Bento Domingues - Triplo II: O blog do TriploV - Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências
 
 
 

1. No passado dia 23 de Outubro, com este mesmo título, destaquei a importância da atribuição do Prémio Pedro Hispano 2011 ao dominicano Francolino Gonçalves, investigador de exegese histórico-crítica, desde há 40 anos, na Escola Bíblica de Jerusalém e membro da Comissão Pontifícia Bíblica, desde 2008. Aconteceu, ontem, na Gala de Entrega do Prémio da Academia Pedro Hispano, no Casino da Figueira da Foz, no âmbito das suas realizações culturais.

A história da exegese bíblica em Portugal - da qual ainda há muito por investigar - foi sintetizada pelo professor José Nunes Carreira, no Dicionário da História Religiosa de Portugal. Para ela remeto e dela recolho, apenas, algumas anotações de circunstância.

BENTO DOMINGUES, op

A Bíblia sob investigação (2)

 

Bento Domimgues . Frade da Ordem dos Dominicanos, teólogo, professor, escritor

 

 

A exegese bíblica, propriamente dita, só começa em finais do século XV, com o judeu português Isaac Abravanel (1437-1508). O Humanismo, com a exigência de crítica textual e regresso às fontes, a Reforma, com a Bíblia como única autoridade, e o Concílio de Trento, tentando responder a esses desafios, resultaram numa espécie de explosão de exegese científica cristã no século XVI. Estudam-se a fundo as três línguas bíblicas: hebraico, aramaico e grego.

As ordens religiosas, antigas e recentes, a reforma da Universidade de Coimbra e a criação da nova Universidade, em Évora, conjugaram-se com o esplendor da expansão e da política cultural de D. João III. Os dominicanos António da Fonseca e Francisco Foreiro foram bolseiros do Piedoso no Colégio de Santa Bárbara, em Paris. O intercâmbio internacional era, aliás, enorme. Por exemplo, o primeiro grande exegeta português, Frei Jerónimo de Azambuja, O.P. (?- 1563), é, em parte, produto de Lovaina, como será mais tarde o confrade Frei Luís de Sotomaior (c. 1526-1610) e outros.

2. Para a exegese bíblica, a viragem para o século XVII, apesar de pujante, já não tinha o fulgor da exegese quinhentista portuguesa. A culpa só não vai toda para o mal interpretado decreto conciliar de Trento, que impunha a Vulgata, por coincidir com o declínio político e cultural português. Em todo o caso, esfuma-se ou desaparece o apego ao original hebraico e às reflexões dos rabinos, para regressar à Vulgata e aos comentários dos Padres da Igreja.

Daí que, a partir de meados do século XVII e seguintes - não só em Portugal - se acentue a decadência. A exegese portuguesa, que agonizava há mais de um século, recebeu o golpe fatal com a extinção da Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra (1910). Extinta a última chama institucional, iria levar tempo a notar-se, em Portugal, o renascimento dos estudos bíblicos.

3. Como diz Frei Francolino, foi preciso esperar pelo fim do século XIX para que os católicos procurassem retomar o estudo histórico-crítico da Bíblia. A fundação da École Pratique d’ Études Bibliques, por J. M. Lagrange, O.P., em Jerusalém (1890), inscreve-se nesta corrente. Ainda que tenha sido encorajada pela encíclica Providentissimus Deus, de Leão XIII (1893), a adopção desta exegese provocou na Igreja Católica uma crise grave que durou todo o pontificado de Pio X (1903-1914) e o começo do pontificado de Bento XV (1914-1922). A encíclica Divino afflante Spiritu (1943), de Pio XII, reconheceu a necessidade da exegese histórico-crítica, mas só passados mais de 20 anos, depois do Concílio Vaticano II, é que os exegetas católicos se sentiram verdadeiramente livres.

Desde as suas origens, a exegese cristã era confessional, ditada pela tradição e situada sob a autoridade do Magistério. Ao romper com essa concepção, a exegese crítica centra toda a sua atenção no texto bíblico, procurando o seu sentido, por meio de um estudo segundo as regras da crítica textual, da filologia e da história. Tem por única autoridade a razão.
Os pioneiros da exegese crítica não duvidavam que a Bíblia fosse expressão da Palavra de Deus, mas acreditavam também que ela tomou a forma de palavras plenamente humanas, único acesso à Palavra Divina. A situação só mudou no decurso dos últimos anos. Reconhecida como um elemento do património cultural da humanidade, a Bíblia tornou-se objecto de estudo mesmo no quadro de instituições e por parte de pessoas que se situam fora de qualquer horizonte religioso.

Esta exegese é acusada, com frequência, de cavar um "abismo" entre os seus resultados e as exigências da vida cristã, provocando uma "distanciação objectivante" (Gadamer). Para Francolino Gonçalves, esta distanciação pertence à própria natureza da exegese histórico-crítica. Estuda os textos bíblicos como estudaria qualquer outro texto antigo, sem olhar para o estatuto religioso que os cristãos, os judeus e mesmo os muçulmanos lhe reconhecem. O exegeta cristão, ou judeu, usando um grande número de disciplinas, põe, provisoriamente, entre parêntesis a sua fé e deve tomar o máximo de precauções para não projectar as suas próprias ideias sobre o texto e para as não confundir com a Palavra de Deus.

Esta é, no entanto, para o exegeta cristão, apenas a primeira etapa. Deve ser seguida de uma segunda que consiste na apropriação do sentido dos textos e na sua actualização. Esta é a função da hermenêutica. Ao fazê-lo, o hermeneuta cristão fará obra de teólogo e de pastor.

Mas esta questão fica adiada para outra oportunidade.

 

Público, 20 de novembro de 2011

 

   
   
 
   
   
 

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