MANUEL ALMEIDA E SOUSA |
O RETORNO DAS FADAS Fadas 1 e 2 |
Almeida e Sousa ou o retorno das fadas
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Almeida e Sousa acentua mais ou menos conscientemente o contraste entre a reposição parcial da antiga legibilidade e o exterior atmosférico a que usa chamar-se passado. É, obviamente, um exilado da tal pintura de tradição. Os seus quadros assemelham-se a violentas sacudidelas na sua vida de pessoa que intervém mediante os materiais, os traços, a cor ou a ausência de cor, na sequência do quotidiano. É o acaso que o motiva ou, pelo contrário, é uma deliberada atenção a tudo o que o rodeia? Que possui bons olhos de pintor e independência de espírito – e de razão conceptual – não sofre dúvida. Ele subverte – e nas suas colagens isso é muito perceptível – muito do tempo presente. Mas isso é evidentemente uma busca lúcida do futuro. Almeida e Sousa é pois uma espécie de antiquário (no entreposto que é a pintura intemporal) cuja paixão de sonhador activo o leva a incendiar o coração das recordações. Por isso as suas diversas representações exteriores – encenadas no interior que como ser humano lhe pertence – são parte de um universo que, como testemunha invisível, nos mostra as habituais e inúmeras servidões da humanidade. Este pintor devolve a dignidade ao detrito, ao inacabado, a uma espécie muito peculiar de vazio que, no fundo, é uma concepção espacial de presente, de tempo presente. Procede a uma espécie de decantação da matéria afastada da obra alquímica que é pintar, fazer, elaborar com as formas do mundo. Os velhos mitos são agora como imagens fixas: amores, recordações, viagens e amarguras, todas as representações de um universo de relação – vão desaparecendo lentamente, vão-se transformando em ausências no interior do jogo a que o pintor se entrega. Gostaria que se pudesse entender, daqui a muitos anos, que a principal aposta deste nostálgico de planetas perdidos, deste pacífico sonhador com rosto de flibusteiro, assentava na tentativa paciente e devotada de colocar na natureza-morta da existência o perfil surpreendido e desconstruído duma guitarra maravilhosa ou de um animal favorito. Ou de um qualquer sinal de iniciação para todos os que não se rendem à incapacidade de entender. Se as ilusões se pagam caro, não é uma qualquer modulação espacio-temporal que vai salvar o que ficou pendurado nos ramos da árvore da sabedoria. Almeida e Sousa, à sua maneira, aí está para o testemunhar.
NS |