MARTINHO DE MELLO E CASTRO
E AS RIQUEZAS NATURAIS
Maria Estela Guedes

O ministro e as minas de cobre

Seria Mello e Castro um iniciado, como o Marquês de Pombal? Loja cita cartas de contemporâneos que o consideram maçon.

O ministro mandou assentar a pedra no Real Gabinete da Ajuda, dirigido por Vandelli. É então ele o responsável pela dedicatória aos reis, gravada no cobre sob o brasão, e pelo seu enterro no trono, o que lhe confere dado valor. O valor que a pedra tinha para o naturalismo é declarado por Vandelli, na carta ao Regente em que dá conta do que Saint-Hilaire levara para o Museu de Paris e deixara em troca no Gabinete da Ajuda: Instei com o Geoffroy para deixar o cobre nativo, por ser enorme o seu peso, e dificultoso o transporte para terra, e porque era o principal ornato deste Museu (Azevedo).

Martinho de Mello e Castro (1716-1795) foi nomeado ministro da Marinha e Ultramar em 1770, cargo que manteve até morrer. Vindo do governo de Pombal, sobreviveu assim à viradeira, não tendo pelos vistos levantado suspeitas a D. Maria I. Para quem estuda o naturalismo, este ministro é muito familiar, pois os assuntos relativos a produtos dos Três Reinos remetidos para o Real Jardim Botânico da Ajuda caíam sob a sua alçada. Como os cargos públicos, nas colónias, se atribuíam por vezes a naturalistas, é Mello e Castro quem os nomeia. Sempre que um governador envia amostras de madeiras ou pássaros vivos, é a Mello e Castro que escreve. Por isso é a ele que o Marquês de Valença, governador da Bahia em 1782, envia o cobre achado na Cachoeira. Aproveita para elogiar Marcelino da Silva Pereira, o juiz de fora que sequestrara a pedra, quando Marcelino da Silva Pereira se encontrava ele mesmo a braços com a Justiça.

Ignacio Ferreira, ao falar da pedra, crocita uma gralha no nome do juiz de fora: em vez de Marcelino, escreve Manuel da Silva Pereira. Verá na bibliografia que este Pereira de Manuel da Silva é outra gralha, agora no nome de um provedor da Casa da Moeda da Bahia, Manuel da Silva Ferreira, que também estava a braços com a Justiça, desde 1768. Preso na Cachoeira, depois foi transferido para o Limoeiro. Em 1782, o processo ainda corria.

Na Casa da Moeda da Bahia, fizeram-se duas análises de um pedaço de cobre, achado no mesmo lugar da referida pedra. Manuel Galvão da Silva, naturalista enviado de Lisboa para descobrir a mina, conta que o resultado obtido pelos fundidores da Casa da Moeda foi de 25% em teor de cobre, ao passo que ele obteve 80%, diferença só explicável por também ele escrever na língua das gralhas (cartas na bibliografia).

Para que serve uma tão gigantesca pedra de cobre? Manuel Ferreira da Câmara, engenheiro de minas, responde, em carta de 1799, para outro ministro maçon, nativo do Brasil, o Conde de Linhares (Mendonça):

Nos sítios em que cresce a cana do açúcar, nos recôncavos da Baía, existem, pode ser, as minas mais ricas de cobre, que nunca se viram; ao menos assim o devo julgar pelo pedaço que ali apareceu, o que sendo de um veeiro, não parece ter sido formado para servir como serve, somente de ornamento no Real Gabinete da Ajuda, e a fixar a nossa indiferença para objectos de tanta importância como este. 

Este engenheiro de minas, cujo irmão não foi perseguido apesar de envolvido na Inconfidência Mineira, sabendo-se até que fugira para a Bahia, onde se verificou, meses antes desta carta, a Inconfidência Baiana, devia saber que debaixo dos pés de cana o que existe é massapé, terra excelente para os canaviais, e que Mello e Castro encarregara várias pessoas de descobrir as minas, nada tendo elas encontrado. Está a usar a escrita híbrida ou língua dos pássaros, afinal ele vai ser o Intendente Câmara, facto que os historiadores entendem mal, por se nomear para o segundo posto mais importante do Brasil, a seguir ao de vice-rei, o irmão de um companheiro do Tiradentes. A sua intendência incidirá em jazidas que não eram de cobre, sim de ouro e diamantes. As personagens desta história são a mais alta liderança da Nação, o que confere à pedra de cobre um valor de representação de Estado muito superior ao decorativo e ao cuprífero. São pessoas demasiado importantes para um objecto que se diz ser notável só pelo tamanho e pelo esqueleto de 7% de ferro, e que, além disso, se dissolve em água fervente, declara Vandelli.

