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1.
Desde a sua eleição, a 13 de Março 2013, o Papa Francisco alterou as
espectativa sobre a renovação da Igreja. Do Vaticano, nos últimos
anos, só chegavam más
notícias.
Bento XVI, em vez de varrer a Cúria, trabalhava na sua obra
teológica, depois de ter silenciado a dos outros.
Se não for travado e não for uma táctica, o caminho do Papa
Francisco pode trazer boas surpresas. A começar pelo próprio nome.
Não passa pela cabeça a ninguém que a figura de S. Francisco
de Assis possa abençoar aquela Cúria, as suas intrigas
palacianas e as supostas lavagens de dinheiro. O nome de um
poeta anarquista e maltrapilho para nome de Papa romano roça o
surrealismo.
Não foi apenas a displicência em relação a vestes, sapatos e
cerimoniais consagrados que
ressuscitou
a intuição de João XXIII e João Paulo I. Foram iniciativas
concretas, a partir da periferia, que indicaram que não se estava
apenas a procurar uma Igreja pobre para os pobres, mas que a
igreja não existe para si mesma. O seu lugar é fora de portas.
A 5ª Feira Santa, consagrada a exaltar a instituição da Eucaristia e
a ordenação sacerdotal, excluia a presença de mulheres. O próprio
lava-pés, reproduzindo, de forma fundamentalista, a referência aos
12 apóstolos,
canonizava
uma interpretação clerical e não exprimia a radicalidade do
gesto de Jesus. A tranferência desta celebração da Basílica para o
centro de correcção juvenil Casal del Marmo, a norte de Roma, onde
se
encontram detidos 46 jovens, estrangeiros, muçulmanos e ateus, é
verdadeiramente pascal:
no simbólico número doze há duas mulheres entre os apóstolos. É a
destruição de um mito.
2.
Goste-se ou não, as celebrações da Páscoa obrigam os cristãos a
confrontarem-se com um fenómeno insólito, que sempre procuraram
disfarçar. As narrativas da Ressurreição foram todas escritas por
homens, atribuídas a Mateus, Marcos, Lucas e João. Era de supor que
o maior destaque fosse dado aos apóstolos, mas não é. São as
mulheres que recebem o encargo de os evangelizar, de lhes anunciar o
que há de mais importante no Evangelho, a ressurreição.
Este é o facto. Não basta dizer que Cristo assim quis e
pronto. Seria o elogio da arbitrariedade. Ele devia ter as suas
razões para agir deste modo. Quais poderiam ser?
Foi Jesus que escolheu e chamou os seus discípulos. Acabou por
descobrir que eles não O entendiam, nem estavam interessados no seu
projecto. No Evangelho de S. Marcos, a grande discussão que os
animava, no âmbito da tomada do poder, centrava-se na distribuição
de lugares. (Mc 4, 34 par.). Dois deles encheram-se de coragem e
colocaram ao Mestre as suas exigências: quando triunfares, como rei
messiânico, nós queremos os dois primeiros lugares. Esta pressa
produziu uma grande indignação nos outros. Depois de uma reunião,
receberam todos a mesma resposta: aquele que quiser ser o primeiro,
de entre vós, seja o servo de todos (Mc 10, 35-45).
Alimentaram sempre a esperança de que Jesus acabaria por perceber
que esse rumo só o podia levar ao desastre. Pedro tentou, até à
última, mostrar-lhe que tinha mesmo de mudar.
Os apóstolos, quando viram o Mestre derrotado na cruz,
aperceberam-se de que tinham andado enganados. Acabara-se o tempo
das ilusões e cada um voltou à sua vida. Já tinham perdido muito
tempo.
3.
Segundo os quatro Evangelhos, as mulheres nunca foram chamadas para
o discipulado. Seguiram Jesus, por
sua própria iniciativa, descobrindo que por ali corria a vida
verdadeira e liberta. Nunca pediram nada em troca do muito que
fizeram a Jesus e ao seu movimento. Andavam e serviam por puro amor
(Lc 7-8).
A mulher, por ser mulher, na sociedade em que Jesus nasceu e foi
educado, não contava - “não contando mulheres e crianças” - e, no
casamento, estava dependente da vontade do marido. O estatuto da
mulher dependia do homem (Mt 19).
Seria anacrónico dizer que Jesus era um feminista e inscrevê-lO num
movimento nascido nos finais do século XIX. A questão não é essa.
Apesar da missão que lhes foi confiada nas narrativas da
ressurreição, teima-se em negar às mulheres, por serem mulheres,
qualquer papel na Igreja, privilegiando sempre os homens. Não é
muito difícil perceber porquê.
Aquilo que Jesus exigia aos discípulos, a disponibilidade para o
serviço, não o conseguiu, como vimos. Com aquelas mulheres Jesus
nunca teve esse problema. As que O seguiram nunca Lhe faltaram.
Nunca pediram nem esperaram nada em troca. Não foram, apenas,
testemunhas do seu percurso até Calvário. Não O largaram mesmo no
sepulcro, quando tudo parecia perdido. Deixaram-se seduzir e isso
lhes bastou. Jesus e o seu projecto passaram a fazer parte das suas
vidas, para sempre.
É fácil de perceber que era com mulheres desta têmpera que o
Ressuscitado poderia contar para converter os discípulos ao caminho
do serviço gratuito. Mesmo depois da ressurreição, o que continuava
a interessar os Apóstolos era o poder. Foram directos ao assunto.
Jesus não se deixou impressionar, colocou este caso nas mãos do Pai
e do Espírito Santo e uma nuvem o ocultou (Act 1, 6).
in Público, 7 de março de 2013
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