|
No Deuteronómio (15),
além da ordem do perdão das dívidas de sete em sete anos, estava
escrito: não deve haver pobres entre vós. Essa ordem divina
não foi muito respeitada. S. Lucas, para mostrar que Jesus
era a realização da promessa, criou uma nova realidade social
exemplar: não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos
os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das
vendas que depunham aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a
cada um conforme a sua necessidade (Act 4, 34-35). Nota-se uma
pequena lacuna na informação: não é indicado o método de produção
para o futuro.
Este descuido saiu
caro a S. Paulo, reflectido na Epistola aos Tessalonicenses (4-5), o
primeiro escrito cristão. Supunha ele que o fim do mundo estava para
breve, embora sem dia marcado. Paulo chegou a tentar estabelecer a
ordem pela qual todos seriam arrebatados numa nuvem para o
encontro definitivo com o Senhor. Depois, pelos resultados, deu-se
conta, que não era uma crença sensata: ouvimos dizer que alguns
de entre vós, levam a vida à toa, muito atarefados em nada fazer.
Propõe uma saída muito prática: quem não quer trabalhar, não coma
(2 Tes 3).
No Domingo passado,
nos Actos dos Apóstolos (4,1-2), Pedro, interrogado pelo Sinédrio -
que não suportava a ressurreição da nova esperança messiânica -
produz uma réplica desassombrada, mas que hoje parece pouco adequada
ao diálogo inter-religioso: é em nome de Jesus Cristo, o Nazareno
que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que
este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença. Jesus
é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que veio a
tornar-se pedra angular. E em nenhum outro há salvação, pois não
existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual
possamos ser salvos.
As outras religiões
não terão nada a oferecer à salvação do mundo? Não será este
exclusivismo que falsifica a própria experiência do diálogo
inter-religioso? Para E. Schillebeecks, “podemos e devemos dizer que
há mais verdade (religiosa) em todas as religiões juntas do que numa
só e isto é válido, também, para o cristianismo”.
2.
Jesus Cristo não tinha nada de xenófobo. Surpreendemo-lo espantado
com a bondade, a fé e a confiança que encontrou nas pessoas de
outros povos e culturas. Para Ele, os outros nunca estavam a mais e
a sua alegria era suscitar o que havia de melhor em cada um. Não
andava à procura de prestígio através dos milagres e até se irritava
quando o procuravam pelos prodígios que lhe atribuíam. Não veio
substituir a medicina, os hospitais, a indústria da agricultura ou
da pesca. Não criou creches nem jardins de infância. Não registou a
fórmula para reproduzir os milagres que lhe são atribuídos. Aliás,
não deixou nenhuma invenção, seja em que domínio fôr, nem sequer uma
nova religião organizada. Visivelmente, não tinha perfil de
candidato a qualquer Óscar. Era e quis ficar como uma vida que se dá
em troca de nada. Ele era a vida às avessas. Uma pessoa que não quer
prestígio, não quer ser adorada, não quer ser única, não quer
ninguém de joelhos diante dela, que até acaba excluída pelos grandes
do seu mundo e a rezar por aqueles que lhe dão a morte, é o
pressentimento do puro mistério.
Jesus é a salvação da
nossa maltratada condição, a gratuidade pura do amor, o rosto humano
de um Deus diferente.
3.
Hoje, quem saberá que
rumo dar a um dos maiores acontecimentos do século XX, isto é, à
União Europeia e ao Euro? Com o tempo, foi-se descobrindo que não
foram, apenas, propósitos generosos que motivaram as instituições
europeias. Talvez não seja exagero supor que os mais pequenos
pensavam que iriam lucrar, sempre, por estar junto dos mais ricos e
os mais poderosos julgavam que os encargos com as economias mais
débeis seriam, no futuro, grandes negócios. Foi o casamento de duas
ilusões.
É preciso dizer que,
no princípio, não era assim. Para as figuras fundadoras, o desígnio
era passar de uma Europa de guerras e conflitos a um futuro de paz e
cooperação. O desenvolvimento desse projecto eclipsou-se.
Sem uma viragem
cultural, ética e espiritual, não há salvação política que seja
benéfica para todos. Se os cristãos desejarem, neste momento,
mostrar que a Europa e o mundo dão para todos, não basta o
desenvolvimento da ciência, da técnica, das artes e da interrogação
filosófica. Por um instante, pensem em Jesus Cristo: que adianta
ganhar o mundo inteiro se perdermos o sentido da vida?
|