos não fossem para celebrar a Páscoa, a vitória sobre
a morte. Não foi por acaso que o Papa sentiu necessidade de recordar
o que esquecemos e está escrito para sempre, em S. João: isto vos
escrevemos para que a vossa alegria seja completa[i]
- Evangelii Gaudium.
Estamos a precisar de uma Igreja que
seja uma alegria para o mundo actual. O padre Bill Grimm sustenta
que está a chegar a 3ª Igreja[ii].
Para ele, a primeira foi o movimento das discípulas e discípulos de
Jesus Cristo, das gerações que se seguiram e das incursões
missionárias, fora do universo judaico. Estava centrada,
essencialmente, no Mediterrâneo. Foi ela que nos legou o Novo
Testamento, os elementos fundamentais do culto cristão e os
primeiros exemplos de diálogo com as religiões, as culturas e as
filosofias desse mundo. A segunda centrou-se na Europa. Foi a Igreja
da cristandade, pouco ou nada tolerante para o que lhe era
exterior. O outro era o inimigo ou o objecto de proselitismo. Aí
vivemos, mas estamos a caminho de uma 3ª Igreja, sem centro
geográfico e sem fronteiras de raças, nações e culturas, mundial.
2. As estatísticas
estão a contar a história. Em 1910, 80% dos cristãos do mundo viviam
na Europa e na América do Norte. Hoje, um século mais tarde, a
maioria vive na África, na Ásia e na América Latina. Em apenas cinco
anos, entre 2004 e 2009, o número de católicos na Ásia aumentou 11%.
Os cristãos ocidentais quase não se
aperceberam de como o seu cristianismo foi moldado por tradições
religiosas e culturas anteriores à pregação do Evangelho na Europa.
Hoje, são as Igrejas de África, Ásia, América Latina e Pacífico que
estão a ser moldadas por religiões e culturas que os mensageiros do
Evangelho aí encontraram. Isso significa que as ideias de Deus, de
adoração, de santidade, de ministério e comunidade – de tudo o que
faz a Igreja – estão, de forma gradual, a tornar-se diferentes do
que tem sido “normal” durante mais de um milénio e meio.
O Advento da 3ª Igreja
processa-se, no meio de crenças ou descrenças variadas, com pouco ou
sem poder político, social e cultural. Este movimento está a levar a
novos estilos de liturgia, de teologia, de comunidade, de
evangelização.
Como os cristãos da 3ª Igreja,
em especial na Ásia, são muitas vezes uma minoria impotente e
perseguida, tendem a ver o papel da Igreja e as suas formas
institucionais a partir de uma perspectiva diferente do Ocidente,
onde a Igreja só há pouco começou a perder o poder político, moral e
intelectual.
3. Perante este
fenómeno, são diversas as reacções das pessoas nas Igrejas do
Ocidente. Umas alegram-se por ver o Espírito Santo trabalhar em
novas formas, em novos lugares. Outras, com medo do desconhecido,
recusam-se a aceitar novas experiências, como se o Ocidente fosse
feito só de bons exemplos a imitar. Grande parte da história
católica, desde o Vaticano II, pode ser interpretada como uma série
de tentativas para perpetuar o que B. Grimm chamou a 2ª Igreja
e evitar as mudanças que se anunciam com o Advento de uma nova
Igreja. Goste-se ou não, está a nascer outra realidade. Vai levar
tempo, mas por fim o cristianismo será diferente em todo o mundo.
A tentação conservadora consiste em
tornar definitivo o provisório: foi sempre assim e assim há-de
continuar. Como seria bom mudar se tudo ficasse
na mesma.
No entanto, os começos do cristianismo
anunciavam uma subversão sem limites culturais, religiosos,
geográficos, sociais e históricos. Paulo fez a declaração fundadora:
Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem
nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus (Ga.3,
28). Isto está atrasado. Houve muitos ziguezagues. Temos a alegria
de que a Igreja, na qual o Papa Francisco está a trabalhar, tem
futuro, se não o deixarmos sozinho.
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