O mundo das
“verdades reveladas” não é um exclusivo do Vaticano. Hoje, no
meio dos ruídos sobre o presente e o futuro da UE decreta-se,
com a exibição de números assustadores, que não há alternativas
nem correctivos a programas que, em nome de um futuro fictício,
tornam o presente insuportável. A insistência em que não há
alternativa é uma conhecida retórica para matar qualquer
possibilidade de discussão séria e de diálogo profundo e
frutuoso. É a linguagem da imposição, de criados obedientes às
ordens da especulação financeira e dos seus tutores, das sempre
invocadas exigências dos mercados. Os seus interesses são
sagrados, intocáveis. Eles são os novos deuses. É preciso
conquistar-lhes a confiança. Sacrificar tudo nos seus altares.
As agências de rating dizem quem cometeu sacrilégios, quem pecou
mortalmente. É preciso confessar-lhe todos os pecados passados,
mostrar arrependimento, prometer cumprir a penitência imposta.
Depois disso ainda podemos continuar a não passar de lixo.
2.
O sonho dos fundadores da UE não era a constituição de um
império nem de uma relação de dominadores e dominados.
Conseguiram, por isso, sessenta anos de paz, de desenvolvimento
e de qualidade de vida, como nunca tinha acontecido na Europa.
Entrar para a UE era o passaporte para um mundo de possível
prosperidade, espantosamente alargado com a queda do muro de
Berlim.
Que aconteceu
à União Europeia para que, depois de um casamento auspicioso,
cresçam as vozes anunciando um divórcio ruinoso ou a ameaça de
um futuro da União a várias velocidades? A alma da Europa tem de
ser a de um por todos e todos por um, implicando tanto os mais
fortes como os mais débeis, cada um segundo o seu talento. A
relação de dominadores e dominados só pode produzir desconfiança
mútua.
Neste momento,
duvida-se de tudo e está tudo posto em causa a começar pelo
projecto social europeu. Seria importante corrigir o que deve
ser corrigido, mas sem esquecer o que levou anos e anos a
construir.
3.
Que podem
fazer os cristãos por uma Europa que seja de acolhimento dos
seus membros e aberta a todos os povos? A concepção cristã da
vida pode encarnar-se em qualquer povo e cultura. Em Jesus
Cristo são derrubados os muros da separação. Ele não é mais de
um povo do que de outro. Lembremos, no entanto, o seguinte: a
hierarquia da Igreja tem insistido que sem as raízes cristãs, a
Europa é incompreensível. João Paulo II multiplicou os pedidos
de perdão pela infidelidade dos cristãos ao Espírito de Cristo
que nos lembra: Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro.
Espero que nas
dioceses de Portugal e em muitos países da Europa surjam
iniciativas semelhantes às do bispo de Viseu. Pediu aos padres
da sua diocese para repartirem uma fatia do subsídio de Natal em
favor do fundo de solidariedade diocesano, esgotado pelo aumento
dos pedidos das famílias em dificuldades. Esclareceu que a
receita será, de imediato, entregue ao Secretariado Diocesano da
Pastoral Social que, através da Cáritas Diocesana, contribuindo
para que haja Natal nas pessoas e nas famílias da sua Diocese.
Pede, também, o contributo financeiro dos restantes cristãos da
Igreja viseense.
É uma atitude
verdadeiramente eclesial. O bispo aparece com o clero, para
darem o exemplo, não para impor, mas para solicitar a
participação de toda a igreja local. De facto, para os cristãos
é bispo, com eles é cristão, segundo a boa eclesiologia de Sto
Agostinho.
Estes gestos
de partilha são fundamentais e insubstituíveis. Brotam do
coração perante as urgências imediatas. Não podem, no entanto,
substituir o que pertence à acção política, o cuidado do bem
comum de todos os cidadãos, seja a nível local, a nível europeu
ou global. Muitas vezes reduzimos a responsabilidade cristã às
relações curtas, à caridade entendida como socorro imediato. É
um erro. O próprio Pio XII falava de caridade política, do amor
que recorre às mediações longas, que tende a influenciar e
assumir responsabilidades públicas. A UE deve muito aos sonhos e
aos trabalhos de dirigentes cristãos de mãos dadas com outros
dirigentes políticos no pós-guerra. A pergunta que é preciso
fazer é esta: E agora?