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1. Não forjei este título, algo
paradoxal, mas que exprime um fenómeno tristemente actual. Não
designa os cristãos não católicos. Os membros das Igrejas
protestantes, anglicanas e ortodoxas consideram-se e chamam-se
cristãos. Quando dizemos que não são católicos é para significar que
não estão em plena comunhão com o bispo de Roma, embora essas
Igrejas também se considerem católicas.
Que se entende aqui por católico não
cristão? Para o teólogo Martín G. Ballester, de quem recebi esta
designação, trata-se de alguém que se atribui o título de católico
de forma excludente. Considera-se a medida do verdadeiro católico e
só pode ser católico quem fôr como ele. Católico é o seu
pronto-a-vestir.
Segundo Ballester, esses católicos
costumam ser beligerantes. Reforçam a sua identidade na condenação
do outro, isto é, naquilo que os separa. Procuram inimigos seja onde
fôr, pois o que lhes dá vida é precisamente o inimigo. Além de
beligerantes são intransigentes, incapazes de reconhecer algo de bom
em quem não pensa como eles.
Este é o retrato do católico
fundamentalista, sectário, em contradição com a própria palavra
católico, que significa universal, resultado de uma ruptura com a
situação vivida na igreja dos começos, desde a crise helenista,
descrita pelos Actos dos Apóstolos, que levou à morte o diácono
Estevão (Act. 7-15). Foi neste contexto de universalização que, em
Antioquia, os discípulos receberam, pela primeira vez, o nome de
cristãos (Act. 11, 25-26).
2. Jesus era judeu e os seus discípulos
também. Teve alguns contactos, especialmente com estrangeiras, que o
encheram de espanto, mas não foi um homem viajado como, por exemplo,
S. Paulo. Abriu, no entanto, um caminho universalista no interior do
seu povo. Não via o mundo a partir dos detentores do poder
económico, político e religioso, mas a partir dos excluídos de todas
essas formas de poder.
É esta a razão da recusa em aceitar que
lhe chamassem Messias, Cristo. Só foi possível e necessário que os
primeiros escritos da igreja o designassem assim – Jesus Cristo –
porque a palavra, devido à prática histórica de Jesus de Nazaré,
tinha mudado radicalmente de sentido. Nesse comportamento, essa
designação deixou de pertencer ao vocabulário do poder e passou a
significar serviço, generosidade extrema, vida dada.
São cristãos os que não se servem da
Igreja para ter poder. É curioso notar que foram as mulheres, que
nada pediram a Jesus – e que, durante o seu processo de condenação,
nunca o abandonaram –, que ele encarregou de evangelizar os
discípulos, isto é, de o seguirem só pela mística do serviço.
3. Ao que parece, o Papa Francisco criou
mais um problema no Vaticano. Com a sua mania de ver o mundo a
partir dos pobres e excluídos – dizem que ainda não descobriu que,
na Igreja, as mulheres são as mais excluídas – ressuscitou a
Teologia da Libertação, com décadas de suspeitas e repetidas
censuras. Noticiários e comentários lamentam que ele não compreenda
que a hora é do triunfo do capitalismo. Ao receber Frei Gustavo
Gutiérrez, um dominicano peruano, considerado o pai da Teologia da
Libertação, estaria a ser vítima de um comportamento regressivo.
Julgava-se que esse método teológico estivesse para sempre enterrado
e, com mais algum tempo, poderia merecer, quando muito, uma nota de
roda pé nos tratados e manuais dos seminários e faculdades de
teologia.
O Arcebispo de Lima e Primado do Perú, o
Cardeal Juan Luis Cipriani, ao saber do encontro do Papa com Gustavo
Gutiérrez, manifestou, numa radiomensagem, a sua indignação. Tinha
exigido a este teólogo que rectificasse temas que continuam
pendentes. Pelos vistos, esse dominicano preferiu outras companhias,
o que é irritante.
O Arcebispo Gerhard Müller, Prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé – nomeado por Bento XVI – acaba de
fazer coincidir a publicação de uma obra, assinada por ele e por
Gutiérrez, com o encontro do Papa com este teólogo maldito que, em
declarações para o Vatican Insider, assinala que este Papa lhe faz
lembrar João XXIII. O “que lhe interessa é o Evangelho, não
exatamente uma teologia, no máximo uma teologia próxima da Teologia
da Libertação. Falar da importância do pobre, do compromisso, da
solidariedade com os pobres... isso é do Evangelho! E o Papa, no seu
modo de actuar, manifesta-se muito evangélico”.
O referido Cardeal de Lima, J. Luis
Cipriani, não aguenta o que aconteceu: “estou a ver que isto parece
uma nova primavera de Gustavo Gutiérrez”.
Não está só. Igor Alexandre explicita a
indignação de muitos: “uma múmia inca ressuscita artificialmente
para afugentar os vivos. Gustavo Gutiérrez malvado, emissário do
passado escabroso e marxistoide, regressa para se vingar dos que
permaneceram fiéis à doutrina. Será evolução? Nenhuma. É só uma
mudança de pele como os ofídios. Do grandote «tentón» Müller, um
luterano até à medula, nada há a estranhar. Onde se juntam os
abutres, aí esta o morto. (…) Avizinha-se um conluio de demónios
teólogos da libertação”.
Gustavo Gutiérrez não gosta que lhe
chamem o pai da Teologia da Libertação: “gostaria de ser conhecido
como um daqueles que contribuiu para a libertação da Teologia”. Ao
Papa Francisco ninguém vai exigir que se torne o teólogo que nunca
foi, mas é normal que contribua para que as práticas de Teologia
vivam em liberdade e paz na Igreja.
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