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Charles Mauras (1868-1952), de quem Salazar recebeu alguma
influência, apreciava a Igreja Católica pela sua constituição
hierárquica e por ter conseguido esconder do povo muitos dos
ensinamentos perigosos da Bíblia. Desconfiava dos evangelhos -
escritos por 4 obscuros judeus - e detestava, de forma especial, o
Magnificat. Manifestava-se agradecido à Sagrada Liturgia do
seu tempo por ter mantido essa peçonha em latim, envolvida em sons
musicais que lhe disfarçavam o veneno.
Será, no entanto, este hino a voz de uma mulher ressentida que
transfere para Deus uma insaciável vontade de vingança? Ricos,
escutai: até hoje foi a vossa vez, agora é a nossa!
2. Este poema inquietante, amortecido pela repetição
diária, faz parte do Evangelho de Jesus Cristo que é uma boa
notícia, precisamente porque anuncia não só aquilo a que é urgente
dizer sim e aquilo que é preciso recusar, mas, sobretudo, porque
mostra como é possível a todos começar já a mudar a vida.
Os ricos podem salvar-se consentindo em libertar-se do seu poder de
humilhar os pobres. Tanto o caminho da felicidade das vítimas da
pobreza imposta, como o da felicidade dos ricos, descobre-se no
processo da conversão do desejo. Mudar o desejo de dominação em
vontade de trabalhar por um mundo de irmãos, um mundo de mãos dadas
- contribuindo cada um com os seus talentos para cuidar sobretudo
daqueles que nasceram “sem unhas nem viola” – significa encontrar o
tesouro escondido da vida verdadeira. Zaqueu, ao encontrá-lo, foi
pronto em confessar-se como corrupto profissional e em tornar-se o
exemplo perfeito da libertação alegre, interior e exterior, que a
conversão operou na vida de um grande rico (Lc.19).
No domingo passado, S. Paulo recomendava aos cristãos: “ não devais
nada a ninguém, a não ser o amor de uns para com os outros”. Para
ele, todos os mandamentos podem ser resumidos em poucas palavras:
amarás o próximo como a ti mesmo. Isto, porém, só é possível, de
forma consciente ou inconsciente, com o olhar do coração divinamente
transfigurado. Admitir que qualquer ser humano é nosso irmão - e
deve ser tratado como tal - é mais difícil do que admitir, neste
mundo caótico, a presença de Deus.
3.
Os fariseus, amigos do dinheiro, riam-se do lirismo das propostas
paradoxais de Jesus sobre as relações entre felicidade e riquezas.
Não podiam, por isso, entender as razões e o sentido da sua dureza
com os ricos, os abençoados da divindade. Jesus não suportava uma
cultura e uma religião que tinham como bênção divina um sistema de
privilégios que mantinha e alimentava um abismo entre criaturas
humanas. Enunciou um princípio para a religião em que cresceu que
pode ser universalizável para todas as instituições: o Sábado é para
o ser humano e não o ser humano para o Sábado. A economia e a
finança são para o ser humano e não o ser humano para os impérios
dos mercados.
Hoje, ainda com mais razão, devido à distância de tempo e cultura,
podemos pensar que, do Novo Testamento, nada há que nos possa ajudar
a ser felizes nesta civilização suicida.
No entanto, no passado domingo, Jeffrey D. Sachs, professor de
economia e director do Earth Institute na Universidade de
Columbia, mostra precisamente o contrário, num artigo publicado no
EL PAÍS, intitulado “La economia de la felicidad”. Segundo ele, nos
EUA, e não só, uma ampla maioria dos cidadãos crê que o país está no
caminho equivocado. O pessimismo disparou. Importa, por isso,
“voltar a considerar os motivos básicos da felicidade na nossa vida
económica”. A procura implacável de maiores proventos está a
conduzir a uma desigualdade e a uma ansiedade sem precedentes e não
a uma maior felicidade e satisfação na vida. O progresso económico é
importante e pode melhorar, de forma marcante, a qualidade de vida,
mas só no caso de ser um objectivo que se procura juntamente com
outros. A felicidade só se consegue com uma estratégia equilibrada,
tanto por parte dos indivíduos como das sociedades. Como indivíduos,
não somos felizes se nos privam das nossas necessidades elementares,
mas também não somos felizes se a procura de maiores proventos
substitui a nossa dedicação à família, aos amigos, à comunidade, à
compaixão e ao equilíbrio interior. Como sociedade, uma coisa é
organizar as políticas económicas para que os níveis de vida
aumentem e outra, muito diferente, é subordinar todos os valores da
sociedade a ter cada vez mais.
Entre nós, a obsessão financeira, em nome da troika, acaba
por deixar os pobres sem nada e os ricos com as mãos cheias. Nossa
Senhora perdeu. |