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A "morte de Deus", proclamada por Nietzsche, tem
muitos adeptos na modernidade que a vivem hoje de forma silenciosa.
No entanto, a encarnação de Deus em Jesus de Nazaré oferece a base
de uma proposição religiosa em consonância com a idade antropológica
da modernidade.
Não vale a pena bradar contra a modernidade, a secularização, a
laicidade e a perda de um ambiente cultural de constante referência
a Deus, no qual, alguns até diziam, por humor ou distracção, sou
ateu graças a Deus.
Não se pode pedir aos indiferentes, aos agnósticos, aos ateus, aos
membros de outras religiões que façam o trabalho de evangelização da
sociedade que compete aos cristãos e aos seus líderes.
Quando, hoje, se observa uma grande baixa na prática religiosa, seja
ao nível da prática dominical, do número de baptizados e de
casamentos, é fundamental ter em conta a situação social e cultural
da Europa e do país.
2. Mgr. P. d'Ornellas fez, em Setembro, uma conferência aos novos
bispos sobre a paróquia, a falta de padres e a participação dos
leigos na vida e na missão da Igreja (NRT 134, 2012, 21-37). É muito
abundante em citações do Vaticano II, dos dois últimos Papas e do
Direito Canónico.
Diz que não é muito aconselhável mandar vir padres de dioceses ou de
comunidades estrangeiras, para suprir os recursos nacionais. É, no
entanto, possível e desejável reunir paróquias e propor, aos
párocos, a vida em comunidade. Não surgem, porém, pistas para
alterar a situação de penúria ao nível dos ministérios ordenados.
Pede-se humildade para aceitar a situação presente, mas não é
questionado o estatuto do padre e nem sequer é abordada a questão de
se poder ordenar mulheres católicas. A ideologia de administração
política de fazer "mais e melhor com menos", parece o último achado
para as aflições diocesanas e paroquiais. Esta atitude parece querer
tornar-se o último grito da pastoral. No entanto, as medidas de
racionalidade administrativa não podem ser transpostas para a vida
da Igreja, pois a metáfora "do pastor e das ovelhas" exige uma
proximidade e uma relação de mútuo conhecimento, que é diferente de
uma administração técnica.
Alfredo Teixeira, do Instituto Universitário de Ciências Religiosas,
do Centro de Estudo de Religiões e Culturas (UCP), na sequência de
outras investigações, publicou um estudo, na revista Theologica, 2ª
série, 46,2 (2011); 249-271, sobre Identidades descompactadas:
práticas e sociedades crentes no campo católico, que deve merecer
uma grande atenção e debate que não cabe neste espaço.
Debruça-se, com muito rigor, sobre as actuais modalidades de prática
religiosa que devem interrogar todos aqueles que têm
responsabilidades pastorais. Refere uma entrevista a um pároco de
Lisboa, num estilo muito oral, que pode servir para observar uma
primeira descolagem do modelo tradicional: "os cristãos vão ao lugar
onde se sentem bem dentro do universo da cidade. A cidade tem, por
hipótese, um milhão de habitantes; há, suponhamos, trinta paróquias,
na paróquia x está o Padre tal, naquela está o grupo tal que canta
desta maneira, e as pessoas sentem-se envolvidas pelas
características daquela celebração, ou daquelas iniciativas sociais,
e depois as pessoas ligam-se às comunidades. A Comunidade não é,
propriamente, apenas territorial, mas uma paróquia pessoal. Porquê?
O que marca o ritmo daquela paróquia é o Padre que está à frente.
Portanto, os fiéis que vão ali identificam-se com o ideal que o
Padre oferece. Não vêm cumprir preceitos, vêm viver Comunidade. Se
viessem cumprir preceitos, tanto dá que fosse o Padre x ou o Padre
y, que fosse gago, surdo ou mudo. Mas se é uma paróquia pessoal, é
fundamental a relação entre os fregueses e o pastor".
3. A sensibilidade religiosa actual já não se contenta com escolhas
entre a paróquia do padre x e a do padre y. A socióloga francesa
Danièle Hervieu-Léger, tendo em conta as transformações que na
Europa e na América do Norte têm afectado os regimes de
identificação religiosa, propôs a figura do "peregrino" como
ideal-tipo da religiosidade móvel por oposição à figura da
religiosidade estável no praticante-observante da "civilização
paroquial".
Desprendida a religiosidade da objectividade social de uma religião
herdada, os indivíduos procuram, com frequência, ideais espirituais
que respondam às suas necessidades.
Na era do individualismo religioso e no quadro dos estilos de vida
urbanos, que configurações podem revestir as práticas religiosas dos
católicos que não perderam a nostalgia de uma comunidade, mas que se
sentem em diáspora eclesial?
O trabalho de Alfredo Teixeira pode ajudar a encaminhar a
interrogação. |