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1.
Páscoa ou férias da Páscoa? Para uma minoria cristã, a Semana Santa
significa a celebração do processo de transformação espiritual da
vida humana. Para os mais idosos, acorda recordações inesquecíveis
de infância, diferentes, segundo as tradições de cada zona do país.
Para os marcados pela secularização, o turismo ainda pode aconselhar
a Semana Santa em Braga ou em Sevilha, mas as “fugas” dependem das
modelizações da crise na vida de cada um e nas famílias. A fuga
mais geral é ficar em casa.
Na Igreja Católica, embora sabendo que uma andorinha não faz a
Primavera, vive-se um momento de esperança. A facilidade e a rapidez
com que simples e breves sinais preanunciaram mudanças
indispensáveis, mostram até que ponto estávamos e estamos saturados
de “Inverno”. Dentro e fora Igreja, a urgência de um outro rumo
global só a não deseja quem cresce à custa do afundamento dos
outros. A miopia financeira nunca perceberá que não é o império do
Dinheiro que salvará o mundo.
2.
Os cristãos estão avisados, desde há dois mil anos: para evitar as
mudanças de rumo na sociedade, no estado e na religião são possíveis
as alianças mais contraditórias. S. Lucas, depois de apresentar, no
seu Evangelho, o desfecho do currículo de Jesus, escreveu um segundo
volume, os Actos dos Apóstolos, para que a Igreja e o mundo não
esqueçam o esquema de uma história exemplar: Verdadeiramente,
coligaram-se nesta cidade contra o teu santo servo Jesus, que
ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com as nações pagãs e os povos de
Israel (Act 4, 27).
Pedro,
ao recolocar a verdade dos factos diante do Sinédrio de Jerusalém
não é um vencido, é um judeu atrevido: sabei, todos vós, assim
como todo o povo de Israel, que é pelo nome de Jesus Cristo
Nazareno, aquele que vós crucificastes e que Deus ressuscitou de
entre os mortos, é pelo seu nome e por nenhum outro que este homem
está curado diante de vós. É ele a pedra que vós, os construtores
rejeitastes e que se tornou a pedra angular. Pois não há sob o céu
outro nome pelo qual possamos ser salvos (Act 4, 8-12).
O que terá levado S. Pedro a esta afirmação aparentemente tão
exclusivista? Antes de Cristo, ao lado de Cristo e depois de Cristo
não aconteceu nada para a salvação do sentido da vida dos seres
humanos? A verdadeira história só tem 2000 anos?
Jesus é, de facto, uma particularidade histórica contingente, com
data e lugar de nascimento e, como tal, não pode ser considerada uma
realidade absoluta. O ser humano pode encontrar o caminho para Deus,
sem passar por Jesus de Nazaré. Na história humana nasceram muitas
religiões sem qualquer referência cristã. Deus é absoluto, mas
nenhuma religião pode pretender ser absoluta. Todas têm fronteiras.
Então, de onde viria o atrevimento de S. Pedro, sempre preocupado em
dar razão da sua esperança?
É importante desfazer um equívoco grave, para não se cair numa
interpretação que nega o próprio sentido das narrativas e das
cristologias do Novo Testamento. Supõe-se que esses textos foram
escritos para afirmar privilégios e fundar um povo, uma Igreja de
privilegiados: Cristo é único e é só nosso; se o
quiserem encontrar têm de passar por nós!
O que é particular à pessoa de Jesus, a sua absoluta característica,
não tem nada a ver com esse equívoco: Jesus, na sua prática
histórica, remete para um Deus que não é propriedade privada nem
Dele nem de ninguém. É o Deus do livre amor por todos os seres
humanos, sem restrição. O Deus de Jesus também não pode ser
privatizado nem sequer pelos cristãos. Por outro lado, Jesus, na sua
prática histórica, surge polarizado por todos os seres humanos,
sejam ou não povo de Israel. É a partir da periferia que caminha
para o centro. Tudo e em tudo, dentro e fora das religiões, só tem
sentido se fôr para o bem de toda a humanidade.
O itinerário de Jesus, testemunhado pelas narrativas evangélicas, é
o de alguém que está, continuamente, voltado para o Deus de todos.
Em Jesus não há rivalidade entre a dedicação a Deus e a entrega à
libertação humana. É um Deus humanado.
3.
No século XX não foi possível superar, inteiramente, um cristianismo
dolorista. A alternativa seria um cristianismo burguês ou hedonista.
Perante judeus e gregos, S. Paulo não se cansou de repetir: Pois
não quis saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus
Cristo crucificado (1Cor 2, 2). Não haverá perguntas a fazer a
esta declaração? Creio que sim.
Jesus não morreu nem de acidente, nem de doença nem de velho. Foi
condenado à pena capital, à morte na cruz, que não desejava. A
celebração da Semana Santa, as narrativas da Paixão tentam explicar
porque é que o crime aconteceu. Se Jesus não amava o sofrimento, se
detestava a cruz, porque é que Ele não fugiu, não renegou? A sua
fidelidade à emancipação humana era maior que a sua dor.
O mais importante está, todavia, no que aconteceu na própria cruz.
No momento em que é excluído da vida,
Ele oferece futuro aos que lhe dão a morte. Ele morre com o mundo
vivo no seu coração.
A aliança de Jesus é com todos os que são contra a morte.
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