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1. Este título é excessivamente pretensioso para um assunto
tão vasto num espaço tão reduzido. Foi-me sugerido por uns
amigos sobre um texto magnífico do blogue do padre António
Teixeira, que transpõe o nome do debate, ”Estado da Nação”,
para outro cenário e outro objectivo: “Por que razão não
poderia a Igreja ter oportunidade de se congregar em torno
do Pastor Diocesano, à volta de cada Pároco, para a partilha
de ideias, de sonhos, preocupações, desafios, a ponto de
todos e cada um dos cristãos se saberem e sentirem
responsáveis e cúmplices, protagonistas e conscientes da
missão comum de edificar a Igreja e construir o Reino de
Deus - afinal a tarefa que o Mestre confiou aos Seus
discípulos de todos os tempos (…). Nada teria a perder – bem
pelo contrário - se usufruísse de tempos e espaços de maior
diálogo, de alargada troca de experiências, dificuldades,
êxitos e projectos. Para isso, importa distinguir
categoricamente realidade da “unidade”, daquela outra,
sempre pejorativa, de “conformismo”.
Tanto no plano político como no religioso, é difícil a
analise do presente fugidio, sem cair no estilo de
jornalista ou de oráculo. Por outro lado, gastar o tempo
todo a fazer autópsias do passado e a prometer ressurreições
gloriosas para o futuro é, por vezes, uma fuga para não ver
e questionar o que está diante dos olhos. |
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2.
A Igreja Católica é um mundo com modos de presença muito
diversificados nas sociedades dos cinco continentes e na grande
variedade cultural e social das comunidades de cada país.
O centro do seu crescimento já não se
encontra na Europa, embora o papa seja o Bispo de Roma e o chefe
político de um pequeno Estado, o Vaticano, com um território de 40
hectares. Para uns, esta realidade é um instrumento precioso de
independência da Igreja; para outros, embora sem o peso dos
anteriores Estados Pontifícios - que duraram desde 756 até 1870 –
acaba por situá-lo nos jogos da política internacional.
Como Estado, é um sistema fechado, com grande dificuldade de
auto-reforma. O que é transmitido pelos meios de comunicação acerca
do que nele acontece - na banca, no tráfico de influências e no
funcionamento da Cúria - afecta, a nível local e global, a imagem
pública da Igreja e a credibilidade da sua transcendência divina.
Os bispos do mundo inteiro são reformados aos 75 anos. O bispo de
Roma, que além de chefe de Estado é o papa, o dirigente de toda a
Igreja, em regime de parca colegialidade, não tem limite de idade
para as suas funções. Valeria a pena meditar e conversar sobre essa
estranha situação.
Os bispos surgem à frente das dioceses, sem que os diocesanos tenham
uma palavra a dizer. Os párocos são nomeados sem que os paroquianos
possam interferir no processo da sua designação. O que a todos diz
respeito deve ser tratado por todos, da forma mais responsabilizante.
Quanto às modalidades e dificuldades nessa participação, nunca será
um assunto resolvido de forma definitiva, mas também não pode
continuar adiado.
Sem o
enfrentamento de algumas questões básicas, que se arrastam há
demasiados anos, os programas da nova evangelização, das reformas da
catequese, da pastoral da juventude e da família, do incitamento à
participação nas celebrações dos sacramentos e especialmente da
Eucaristia, são esforços louváveis para o relançamento espiritual,
mas servem sobretudo para esconder e tentar esquecer problemas
urgentes. Muitos católicos resolvem-nos abandonando a prática
religiosa ou até a própria Igreja.
Dito de forma mais explícita: sem o
aprofundamento da ética social e sexual, sem a possibilidade de
chamar mulheres e homens casados para os ministérios ordenados, sem
a possibilidade de celebrar o casamento de divorciados recasados e
de os incitar à participação plena na vida das comunidades cristãs,
as instituições da Igreja perdem o presente e o futuro, enquanto
sacramento, sinal e instrumento, da cura do mundo, isto é, o rosto
visível da graça, da bondade e da misericórdia de Deus. Este caminho
não tem nada a ver com “facilitismo pastoral”, cobertura da
irresponsabilidade ou do vale tudo, pois sem conversão permanente
não há Igreja que valha a pena.
3. Para responder à pergunta sobre
o “Estado da Igreja” no mundo actual temos de sair da sacristia e
olhar para o que está a acontecer. Como observa Jean-Claude
Guillebaud (Cf. La Vie – Le Monde 2012), desde o começo dos anos 80,
vivemos quatro revoluções ao mesmo tempo: uma revolução económica,
com a mundialização; uma revolução numérica e cibernética que deu à
luz um quase-planeta, um sexto continente; uma revolução genética,
que transforma os fundamentos da humanidade, as nossas relações com
a vida, com a procriação e com a genealogia; uma revolução
ecológica, com a tomada de consciência de que não nos podemos
desenvolver como se fazia, desde há milénios. Por estas quatro
razões, vivemos uma mudança, talvez tão importante como a revolução
neolítica, há 12 mil anos (…), na qual o ser humano passou "de
parasita a sócio activo da
natureza", por vezes, também a seu agressor.
Perante estas esperançosas e assustadoras revoluções, o estado da
Igreja terá de ser o de escuta e intervenção, para oferecer a todas
as pessoas de boa vontade a sua gramática da transcendência da vida
humana. |