Bento Domingues - Triplo II: O blog do TriploV - Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências
 
 
 

1. Os que leem os textos do Novo Testamento, ainda que seja só os fragmentos distribuídos pelas celebrações dominicais, ganham em ir descobrindo os seus géneros literários. Os Actos dos Apóstolos são um livro de aventuras atribuídas ao Sopro imprevisível de um Deus à solta e que não aceita ser presa de povos eleitos. Deus dá para todos e tudo o que há no mundo também é para todos.

BENTO DOMINGUES, op

Este mundo dará para todos?

Bento Domingues . Frade da Ordem dos Dominicanos, teólogo, professor, escritor

 
 

No Deuteronómio (15), além da ordem do perdão das dívidas de sete em sete anos, estava escrito: não deve haver pobres entre vós. Essa ordem divina não foi muito respeitada. S. Lucas, para mostrar que Jesus era a realização da promessa, criou uma nova realidade social exemplar: não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das vendas que depunham aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um conforme a sua necessidade (Act 4, 34-35). Nota-se uma pequena lacuna na informação: não é indicado o método de produção para o futuro.

 Este descuido saiu caro a S. Paulo, reflectido na Epistola aos Tessalonicenses (4-5), o primeiro escrito cristão. Supunha ele que o fim do mundo estava para breve, embora sem dia marcado. Paulo chegou a tentar estabelecer a ordem pela qual todos seriam arrebatados numa nuvem para o encontro definitivo com o Senhor. Depois, pelos resultados, deu-se conta, que não era uma crença sensata: ouvimos dizer que alguns de entre vós, levam a vida à toa, muito atarefados em nada fazer. Propõe uma saída muito prática: quem não quer trabalhar, não coma (2 Tes 3).

No Domingo passado, nos Actos dos Apóstolos (4,1-2), Pedro, interrogado pelo Sinédrio - que não suportava a ressurreição da nova esperança messiânica - produz uma réplica desassombrada, mas que hoje parece pouco adequada ao diálogo inter-religioso: é em nome de Jesus Cristo, o Nazareno que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença. Jesus é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que veio a tornar-se pedra angular. E em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos.

As outras religiões não terão nada a oferecer à salvação do mundo? Não será este exclusivismo que falsifica a própria experiência do diálogo inter-religioso? Para E. Schillebeecks, “podemos e devemos dizer que há mais verdade (religiosa) em todas as religiões juntas do que numa só e isto é válido, também, para o cristianismo”.

2. Jesus Cristo não tinha nada de xenófobo. Surpreendemo-lo espantado com a bondade, a fé e a confiança que encontrou nas pessoas de outros povos e culturas. Para Ele, os outros nunca estavam a mais e a sua alegria era suscitar o que havia de melhor em cada um. Não andava à procura de prestígio através dos milagres e até se irritava quando o procuravam pelos prodígios que lhe atribuíam. Não veio substituir a medicina, os hospitais, a indústria da agricultura ou da pesca. Não criou creches nem jardins de infância. Não registou a fórmula para reproduzir os milagres que lhe são atribuídos. Aliás, não deixou nenhuma invenção, seja em que domínio fôr, nem sequer uma nova religião organizada. Visivelmente, não tinha perfil de candidato a qualquer Óscar. Era e quis ficar como uma vida que se dá em troca de nada. Ele era a vida às avessas. Uma pessoa que não quer prestígio, não quer ser adorada, não quer ser única, não quer ninguém de joelhos diante dela, que até acaba excluída pelos grandes do seu mundo e a rezar por aqueles que lhe dão a morte, é o pressentimento do puro mistério.

Jesus é a salvação da nossa maltratada condição, a gratuidade pura do amor, o rosto humano de um Deus diferente.

3. Hoje, quem saberá que rumo dar a um dos maiores acontecimentos do século XX, isto é, à União Europeia e ao Euro? Com o tempo, foi-se descobrindo que não foram, apenas, propósitos generosos que motivaram as instituições europeias. Talvez não seja exagero supor que os mais pequenos pensavam que iriam lucrar, sempre, por estar junto dos mais ricos e os mais poderosos julgavam que os encargos com as economias mais débeis seriam, no futuro, grandes negócios. Foi o casamento de duas ilusões.

É preciso dizer que, no princípio, não era assim. Para as figuras fundadoras, o desígnio era passar de uma Europa de guerras e conflitos a um futuro de paz e cooperação. O desenvolvimento desse projecto eclipsou-se.

Sem uma viragem cultural, ética e espiritual, não há salvação política que seja benéfica para todos. Se os cristãos desejarem, neste momento, mostrar que a Europa e o mundo dão para todos, não basta o desenvolvimento da ciência, da técnica, das artes e da interrogação filosófica. Por um instante, pensem em Jesus Cristo: que adianta ganhar o mundo inteiro se perdermos o sentido da vida?

 
 

Público, 6 de maio de 2012

 

   
   
 

http://www.we-are-church.org/pt/

   
   
   
Bibliografia Científica - Botânica - Cibercultura/Ciberarte - Colóquios - Espírito - Ficção - Gnose - Herpetologia - História - Instituto S.Tomás De Aquino (ISTA)
Letras - Links - Naturalismo - Naturarte - Normas - Ornitologia - Poesia - Surrealismo - Teatro - Venda das Raparigas - Viagens-Lugares - Zoo_Ilógico

 

 

 

 

Magno Urbano - iPhone/iPad Applications