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Menos sei eu, mas não estou obrigado a calar-me quando o país está a
ser todo queimado e os sacrifícios dos bombeiros só conseguem que
ainda fique alguma coisa para arder no ano seguinte! É estranho que
este crime, esta destruição de recursos essenciais para o presente e
para o futuro, não signifique nada, absolutamente nada, no debate
político actual. Nenhum compromisso com a troika nos pode
obrigar a entregar o país ao abandono e às chamas. Pode-se dizer
que, se tenho obrigação de saber alguma de missas e religiões, estou
dispensado de tocar num assunto que exige formação específica e
informações rigorosas, analisadas num quadro pluridisciplinar. É
verdade que não sou engenheiro florestal nem teórico do
desenvolvimento sustentável.
Acontece, porém, que é a participação na Eucaristia que obriga os
católicos a não passar ao lado das questões ecológicas e sociais. É
o próprio Ofertório da missa que implica o casamento do Céu e da
Terra: “bendito sejais Senhor, Deus do Universo, pelo pão e pelo
vinho que recebemos da vossa bondade, frutos da terra e do trabalho
humano que hoje Vos apresentamos e que para nós se vão tornar pão da
vida e vinho da salvação”.
Se trairmos esta aliança do divino e do humano na relação com a
natureza, comemos e bebemos a nossa condenação na Eucaristia. É nela
e por ela que dizemos o sentido do cosmos, da história humana e da
vida espiritual de cada participante. Sem integrar a promoção do bem
comum das comunidades locais e o cuidado pelo presente e futuro da
terra, casa de todos, a missa renega o Cristo cósmico.
O cristão não pode aceitar que, em nome de modelos económicos
discutíveis, se apresentem crimes contra a humanidade e seu habitat,
como o preço inevitável a pagar por um “progresso” mal concebido.
2.
Segundo o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, a
área ardida, 73.055 hectares, aumentou 81% face a 2011 (Cf. DN 12 de
Setembro). Estas, por desgraça, não foram as últimas contas da
temporada.
Os incêndios não se desenvolvem na clandestinidade. As televisões
têm nos fogos uma fonte de imagens, de beleza e de horror, cuja
transmissão não tem só efeitos positivos. Se as vítimas humanas e as
habitações causam arrepios, não se pode esquecer que um país é uma
herança, um presente e um legado devido às gerações futuras. Um
incêndio agride o país na sua totalidade. As florestas, a
biodiversidade, o meio ambiente são um bem comum. Leonardo Boff
tinha escrito, em 2001, uma obra que teve muitas edições, chamada
“Saber Cuidar”. Este ano, surgiu com outra, “O Cuidado Necessário”.
Cuidado a ter na vida, na saúde, na educação, na ecologia, na ética
e na espiritualidade. É fácil encontrar na Internet a reflexão e as
propostas deste teólogo e filósofo ecologista.
Durante um certo tempo, os incêndios eram atribuídos à ganância dos
madeireiros e a certos projectos industriais de matas de crescimento
rápido; falou-se, também, dos interesses colossais ligados às
empresas dos meios de ataque aos fogos; sublinhou-se, por fim, a
incúria dos proprietários dos terrenos com a sua limpeza; todos os
anos é sussurrada a convicção de criminosos de fogo posto.
Conhece-se a sorte dos ladrões de tabletes nos supermercados, mas
sobre os incendiários, reina o silêncio. Resultado: grandes faixas
do país tornaram-se um deserto humano. A emigração para o
estrangeiro e para o litoral, devido ao abandono e à pobreza de uma
agricultura de má subsistência, tornaram o interior desinteressante,
salvo para algum turismo rural e para quem tem dinheiro para o
sustentar.
3.
A Igreja Católica, apesar do envelhecimento do clero e da
persistente crise do modelo para os ministérios ordenados, mantem
uma presença institucional efectiva em todo o território. Até à
década de 70 do século passado, a reprodução do catolicismo, no
âmbito rural, fazia-se automaticamente, embora de forma diferenciada
de norte a sul do país. Já não é assim. Quando se fala de Nova
Evangelização, toca-se numa urgência. Mas quem sabe o que isso possa
significar e como a fazer?
Quanto ao espaço rural, o interior do país, o clero não precisa de
se preocupar muito com o cabeção eclesiástico, mas nada o pode
dispensar de uma intensa preparação para a prática efectiva da
inculturação litúrgica e teológica. Ao falar de inculturação, não me
estou só a referir àquilo que já corre em todos os manuais de
Pastoral. Aponto para uma reelaboração situada nas comunidades
locais e nas suas possibilidades, presentes e futuras. Ao se
responsabilizarem pelo cuidado com o meio ambiente, estão a
responsabilizar os políticos locais e nacionais. Não se pode
continuar apenas a apagar fogos. Quem estará a impedir uma política
de prevenção e de reorganização do território e das suas florestas?
Há quem diga que a atracção pelo lucro rápido – eucaliptos e família
–, esgota a terra fértil e promove o pasto de novos incêndios.
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