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Há vários anos, o Episcopado francês publicou um célebre documento
destinado a “reabilitar a política” na consciência cristã, isto é, a
redescobrir o seu papel insubstituível e os modos de a reconverter
pelo seu exercício competente e honesto.
Hoje, quando se procura, por razões de eficácia, substituir a
política democrática pela tecnocracia, corre-se o risco de resvalar
para a ditadura. A sua desumanidade começa quando a cura das
finanças não se importa com a sorte das pessoas.
Com aparências democráticas, vários poderes convergem no processo de
impor a ditadura por toda a parte. As maiorias governamentais de
pouco servirão se forem controladas por poderes que não controlam.
No momento em que aceitamos a linguagem perversa de que não há
alternativas, deixamos o campo livre ao determinismo mais imbecil,
optando pelo grau zero do pensamento, desistindo da condição humana.
2.
Neste cenário, o que pode fazer a
Igreja? Não é fácil responder porque, à partida, a opinião pública
continua a alimentar um equívoco: quando se fala das relações entre
a Igreja e a Política, pensa-se, exclusivamente, nos pronunciamentos
e atitudes da hierarquia eclesiástica, esquecendo a indispensável
intervenção de mulheres e homens baptizados no Espírito de Jesus
Cristo e que se devem empenhar na reconfiguração de uma nova
política, a nível local e global.
O movimento internacional “Nós Somos Igreja” tem feito um esforço
para ajudar a descobrir algo de essencial no Vaticano II: a Igreja é
um “nós” formado por todos os cristãos que se assumem como tais. A
hierarquia nasce na comunidade cristã não para a substituir, mas
para a ajudar a viver e agir, ao serviço de toda a humanidade.
A fidelidade à luz da graça baptismal abre novos horizontes, faz
pressentir a profundidade do mistério humano e a urgência da justiça
e do amor. Não é uma evasão, uma fuga do mundo, nem pretende criar
um mundo à parte. É incarnação como alma de um mundo sem alma. Não
se pode ser cristão ao domingo e político pagão à semana. A relação
activa da Igreja com a Política joga-se à semana e ao domingo na
prática diária dos cristãos. A parábola do “Juízo Final”, integrada
na liturgia do domingo passado, nega qualquer separação. Vai mais
longe: fala de cristãos e de anti-cristãos anónimos, segundo o bem
que se faz ou se deixa de fazer. A pergunta política de Deus é só
uma: “que fizeste ao teu irmão”?
3.
Neste sentido, parece-me interessante a decisão da Conferência dos
Bispos Suíços de acabar com a habitual Carta Pastoral, por ocasião
do Jejum Federal, festa religiosa anual e acontecimento político. O
padre Martin Werlen, OSB, publicou, na revista de várias dioceses,
um artigo explicando o contexto e o sentido da opção episcopal.
Para ele, a Igreja é política e é política de primeira linha. Não se
refere à hierarquia. A grande maioria das suíças e dos suíços são
baptizados, fazem parte da comunidade eclesial, são chamados às
urnas como cidadãs e cidadãos do seu país e comprometem-se na
política. Além disso, muitos dos baptizados assumem
responsabilidades ao nível do Estado, procurando, com o seu saber e
segundo a sua consciência, promover o bem comum.
Este modo de ser Igreja não forma um partido confessional. Não faz
política de partido. Dentro ou fora dos partidos, tem de tomar
partido pelos mais desfavorecidos, pelos sem voz, pelos espezinhados
na sua dignidade humana, pelos doentes, pelos idosos, pelos
incapacitados, pelos estrangeiros. Reivindica a justiça para todos
como fundamento da paz, empenhando-se por uma justiça e uma
protecção sociais destinadas a toda a gente. Protesta quando alguém
enriquece, de forma egoísta, à custa dos outros. Por estas causas,
tem de levantar a voz na opinião pública.
Neste sentido, a Igreja, enquanto comunidade das cristãs e cristãos,
é política e muito política, como um todo, na diversidade das suas
opções partidárias. Jesus não pediu aos seus discípulos para
formarem uma sociedade paralela. Pelo contrário, rezou a Deus para
que não os tirasse do mundo, mas os guardasse do mal. A Igreja reúne
à volta da mesma mesa pessoas de opiniões e visões diferentes, para
lutarem, em conjunto, por soluções equitativas, em espírito de
respeito mútuo.
Neste primeiro Domingo do Advento, tendo diante dos olhos a situação
actual, marcada pelo império do Dinheiro e pela especulação dos
mercados, que política pedirá Deus à sua Igreja? |