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1. Desde o passado dia 13, o Vaticano tem
novo inquilino. Surgiu à janela o primeiro Papa jesuíta, vestido de
dominicano, com nome franciscano, muito bem-disposto, feliz pelo
ministério que lhe foi confiado, sem a estola do poder e, antes de
distribuir bênçãos, pediu para ser abençoado.
Na Companhia de Jesus, aliás, como nas outras
ordens religiosas, apesar do que se diz, os seus membros não são
todos clonados. Conhecer um, não é conhecer todos. Como dizia um
jesuíta brasileiro meu amigo, eu trabalho com os pobres contra a
opressão de que são vítimas. Outros ensinam nos colégios e nas
universidades donde não sairão necessariamente os defensores dos
excluídos.
Mário Jorge Bergoglio nasceu em 1936. Prestou
relevantes serviços à Companhia de Jesus, na Argentina, foi
Provincial num tempo terrível de ditaduras militares e da louca
história dos desaparecidos e despejados de helicóptero, no alto mar.
Essa história envolveu muitas figuras da Igreja, embora ainda esteja
escrita debaixo das emoções de terríveis memórias. Não é de admirar
que o comportamento de Bergoglio possa, agora, voltar a ser evocado,
por motivos evidentes, sem a devida distância, para uma apreciação
isenta.
2. O novo Papa conhece bem não só a
Argentina, mas toda a América Latina e os seus problemas sociais,
económicos, políticos e religiosos. Não é, porém, uma pessoa que vem
do fim do mundo e se encontra, de repente, no Vaticano.
Como cardeal fez parte da Comissão para a
América Latina, da Congregação para o Clero, do Pontifício Conselho
para a Família, da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos
Sacramentos, do Conselho Ordinário da Secretaria-Geral para o Sínodo
dos Bispos, da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e
das Sociedades de Vida Apostólica.
O Papa Francisco está, por isso, em condições
excelentes para conhecer os métodos usados no Vaticano para conhecer
o mundo e governar a Igreja, mas também sabe de que se queixam os
que, noutros Continentes, a começar pela América Latina, não se
sentem representados pela engrenagem da Cúria. Não pode fingir que
ignorava a complexidade da problemática que o espera e as limpezas
que tem de fazer no Vaticano, para que este não continue a
escandalizar o mundo.
3. O despojamento com que se apresentou e o
nome que escolheu podem sugerir que não vai entrar no jogo do culto
da personalidade, nem vai ceder à “papolatria”, nem a designações
que o afastem da figura de “servo dos servos de Deus”. A Igreja não
é dele, nem ele é a Igreja. Tem, com os outros bispos do mundo
inteiro e os seus padres, de servir um povo sacerdotal, profético,
livre, composto de mulheres e homens, chamados todos à transformação
da vida e à transfiguração da Terra.
Tem muito que fazer, pode contar com o
Espírito Santo e com a oração da Igreja inteira. A oração não é para
convencer o Espírito Santo, nem para O responsabilizar por tudo o
que acontece na condução da Igreja. Os Papas também se confessam.
Essa beatice seria, aliás, um mau serviço a Deus e ao Papa. A oração
é para nos abrir ao desígnio libertador de Deus e escutar o rumor do
mundo.
4. Há, de certeza, muita gente que está de
acordo, outra em desacordo e, outra ainda, de acordo numas coisas e
noutras não, acerca de tudo o que consta sobre as posições
teológicas, éticas e pastorais do novo Papa. Não sei como poderia
ser de outra maneira. Será importante que não use o seu ministério
para levar avante as suas convicções pessoais e o que julga que é a
sã doutrina. Seria terrível que não tivesse convicções profundas e
bem alicerçadas, para não andar ao sabor da moda.
Todos os cristãos recebem, no baptismo, uma
unção nos ouvidos e na boca. Há mais ouvidos do que boca. Este Papa
será fiel ao Vaticano II se adoptar o método de João XXIII. Não é
para repetir o que aconteceu há cinquenta anos. É para algo que um
célebre Cardeal jesuíta, Carlo Maria Martini, Arcebispo de Milão,
desejava que o próprio Bento XVI tivesse realizado: um novo
Concílio. É preciso colocar a Igreja inteira, em todos os
continentes, países, dioceses, paróquias e movimentos a escutarem a
voz de Deus nos sinais dos tempos e na voz de todos os seres
humanos, nas suas alegrias, nas suas tristezas, nas suas esperanças
e nos seus desesperos. Não importa se um processo destes vai levar
muito ou pouco tempo, pois o próprio processo é um caminho de fé e
de nova evangelização. O Papa ao visitar os países, as dioceses, as
paróquias, deve dispensar os gastos e o espavento das habituais
viagens de um chefe de estado.
Se são visitas pastorais, siga o estilo
sugerido pela metáfora do Bom Pastor.
Frei Bento Domingues, O.P.
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