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1.
Claro que contam. A sua presença qualificada, em muitos sectores da
sociedade portuguesa, é cada vez mais afirmativa e insubstituível.
Alguns homens chegam a temer um “desequilíbrio” que possa afectar
privilégios ancestrais.
Esse destaque feminino, ao mostrar uma realidade irrecusável,
sublinha o contraste com um passado humilhante, não muito longínquo.
As contínuas notícias de violência doméstica que, por vezes, vai até
ao homicídio conjugal, arrefece as visões mais eufóricas. Se a
violência doméstica designava, sobretudo, os maus tratos dados às
mulheres e crianças, estende-se, cada vez mais, aos idosos, mulheres
e homens. Sem adequadas pensões de reforma, ficam sem meios para
garantir a defesa da sua dignidade. A predominância actual da
cultura utilitarista não pode entender o que exige e implica a
dignidade humana dos idosos.
As Igrejas cristãs foram confrontadas, desde o começo, com o estado
de negação das mulheres na cultura judaica, gravado para sempre na
expressão: “sem contar mulheres e crianças” (Mt 14, 21; 15, 38 e
//).
Era, de facto, o retrato da realidade em que Jesus nasceu, foi
educado, mas que recusou. As mulheres, afastadas da vida
pública, confinadas ao lar, preparando-se para o matrimónio,
estavam destinadas a sacrificar-se pela família até ao fim dos seus
dias, sob o olhar atento do pai e do marido. Sem estudos, sem
papel na religião, sem posses, não tinham qualquer capacidade de
decisão autónoma.
Nesta situação, estava certíssima uma oração masculina, cínica e
diária: “Bendito sejas, Senhor, por não me teres feito mulher”.
(Tos. Ber. VII, 18)
2.
Dizem os especialistas, que a ruptura activa de Jesus com essa
situação representa um dos traços essenciais da originalidade da sua
intervenção histórica. Afrontou tudo o que, no plano social e
religioso, marginalizava as mulheres. Segundo as narrativas da
paixão e ressurreição, Jesus encontrou nelas quem melhor entendeu a
sua mensagem e o seu caminho. Garantiram futuro ao movimento
cristão, quando tudo parecia morto.
Artur Cunha de Oliveira publicou uma obra notável sobre Jesus de
Nazaré e as Mulheres, a propósito de Maria Madalena (Instituto
Açoriano de Cultura, 2011). É uma obra de referência para a teologia
feminista e pode ser de muito proveito para os anti-feministas. O
autor é um sacerdote católico, dispensado do ministério e casado,
licenciado em Teologia Dogmática e em Ciências Bíblicas, tendo sido
professor no Seminário Episcopal de Angra, Cónego da Sé e assistente
diocesano de vários movimentos, organismos e associações de
apostolado.
Em 2011 nasceu a Associação Portuguesa de Teólogas Feministas.
Criada por Teresa Toldy, Fernanda Henriques, Maria Carlos Ramos e
Maria Julieta Mendes Dias, com os seguintes objectivos: contribuir
para o aprofundamento da investigação teológica feminista; criar
condições para a troca de experiências de investigação entre
investigadores feministas de Teologia a nível nacional e
internacional; relançar, em Portugal, o debate sobre as Mulheres,
numa perspectiva ecuménica.
Esta Associação vem preencher, entre nós, uma lacuna no campo da
teologia, inscrevendo-se num movimento sem fronteiras. A publicação
das comunicações do I Colóquio Internacional de Teologia
Feminista será apresentada no próximo Colóquio, marcado para o
próximo mês de Novembro.
3.
A reflexão teológica na Igreja não tem sentido desligada da
experiência concreta das comunidades cristãs. É, por natureza,
contextual. A descoberta dos direitos e do seu papel na sociedade
obrigaram as mulheres cristãs a fazer uma verificação: a nossa
situação é esquizofrénica. Por um lado, participamos na emancipação
das mulheres na sociedade e por outro, é-nos dito que na Igreja não
pode ser assim, tem de ser diferente, pois ela não existe para
reproduzir a sociedade, mas para a evangelizar na fidelidade a Jesus
Cristo. Manifesta-se, precisamente aqui, um dos aspectos do debate.
Na constituição hierárquica da Igreja, não há lugar para as
mulheres. Não têm acesso aos ministérios ordenados, pois decretaram
que o sacramento da Ordem não é para elas.
Se os ministérios ordenados são para servir, perguntam-se: que
haverá em nós, por sermos mulheres, que nos impede de ser chamadas a
servir as comunidades cristãs? Surge-nos a dúvida: se fossem
verdadeiramente um serviço, seríamos as primeiras a ser chamadas.
Como se trata de poder, fica privilégio de homens.
Note-se que nem todas pretendem ser chamadas a preencher a lacuna da
falta de vocações masculinas. Mas não escondem o que as comunidades
católicas teriam a ganhar com as virtualidades da diferença feminina
nos ministérios ordenados. O que não suportam, enquanto cristãs, é
que as mulheres não contem na orientação da vida das comunidades
cristãs e sejam reduzidas ao estado pré-cristão em que Jesus as
encontrou.
A Igreja nunca poderá aceitar a vontade do Simão Pedro do evangelho
apócrifo segundo Tomé: “ Maria deve ir embora, pois as mulheres não
são dignas da vida”. A resposta do Jesus desse evangelho é dos
diabos: “Vede, vou atraí-la para que se torne macho a fim de que ela
também se torne um espírito vivente que se assemelha a vós, machos.”
in Público, 30 de setembro de 2012
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