O projecto de enviar naturalistas para as conquistas, a fim de procederem ao levantamento das riquezas naturais, era muito antigo. Com esse fim ministrava Vandelli em Coimbra um curso de História Natural Económica, como demonstra o seu livro “Viagens Filosóficas”, inédito na Academia das Ciências. Mal a pedra chega a Lisboa, logo Vandelli se apressa a fazer um requerimento ao ministro e à Rainha, para leccionar o mesmo curso no Jardim Botânico da Ajuda, e a recomendar ao ministro um seu aluno, que poderia descobrir a mina de cobre da Cachoeira. Mal o bloco é pousado no Gabinete da Ajuda, o bloqueado projecto de enviar naturalistas para as colónias desbloqueia-se, e eles partem todos no ano seguinte. Todos são brasileiros, e um deles, Galvão da Silva, vai à sua Bahia natal de propósito para visitar “o lugar verdadeiro” da mina de cobre, antes de seguir para Goa e Moçambique. Subiu a um monte, caiu três vezes por ele abaixo, mas no vale não descobriu nada. Mal a pedra é noticiada nas sessões da Academia, eis José da Silva Lisboa, homem de leis, a declarar não ter descoberto a mina de cobre, por ficar no abismo de uma alta montanha, mas que voltaria a tentar quando parasse de chover. Galvão da Silva também sofreu muita chuva no templo, aliás na montanha na qual caiu três vezes e atolou-se na lama até aos joelhos. Quando, em tempo sem chuva, José da Silva Lisboa volta ao vale da montanha de declive abrupto, o que relata é dissuasor: na Cachoeira não existiam minas de cobre.

Em 1787, Mello e Castro nomeia Antonio de Amorim e Castro juiz de fora da Cachoeira, para poder explorar a mina de cobre. Anos depois, Padre Francisco Agostinho Gomes também recebe licença para explorar as minas de cobre e ferro da Cachoeira (Carta régia dirigida a Francisco da Cunha Meneses, s/d, Anais da Biblioteca Nacional, 36, pág. 235) e em dada altura alia-se a Manuel Ferreira da Câmara com o mesmo fim. Eu mesma, em 1998, também andei à procura da mina. O que descobri foi o recôncavo baiano, região baixa, alagadiça, na qual só alguns montes suaves abrem alas para o rio Paraguaçu desfilar.

Então qual o papel de Mello e Castro nesta azáfama em busca de minas que todos lhe garantiram não existirem? Pondo os pés no massapé, convenhamos em que a azáfama não é mineira; o que mexe é a Administração Pública, a Polícia e o Exército. O ministro envia filósofos naturais para o Brasil, quando a sua formação era a mais completa da época, daí que acumulassem a carreira das armas e o cargo de secretários de governos provinciais, e mesmo superiores, caso de José Bonifácio, um carbonário (Kloppenburg) que viria a ser ministro do Imperador. Mello e Castro nomeia pessoas, recebe amostras de cobre e com elas pedidos subreptícios de auxílio para quem está preso ou vai sê-lo em breve, entretém-se a ler cartas em que as pessoas se queixam de que chove no templo - refiro-me ao templo da Natureza. E que pessoas são estas? Padre Francisco Agostinho Gomes, que tinha a melhor biblioteca da Bahia, foi acusado de ter participado num banquete maçónico. No século XVIII não se publicavam jornais no Brasil e os livros estavam na maior parte proibidos. O que ele lia de mais perigoso seria Rousseau e as “leis americanas”. Ora o motivo pelo qual a Coroa bloqueava a partida dos filósofos naturais é evidente: gente de Luzes, eles estavam implicados na independência americana e dariam a mão à Revolução Francesa.

Francisco Agostinho Gomes e José da Silva Lisboa são das mais destacadas pedras do templo da independência do Brasil, a seguir a José Bonifácio. Após a história da pedra, verifica-se a Inconfidência Baiana, com a qual vão ser relacionados, pois se sabe que a Revolução dos Alfaiates tinha uma liderança intelectual que ficou na sombra, ao contrário da Inconfidência Mineira, na qual só se prendeu a liderança. Pormenor a reter: nesse Brasil sem jornais e sem escolas, em que o povão era analfabeto, quase todos os mulatos, alfaiates e outros artesãos, presos na sequência da Inconfidência Baiana, sabiam ler e escrever. Quem os terá ensinado, em que vale, e com que pranchas?

Mello e Castro sabia que a imensa pedra de cobre tinha por fim convencer os reis a autorizarem a partida dos naturalistas. Então se as minas eram imaginárias, que riquezas naturais buscava ele? Martinho de Mello conseguiu cumprir os objectivos da reforma do ensino, pelo menos no que toca à Filosofia Natural: preparar competências que pudessem ocupar altos cargos nas colónias. As maiores riquezas naturais de um país são os seus “habitadores”, como então se dizia. Reclamavam-se “nativos” os habitadores do Brasil ali nascidos, filhos ou netos de portugueses. Foram estas pedras nativas e metropolitanas que conquistaram a independência do Brasil. A pedra de cobre é a sua confissão a Martinho de Mello e Castro, que era padre. A seguir, os recados serão várias Inconfidências, e por fim a independência do Brasil, liderada por um imperador carbonário (Kloppenburg), o nosso D. Pedro IV.

A bibliografia deste trabalho é constituída pelas páginas com referências e textos do século XVIII:

Mandado de sequestro da pedra de cobre
Carta de Manuel Galvão da Silva
Memórias de Domingos Vandelli