Bento Domingues - Triplo II: O blog do TriploV - Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências
 
 
 

          1. Nem todos os políticos gozam de boa fama, mas a inclinação para o mal não é exclusiva de ninguém nem de nenhuma actividade humana. O mal é o resultado de uma inversão de prioridades na acção: em vez de seguir fundamentadas exigências éticas, prefere-se seguir inclinações sensíveis, desreguladas e destrutivas. Sem a permanente regeneração moral, as interacções humanas só difundem e avolumam a degradação. É o que acontece com a política e os políticos encarregados do que há de melhor, o serviço do bem comum. Mas é antiga a máxima: o que há de melhor, quando é adulterado, degenera no que há de pior.

BENTO DOMINGUES, op

A Igreja faz política

Bento Domingues . Frade da Ordem dos Dominicanos, teólogo, professor, escritor

 

 

Há vários anos, o Episcopado francês publicou um célebre documento destinado a “reabilitar a política” na consciência cristã, isto é, a redescobrir o seu papel insubstituível e os modos de a reconverter pelo seu exercício competente e honesto.

Hoje, quando se procura, por razões de eficácia, substituir a política democrática pela tecnocracia, corre-se o risco de resvalar para a ditadura. A sua desumanidade começa quando a cura das finanças não se importa com a sorte das pessoas.

Com aparências democráticas, vários poderes convergem no processo de impor a ditadura por toda a parte. As maiorias governamentais de pouco servirão se forem controladas por poderes que não controlam. No momento em que aceitamos a linguagem perversa de que não há alternativas, deixamos o campo livre ao determinismo mais imbecil, optando pelo grau zero do pensamento, desistindo da condição humana.

2. Neste cenário, o que pode fazer a Igreja? Não é fácil responder porque, à partida, a opinião pública continua a alimentar um equívoco: quando se fala das relações entre a Igreja e a Política, pensa-se, exclusivamente, nos pronunciamentos e atitudes da hierarquia eclesiástica, esquecendo a indispensável intervenção de mulheres e homens baptizados no Espírito de Jesus Cristo e que se devem empenhar na reconfiguração de uma nova política, a nível local e global.

O movimento internacional “Nós Somos Igreja” tem feito um esforço para ajudar a descobrir algo de essencial no Vaticano II: a Igreja é um “nós” formado por todos os cristãos que se assumem como tais. A hierarquia nasce na comunidade cristã não para a substituir, mas para a ajudar a viver e agir, ao serviço de toda a humanidade.

A fidelidade à luz da graça baptismal abre novos horizontes, faz pressentir a profundidade do mistério humano e a urgência da justiça e do amor. Não é uma evasão, uma fuga do mundo, nem pretende criar um mundo à parte. É incarnação como alma de um mundo sem alma. Não se pode ser cristão ao domingo e político pagão à semana. A relação activa da Igreja com a Política joga-se à semana e ao domingo na prática diária dos cristãos. A parábola do “Juízo Final”, integrada na liturgia do domingo passado, nega qualquer separação. Vai mais longe: fala de cristãos e de anti-cristãos anónimos, segundo o bem que se faz ou se deixa de fazer. A pergunta política de Deus é só uma: “que fizeste ao teu irmão”?

3. Neste sentido, parece-me interessante a decisão da Conferência dos Bispos Suíços de acabar com a habitual Carta Pastoral, por ocasião do Jejum Federal, festa religiosa anual e acontecimento político. O padre Martin Werlen, OSB, publicou, na revista de várias dioceses, um artigo explicando o contexto e o sentido da opção episcopal.

Para ele, a Igreja é política e é política de primeira linha. Não se refere à hierarquia. A grande maioria das suíças e dos suíços são baptizados, fazem parte da comunidade eclesial, são chamados às urnas como cidadãs e cidadãos do seu país e comprometem-se na política. Além disso, muitos dos baptizados assumem responsabilidades ao nível do Estado, procurando, com o seu saber e segundo a sua consciência, promover o bem comum.

Este modo de ser Igreja não forma um partido confessional. Não faz política de partido. Dentro ou fora dos partidos, tem de tomar partido pelos mais desfavorecidos, pelos sem voz, pelos espezinhados na sua dignidade humana, pelos doentes, pelos idosos, pelos incapacitados, pelos estrangeiros. Reivindica a justiça para todos como fundamento da paz, empenhando-se por uma justiça e uma protecção sociais destinadas a toda a gente. Protesta quando alguém enriquece, de forma egoísta, à custa dos outros. Por estas causas, tem de levantar a voz na opinião pública.

Neste sentido, a Igreja, enquanto comunidade das cristãs e cristãos, é política e muito política, como um todo, na diversidade das suas opções partidárias. Jesus não pediu aos seus discípulos para formarem uma sociedade paralela. Pelo contrário, rezou a Deus para que não os tirasse do mundo, mas os guardasse do mal. A Igreja reúne à volta da mesma mesa pessoas de opiniões e visões diferentes, para lutarem, em conjunto, por soluções equitativas, em espírito de respeito mútuo.

Neste primeiro Domingo do Advento, tendo diante dos olhos a situação actual, marcada pelo império do Dinheiro e pela especulação dos mercados, que política pedirá Deus à sua Igreja?

 

Público, 27 de Novembro de 2011

 

 

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