Percorrendo os meios de comunicação social e as declarações de
políticos, gestores, economistas, especialistas em finanças, etc.,
verificamos que as posições estão longe de serem coincidentes, mesmo
entre especialistas da mesma área. Além disso, há matizes entre os
próprios defensores do actual governo e variantes entre as
oposições. É normal esta diferença acerca de realidades tão
contingentes, como as estudadas pelas ciências humanas e as
abordadas nos grandes meios de comunicação. A maior inimiga da
cidadania é a manipulação dos meios de comunicação, dependentes dos
poderes económicos e políticos; revelam ou ocultam, conforme os seus
interesses, embora as novas tecnologias possam ajudar a romper o
cerco.
Foi também por aí que a palavra chegou à rua. Não só às ruas e
avenidas da Grécia, de França, de Espanha, de Itália ou de Portugal
como até a Wall Street, donde se propagou o vírus. As
manifestações dos Indignados e as várias Petições são claras
expressões de cidadania. Os actos eleitorais pertencem ao seu ritual
mínimo. Uma cidadania que se fique por aí, que não transforme o
interior das pessoas e os seus comportamentos quotidianos é uma
cidadania indigente.
2.
A etimologia da palavra crise, de origem grega, pode sugerir várias
significações. Evoca, quase sempre, a fase aguda de uma doença, seja
em que domínio for. Não falta quem se deleite a repetir que a
sociedade portuguesa é uma doença crónica e sem remédio, fora ou
dentro da UE. Perdi a paciência para esse discurso.
A entrada para o UE, mesmo com todas as suas ambiguidades
processuais e contextuais, talvez não seja a origem de todas as
nossas dificuldades. Se resistirmos a cartilhas fundamentalistas,
será possível fazer as reformas necessárias em prazos razoáveis e
sem espadas apocalípticas.
Uma cidadania europeia puramente jurídica, uma pertença definida por
um catálogo de direitos e deveres, pode ser o começo de um caminho.
Mas não basta. Não é de um dia para o outro que um povo passa a
sentir-se europeu e a viver de forma activa a sua identidade
europeia.
Há vários anos o politólogo americano Perry Anderson escrevia: «a
construção da Europa posta em marcha por Monnet e o seu grupo foi
uma empresa de uma envergadura e de uma complexidade inigualáveis,
mas que assenta em etapas institucionais sem brilho e com um frágil
suporte na sociedade». Não se terá começado pelo telhado? Conta-se
que o Marquês Massimo d’Azeglio, depois da unificação italiana,
observou: «Fizemos a Itália, agora temos de fazer os italianos».
Não é por decreto que se podem transformar os povos de 27 países em
cidadãos europeus. Se as instituições europeias não funcionarem de
forma democrática, a grande crise não será apenas económica e
financeira, será reforçada por uma crise de cidadania.
3.
A grande intuição, o desejo e o percurso dos fundadores da Europa
configuraram um desígnio genial: encontrar caminhos de paz e
cooperação entre povos e Estados que no passado se combateram de
modo devastador, isto é, construir um modelo de solidariedade aberta
ao mundo.
A Europa não pode estar dependente dos humores e interesses só de
alguns. Sem diálogo inter-cultural, os povos não aprendem nada uns
com os outros, continuam lado a lado, sem consciência europeia.
Vivemos, hoje, no entanto, numa época excepcional para o
aprofundamento de uma cultura plural, não só pelo convívio entre
países, mas também pelo acolhimento das comunidades emigrantes, não
deixando que se transformem em guetos.
A presença religiosa na Europa – e Portugal não foge à regra – é
cada vez mais diversificada. O diálogo inter-religioso não pode
ficar reservado aos representantes das diferentes comunidades, só em
determinadas datas de calendário. Também aqui as religiões têm de
praticar a hospitalidade mútua. Não se trata de diluir identidades.
Deve-se procurar que sejam identidades porosas e todas possam
colaborar na criação de um espírito europeu aberto ao mundo.
No momento em que escrevo, sucedem-se reuniões das quais se pode
esperar o melhor ou pior. |