- Era o mais feio de quantos no cerco de Tróia se achavam. Pernas em arco, arrastava um dos pés; as espáduas, recurvas, se lhe caíam no peito e, por cima dos ombros, em ponta, o crânio informe se erguia, onde raros cabelos flutuavam: homero -

ninguém mais repararia neles: desciam a escadaria com os olhares baços. Ele deslocava os membros curtos e o abdome volumoso; Outro vinha com a frágil esbeltez de um títere desconjuntado, as mãos imensas. buscavam qualquer mesa vaga. mas não havia. pediram cervejas e ficaram em pé, cada um de um lado da pilastra, flertando com a beleza das dançarinas. foram-se dois, três e quatro copos de bebida sem que aparecesse uma outra alma qualquer para fitá-los. invertiam agora as posições: deste lado estava Outro, com sua calvície mal disfarçada pelos três fios de cabelo colados com gomalina no alto da cabeça; daquele, Ele e suas madeixas patéticas decalcadas em forma de caos nas têmporas. e nada.

até que chegaram as duas. ninguém mais as notaria: Ela caminhava atenta, olhos vesgos, sobrancelhas mal desenhadas em V; Outra sobrando nas roupas decotadas que nenhuma forma harmoniosa deixavam à mostra. sentaram próximas ao balcão e na primeira oportunidade saltaram - garças vorazes - para a mesa que acabara de ser desocupada. ninguém mais percebeu. pediram cerveja. Outra buscava sorrir mas os lábios apenas arreganhavam, fazendo aparecer os dentes amarelos em franco desalinho. Ela mirava ao redor, desordenada, o gigantesco nariz quase acertando os passantes.

quando afinal todos se viram: Ele e Outra; Outro e Ela. e assim mirados se quedaram até que Ele decidiu aproximar-se. e veio meio mancando da perna esquerda, espuma de cerveja no bigodinho don juan. pôs na mesa a bebida e ofereceu. depois foi buscar Outro. Outro aproximou-se, a camisa aberta no peito a simular um latin lover raquítico. sentados todos à mesa, a conversa conversou, e risos. Ele convidou Outra para dançar. Outra, o gorrinho verde musgo não disfarçando as orelhas abanantes de felicidade, aceitou. dançaram horas, as pernas arqueadas de Outra roçando os joelhos salientes e desiguais de Ele. Ela e Outro trocavam mútuas confidências, declamando em voz baixa e torpe seus pequenos segredos. depois quem dançava conversou, e vice-versa.

então deram horas. Outra levantou e disse, a verruga no queixo a invadir o ambiente, precisamos ir, adeus. e puxou os pêlos da barba de Ela que mal se escondiam no banho de maquiagem. e se foram, lépidas, capivaras ao vento.

não creio que tenham trocado números de telefone. tampouco beijos. e de novo a sós, os homens herdaram a mesa, e a solidão. Ele sorri sua falta de dentes; Outro lança à frente o maxilar e boceja uma careta de filme de terror. mais uma vez trocam olhares com o nada. como sempre acontecera com os feios.

até que se foram também, deixando-me só com meu último e inútil flerte.




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Marcelo Brum-Lemos, 32, é professor de Literatura e compositor (autor do CD “res”), recentemente premiado no Concurso Nacional de Mini-contos da Secretaria da Cultura do Estado do Paraná.