Segundo o relatório, coordenado por Alfredo Teixeira (CERC), em 12
anos, houve um decréscimo da população que se declara católica e um
incremento da percentagem das outras posições de pertença religiosa,
com particular destaque para o universo protestante (incluindo os
evangélicos). Aumentou, também, o número de pessoas sem religião.
Dado que a sociologia, em Portugal, se desenvolveu a partir da
Igreja, é normal que também seja aplicada a estudar as manifestações
das religiões, a começar pelas do catolicismo. É de elementar
justiça destacar a abrangência e a qualidade do Inquérito, que não
podem ser avaliadas só pelos números referidos. Seria, aliás,
interessante fazer um balanço sobre a forma como os meios de
comunicação resumiram, apresentaram, comentaram esse vasto Inquérito
e como está a ser recebido na sociedade, não apenas pelos
comentadores habituais. Interessa, ainda, com maior razão, examinar
o que dele se diz nos meios de comunicação Igreja, desde a
Renascença aos boletins paroquiais, com os questionamentos que tem
provocado.
As reacções da hierarquia, ou de alguns dos seus membros, são
facilmente veiculadas pelos grandes meios de comunicação, pertençam
ou não à Igreja. Mais difícil é ouvir as vozes católicas da base.
Yves Congar gostava de lembrar que a Igreja é um “NÓS”. Quando se
ouve dizer que nós somos igreja, não se repete, em primeiro lugar, o
nome de um importante movimento internacional. Tenta-se exprimir a
comunhão de todos os cristãos que se assumem como tais. O
Movimento Nós Somos Igreja existe, apenas, para que não se
percam as múltiplas manifestações e inquietações da realidade
eclesial, que não podem ser reduzidas à visão e à voz da hierarquia.
A este respeito, Santo Agostinho cunhou um luminoso aforismo
eclesiológico: “para vós sou Bispo, convosco sou cristão”. Ser bispo
é um encargo, um serviço; ser cristão é a progressiva transformação
da vida pela acção da graça celebrada no Baptismo. Não deixar que
mulheres, e homens casados, possam ser chamados a receber o
sacramento da ordem e exercer os ministérios ordenados de bispos e
presbíteros é, segundo muitos cristãos, dificultar a criação de
novas comunidades e impedir que possam ser alimentadas na
Eucaristia. Esta é considerada, oficialmente, o centro e cume de
toda a arquitectura sacramental do catolicismo e
indispensável na transfiguração da vida.
2.
Um inquérito de sociologia não se destina a dizer se é bom ter ou
não ter religião, nem apresentar qualquer classificação valorativa
das diferentes religiões ou denominações cristãs. É normal que cada
cidadão, segundo a sua condição de incréu ou religioso desta ou
daquela religião, se alegre ou entristeça com a grandeza ou
oscilação dos números. Se encararmos as pessoas com olhos
clubísticos, moralistas ou partidários, tendemos a classificá-las e
a julgá-las segundo a proximidade ou afastamento do grupo a que
pertencemos. É normal. Mas se não formos intolerantes e tivermos a
liberdade religiosa como um valor fundamental, não ofenderemos
ninguém com as nossas preferências nem com o testemunho público das
nossas convicções mais profundas. Os cristãos não podem esquecer as
atitudes atribuídas a Jesus na relação com os diferentes grupos do
seu povo e com pessoas de outros povos e culturas.
Correndo o risco de anacronismo, talvez não seja inconveniente
perguntar: segundo a distribuição feita no Inquérito, em que
categoria poderíamos colocar Jesus Cristo?
Ao longo dos tempos, não tem sido fácil a classificação religiosa do
Nazareno. Jesus, a Marginal Jew (Jesus, um Judeu Marginal),
de John P. Meier - uma das obras mais conceituadas e recentes -, até
no título confessa a sua dificuldade em O identificar com qualquer
grupo do seu tempo. Uma das constantes tarefas atribuídas a Jesus
foi a de desautorizar a qualificação das pessoas a partir das
arrumações convencionais da sociedade em que viveu. Daí um célebre
título, dos anos 60 do século passado, “Jesus em más companhias”,
que corresponde, com muita exactidão, ao seu comportamento expresso
na pergunta dos adversários: “Porque come Ele com os publicanos e
pecadores?” (Mc. 2, 13-17).
3.
Este Inquérito sociológico não pode ser ignorado quando, também em
Portugal, se fala de programas de Nova Evangelização. É fundamental
para que os programadores não se enganem de país. A 50 anos de
distância, é incontornável a pergunta: o que foi feito, o que foi
esquecido, o que falta fazer para realizar as esperanças do Vaticano
II? Mas, sobretudo, que os programadores olhem para o país que já
não é, sob nenhum ponto de vista, o dos anos 60.
É de esperar que este cuidadoso Inquérito não tenha o destino do
esquecimento, como aconteceu a muitas das orientações do Concílio
Vaticano II. |