Bento Domingues - Triplo II: O blog do TriploV - Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências
 
 
 

1. Nicolau Maquiavel (1469-1527) continua a ser um conselheiro político inspirador. Defende que a violência deve ser realizada toda de uma só vez, para que, sendo suportada durante menos tempo, cause menos sofrimento; as boas obras, pelo contrário, devem ser realizadas pouco a pouco, para serem mais saboreadas.

Ao que parece, para o nosso ministro das Finanças, sem medidas drásticas, como as do orçamento, Portugal não cumpre o programa da troika. Não o cumprindo, fica sem margem de manobra financeira. Seguindo a via da obediência perfeita, julga que ganha tempo para condições mais favoráveis. Esta posição tem defensores, mas está longe de ser consensual. Há quem observe que o governo mostra ser mais advogado da troika junto dos portugueses do que dos portugueses junto da troika. Quanto aos sacrifícios exigidos, dizem uns que são dolorosos, mas necessários, outros sustentam que deveriam ser mais repartidos. Outros, ainda, receiam que o resultado não seja a cura, mas o agravamento da doença, ao provocar mais recessão económica.

BENTO DOMINGUES, op

Cidadania em tempo de crise

Bento Domimgues . Frade da Ordem dos Dominicanos, teólogo, professor, escritor

 

 

Percorrendo os meios de comunicação social e as declarações de políticos, gestores, economistas, especialistas em finanças, etc., verificamos que as posições estão longe de serem coincidentes, mesmo entre especialistas da mesma área. Além disso, há matizes entre os próprios defensores do actual governo e variantes entre as oposições. É normal esta diferença acerca de realidades tão contingentes, como as estudadas pelas ciências humanas e as abordadas nos grandes meios de comunicação. A maior inimiga da cidadania é a manipulação dos meios de comunicação, dependentes dos poderes económicos e políticos; revelam ou ocultam, conforme os seus interesses, embora as novas tecnologias possam ajudar a romper o cerco.

Foi também por aí que a palavra chegou à rua. Não só às ruas e avenidas da Grécia, de França, de Espanha, de Itália ou de Portugal como até a Wall Street, donde se propagou o vírus. As manifestações dos Indignados e as várias Petições são claras expressões de cidadania. Os actos eleitorais pertencem ao seu ritual mínimo. Uma cidadania que se fique por aí, que não transforme o interior das pessoas e os seus comportamentos quotidianos é uma cidadania indigente.

2. A etimologia da palavra crise, de origem grega, pode sugerir várias significações. Evoca, quase sempre, a fase aguda de uma doença, seja em que domínio for. Não falta quem se deleite a repetir que a sociedade portuguesa é uma doença crónica e sem remédio, fora ou dentro da UE. Perdi a paciência para esse discurso.

A entrada para o UE, mesmo com todas as suas ambiguidades processuais e contextuais, talvez não seja a origem de todas as nossas dificuldades. Se resistirmos a cartilhas fundamentalistas, será possível fazer as reformas necessárias em prazos razoáveis e sem espadas apocalípticas.

Uma cidadania europeia puramente jurídica, uma pertença definida por um catálogo de direitos e deveres, pode ser o começo de um caminho. Mas não basta. Não é de um dia para o outro que um povo passa a sentir-se europeu e a viver de forma activa a sua identidade europeia.

Há vários anos o politólogo americano Perry Anderson escrevia: «a construção da Europa posta em marcha por Monnet e o seu grupo foi uma empresa de uma envergadura e de uma complexidade inigualáveis, mas que assenta em etapas institucionais sem brilho e  com um frágil suporte na sociedade». Não se terá começado pelo telhado? Conta-se que o Marquês Massimo d’Azeglio, depois da unificação italiana, observou: «Fizemos a Itália, agora temos de fazer os italianos».

Não é por decreto que se podem transformar os povos de 27 países em cidadãos europeus. Se as instituições europeias não funcionarem de forma democrática, a grande crise não será apenas económica e financeira, será reforçada por uma crise de cidadania.

3. A grande intuição, o desejo e o percurso dos fundadores da Europa configuraram um desígnio genial: encontrar caminhos de paz e cooperação entre povos e Estados que no passado se combateram de modo devastador, isto é, construir um modelo de solidariedade aberta ao mundo.

A Europa não pode estar dependente dos humores e interesses só de alguns. Sem diálogo inter-cultural, os povos não aprendem nada uns com os outros, continuam lado a lado, sem consciência europeia. Vivemos, hoje, no entanto, numa época excepcional para o aprofundamento de uma cultura plural, não só pelo convívio entre países, mas também pelo acolhimento das comunidades emigrantes, não deixando que se transformem em guetos.

A presença religiosa na Europa – e Portugal não foge à regra – é cada vez mais diversificada. O diálogo inter-religioso não pode ficar reservado aos representantes das diferentes comunidades, só em determinadas datas de calendário. Também aqui as religiões têm de praticar a hospitalidade mútua. Não se trata de diluir identidades. Deve-se procurar que sejam identidades porosas e todas possam colaborar na criação de um espírito europeu aberto ao mundo.

No momento em que escrevo, sucedem-se reuniões das quais se pode esperar o melhor ou pior.

 

Público, 30 de Outubro de 2011

 

   
   
 
   
   
 

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