Dirão uns que
tem de ser mesmo assim, pois não há alternativa Para outros, é
urgente encontrar um caminho de boas medidas, de bom senso.
Temos a tendência a seguir o modelo do pêndulo. Se as coisas vão
mal numa determinada direcção, julga-se que se acerta mudando,
rapidamente, para a direcção oposta. É preferível encontrar o
caminho de equilíbrios, mesmo sabendo que são instáveis. Nesse
aspecto, o modelo do tear é o da sabedoria: ao ir de um lado ao
outro, vai-se fazendo tecido com tudo o que de aproveitável vem
do passado e com as novidades a introduzir. Isto vale o que
vale: são sugestões de uma metáfora.
Para quem não
tem de sofrer as consequências de certas medidas de carácter
social, bastam-lhe a exactidão dos números. Não há gente pelo
meio. Todos estão de acordo que a economia não é uma ciência
exacta, mas deve contar com todas as pessoas. Talvez seja bom
parafrasear uma sentença atribuída a Jesus Cristo: a economia é
para as pessoas e não as pessoas para a economia.
Já temos
muitos anos de UE e alguns de moeda única, o euro. Há muita
escrita e “coloquiada” sobre o que não foi tido em conta na
criação da UE e sobre as dificuldades de uma moeda única em
economias tão desniveladas. É importante que a discussão
continue, pois o que está a acontecer é estranho. São
pouquíssimas as pessoas que decidem, sem mandato expresso, o
destino de todos os europeus.
Dir-se-á, e
com razão, que isto é conversa caseira. Está tudo globalizado.
As consequências, sobretudo as más, são para todos, mas são
muito poucos os que decidem dos negócios económicos e
financeiros de um mundo que nos escapa. Sendo assim, precisamos
mudar de paradigma e, até de altar. Hoje, os cristãos celebram a
Epifania.
2.
A palavra
epifania – do grego epipháneia “aparição”- foi utilizada, desde
o século V, para designar a narrativa da adoração do Menino
Jesus pelos chamados Reis Magos. Não vou entrar na simbólica da
estrela que os guiou, nem dos presentes que ofereceram: ouro,
incenso e mirra. São um conto de literatura religiosa que já
inspirou todas as artes ao longo dos tempos, a literatura, a
escultura e a música. Tentar saber se estamos perante uma
narrativa histórica ou lendária, é um exercício inútil. Que
Jesus nasceu, já não há dúvidas. As narrativas e teologias do
Novo Testamento e dos Apócrifos procuram sugerir o mistério
desta criança que teve uma intervenção pública de poucos anos e
acabou crucificada. Para entender a sua vida adulta tiveram de
compor textos que mostrassem que esse desfecho não era um puro
acaso.
3.
A partir desses textos, Sophia de Mello Breyner Andresen,
escreveu uma teologia narrativa muito original. Os seus Contos
Exemplares são suficientemente conhecidos. Recomendo, para este
Domingo, o último: Os três reis do Oriente. É um longo
poema em prosa e um poema não suporta nem dá explicações.
Apresento apenas uma pequena passagem, só como convite a uma
nova leitura, perante a crise actual.
Um dos três
reis do Oriente, depois de ter observado tudo, decepcionado com
as consultas aos homens das ciências e da política, Baltazar
virou-se para a religião.
(…) Na manhã
seguinte, dirigiu-se ao templo de todos os deuses.
E leu estas
palavras gravadas na pedra do primeiro altar: «Eu sou o deus dos
poderosos e àqueles que me imploram concedo a força do domínio,
eles nunca serão vencidos e serão temidos como deuses.»
Seguiu o rei
para o segundo altar e leu: « Eu sou a deusa da terra fértil e
àqueles que me veneram concedo o vigor, a abundância e a
fecundidade e eles serão belos e felizes como deuses.»
Encaminhou-se
o rei para o terceiro altar e leu: « Eu sou o deus da sabedoria
e àqueles que me veneram concedo um espírito ágil e subtil, a
inteligência clara e a ciência dos números. Eles dominarão os
ofícios e as artes, eles se orgulharão como deuses das obras que
criaram.»
E tendo
passado pelos três altares, Baltazar interrogou os sacerdotes: -
Dizei-me onde está o altar do deus que proteja os humilhados e
os oprimidos, para que eu o implore e adore.
Ao cabo de um
longo silêncio, os sacerdotes responderam: - Desse deus nada
sabemos.
Naquela noite,
o rei Baltazar, depois de a Lua ter desaparecido atrás das
montanhas, subiu ao cimo dos seus terraços e disse: - Senhor, eu
vi. Vi a carne do sofrimento, o rosto da humilhação, o olhar da
paciência. E como pode aquele que viu estas coisas não te ver? E
como poderei suportar o que vi se não te vir?
A estrela
ergueu-se muito devagar sobre o Céu, a Oriente. O seu movimento
era quase imperceptível. Parecia estar muito perto da terra.
Deslizava em silêncio, sem que nem uma folha se agitasse. Vinha
desde sempre (…).
Parece-me vã a
discussão sobre o aumento ou o decréscimo da religião, de que
tanto se fala. Talvez seja preferível perguntar: que olhos me dá
a fé para ver o mundo dos humilhados e dos oprimidos e que olhos
me dá esse mundo para descobrir a autenticidade da fé?