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1. São sobretudo os
portugueses que, actualmente, vivem bem e muito bem que acusam os
outros de terem andado a viver acima das suas possibilidades.
Encontrei, por acaso, um conhecido que já não via há muito tempo,
que me exibiu uma estratégia para acabar com as aldrabices dessa
conversa inconsequente e para me convencer a desistir das minhas
homilias dominicais. O importante não é saber quantos habitantes
estão a mais em Portugal, mas como os eliminar sem dor.
Para ele, a política ou falta de
política tornou-se um falatório de ilusionistas. Portugal, sem
batota, nunca terá recursos nem habilidades para manter mais de três
milhões de pessoas. O governo, aliás, sabe que é assim. Segue o
caminho certo e tomou medidas que já começam a dar frutos: os jovens
que não emigrarem e que não tiverem emprego não podem ter filhos. A
população, a prazo, será controlada. Os idosos, privados dos
modernos cuidados de saúde, morrem mais depressa e “o ambiente
agradece”.
Para um pragmático puro e duro, esse
caminho é excessivamente demorado para resolver problemas e pagar
dívidas que estão sempre a aumentar. A solução tem de ser mais
rápida e radical.
Hoje, já é possível controlar os
nascimentos e determinar quantos são os desejáveis do sexo masculino
e feminino. Para evitar gastos com a saúde de bebés, só devem nascer
aqueles que mostrarem estar isentos de qualquer doença, real ou
potencial. Aos setenta e cinco anos deve ser imposta a reforma da
vida para todos. Os funerais serão baratos. Esta medida libertará
recursos económicos e financeiros para fins mais produtivos.
Poderíamos, desta maneira, ser
pioneiros na resolução de problemas postos a nível mundial. Se os
sete mil milhões de seres humanos na terra tivessem o nível de vida
dos EUA seriam necessários, pelo menos, mais seis planetas, para
satisfazer as suas necessidades. No período em que a população
cresceu 100%, a área cultivável só aumentou 10%. Assim não dá.
A solução do referido pragmático não é
um atentado à vida humana pois, agora por agora, a morte é certa. O
método proposto apressa o céu aos crentes. Os não crentes na vida
depois da morte são poupados às doenças, aos hospitais e aos lares
que tornam a vida um inferno laico. Os que acreditam na reencarnação
só começam mais depressa a nova experiência de vida. Quem insiste em
convicções humanistas e religiosas, sobretudo as que destacam o
valor absoluto da pessoa humana, criada à imagem de Deus, não se
podem queixar, pois a divindade só pode ver com bons olhos uma
solução que evita sofrimentos desnecessários.
Esta pragmática tão despachada é uma
divindade despótica, própria de uma era que não acredita em milagres
de bondade e solidariedade mas, sobretudo, por já ter o futuro todo
previsto e desenhado. Depois de ter transformado o ser humano numa
coisa, sem sentimentos, sem liberdade e sem interrogações, é fácil
determinar o que convém e não convém a essa estranha criatura.
2. Não nos devemos
admirar muito por ainda não termos encontrado boas saídas para os
enigmas da aventura humana. Os casos individuais, apesar da
medicina, não levam muito tempo a resolver. Para a humanidade
enquanto tal surgem repetidos anúncios do fim do mundo.
A mais antiga narrativa cristã acerca
deste tema vem na primeira carta aos Tessalonicenses. Com a vitória
de Cristo sobre a morte, o último inimigo a vencer, as primeiras
gerações cristãs encontraram a boa solução: juntarem-se a Cristo
Ressuscitado o mais depressa possível e entrar no Reino da Alegria.
S. Paulo até organizou o programa dessa viagem definitiva: “Se
cremos que Jesus morreu e ressuscitou assim também, os que morreram
em Jesus, Deus há-de levá-los em sua companhia. Por isso vos
declaramos, segundo a palavra do Senhor: que os vivos, os que ainda
estivermos lá para a Vinda do Senhor, não passaremos à frente dos
que morreram. Quando o Senhor, ao sinal dado, à voz do Arcanjo e ao
som da trombeta divina, descer do céu, então os mortos em Cristo
ressuscitarão primeiro; em seguida, nós os vivos que estivermos lá,
seremos arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com o
Senhor, nos ares. Assim, estaremos para sempre com o Senhor.
Consolai-vos, pois, uns aos outros, com estas palavras” (1Ts 4,
13-18).
Paulo, imprudente, esqueceu-se de
marcar a data do arrebatamento. Se o fim estivesse mesmo a chegar,
para quê trabalhar? Na segunda carta, Paulo está a colher os frutos
da sua sementeira, pois há muitos que levam a vida à toa, muito
atarefados a não fazer nada. Não dispõe de argumentos teológicos
para os mover. Torna-se, então, muito pragmático: quem não quer
trabalhar, que também não coma (2 Ts 3, 6-12).
3. Na celebração
deste Domingo, Jesus ressuscitado, antes de se despedir, deixa-nos
algumas recomendações: abandonar a inveterada vontade de poder e
mantermo-nos disponíveis para as aventuras do Espírito de Deus. Há
muito que fazer e não basta estar sempre a olhar para o céu (Lc 24,
46-53; Act 1, 6-11). A história da Igreja no mundo está aberta, é
nosso encargo. Não nos deixou um manual de instruções do tudo
previsto. Os que depois nos arranjaram, não satisfazem.
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