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1.
Frédéric Lenoir, um conhecido sociólogo da religião, com vários
títulos publicados, é director da revista Le Monde des Réligions.
No editorial do número de Setembro-Outubro 2012 confessa que, há 30
anos, quando começou os seus estudos de Sociologia e História das
Religiões, a “secularização”- a progressiva autonomia da razão, da
natureza e da liberdade - era o grande tema. A maioria dos
especialistas do fenómeno religioso pensava que nas sociedades
europeias, marcadas pela ciência, pelo materialismo e
individualismo, a religião acabaria por se esvair. Ao julgar que o
modelo europeu se difundiria pelo resto do mundo - globalização dos
valores e dos modos de vida ocidentais - a religião estava
condenada. Era só uma questão de tempo.
Revelou-se uma precipitada ilusão. Desde há uma dúzia de anos, o
modelo e a análise inverteram-se. O tema, agora, é a
“des-secularização”, imposto sobretudo pelo surto de movimentos
religiosos de várias tendências, alguns marcadamente identitários e
conservadores. Peter Berger, o grande sociólogo americano das
religiões, constata que “o mundo continua tão furiosamente religioso
como antes”. A Europa, que figurava como excepção, já não está imune
a esta nova vaga. Se, por outro lado, o ateísmo surge como uma
crença, a retórica virulenta dos novos ateístas militantes (como
Dawkins, Dennet, Harris, Hitchens e outros) tende a reproduzir a do
fundamentalismo religioso.
2.
Perante este novo clima, F. Lenoir pergunta: qual será o cenário do
futuro? Este tipo de perguntas tende a esquecer o que há de
indizível e impensável no nosso tempo. Mas tendo em conta as
tendências actuais, alguns peritos desenham, na citada revista, um
panorama verosímil das religiões no horizonte do mundo de 2050.
O cristianismo acentuará a sua vantagem sobre as outras religiões,
graças não só à demografia dos países do Sul, mas também ao forte
impulso dos movimentos evangélicos e pentecostais nos cinco
continentes. O islão continuará a progredir pela sua demografia, mas
esta abrandará, nomeadamente na Europa e na Ásia, o que, a prazo,
limitará o desenvolvimento da religião muçulmana, pois suscita muito
menos conversões do que o cristianismo. O hinduísmo e o budismo
continuarão mais ou menos estáveis, ainda que os valores e certas
práticas deste último (como a meditação) continuem a difundir-se,
cada vez mais, no Ocidente e na América Latina. À semelhança de
outras religiões muito minoritárias, ligadas à transmissão pelo
sangue, o judaísmo continuará estável ou declinará, segundo os
diferentes cenários demográficos e o número de casamentos mistos.
Para além destas grandes tendências, as religiões continuarão a
transformar-se e a serem marcadas, de formas diferentes, pelos
efeitos da modernidade, do individualismo, da globalização e pela
incerteza inscrita na parte de loucura dos modelos económicos e
sociais do nosso mundo. O recurso às imediatas experiências e
emoções gratificantes, pessoais e de grupo, de carácter sincrético e
ao gosto de cada um, tenta esconder o medo perante a precaridade de
tudo. Os próprios movimentos integristas ou fundamentalistas são o
produto de indivíduos ou de grupos que se julgam chamados a
reinventar uma “pura religião das origens”, como garantia de
segurança.
Enquanto houver pessoas em busca de sentido, não faltará quem
procure caminhos e referências no vasto património religioso da
humanidade. Não será para continuar uma tradição imutável dentro de
um dispositivo institucional normativo e intocável. O futuro das
religiões depende do modo como vão reinterpretando e recompondo, em
novos contextos, a herança do passado. O bom caminho é o do
comportamento ecuménico e inter-religioso. Sem ele não haverá paz
entre as religiões e sem o seu contributo activo, não haverá paz
entre as nações (Hans Küng). É triste que a regra de ouro,
não faças ao outro o que não queres que te façam a ti, não seja
aplicada ao relacionamento entre as diferentes religiões. Negam o
que elas próprias criaram.
3.
Compete à religião ser um despertador para a Realidade mais profunda
e duradoira, libertando o desejo daquilo em que gastamos as nossas
energias acossadas pela publicidade dos impérios da finança e dos
seus campos de concentração. A religião que, neste tempo, fechar os
olhos, os ouvidos e a boca diante da negação do futuro a gerações
inteiras, só merece ser esquecida.
Pertence à sabedoria descobrir o que há de eterno no efémero. É
próprio da idolatria absolutizar e eternizar obras das nossas mãos.
Em nome do combate ao “império do relativismo” e da salvaguarda da
integridade das verdades fé, resvala-se para o absolutismo de
fórmulas e regulamentos que não servem nem a esperança nem o amor. A
verdade é fruto de uma busca humilde e do acolhimento da divina
graça.
Para os católicos do pós-Vaticano II, isto devia ser óbvio. Sem esse
Concílio, no qual a liberdade religiosa se tornou um imperativo da
nossa fé, talvez ainda hoje estivéssemos a fazer as tristes figuras
dos fundamentalistas islâmicos, que se tornam blasfemos ao apelar à
violência contra os humoristas.
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