Albert Schweitzer
era exímio exegeta bíblico e um dos maiores concertistas de Bach de
seu tempo. Aos trinta anos já com fama em toda a Europa, largou
tudo, estudou medicina para, no espírito das benaventuranças de
Jesus, cuidar dos mais pobres dos pobres (os hansenianos) em
Lambarene no Gabão. Numa de suas cartas confessa explicitamente: ”o
que precisamos não é de missionários que queiram converter os
africanos, mas de pessoas dispostas a fazer aos pobres o que deve
ser feito, se é que o Sermão da Montanha e as palavras de Jesus
possuem algum valor. Minha vida não está nem na arte nem na ciência
mas em ser um simples ser humano que no espírito de Jesus faz algo
por insignificante que seja”. Foi dos primeiros a ganhar o Prêmio
Nobel da Paz.
Por
cerca de quarenta anos viveu e trabalhou num hospital por ele
construido com o dinheiro de tournés de concertos de Bach. Nas
poucas horas vagas, teve tempo para escrever vasta obra centrada na
ética do cuidado e do respeito pela vida. Formulou assim seu lema:
“a ética é a responsabilidade ilimitada por tudo o que existe e
vive”. Numa outra obra assevera:”a idéia chave do bem consiste em
conservar a vida, desenvolvê-la e elevá-la ao mais alto valor; o mal
consiste em destruir a vida, prejudicá-la e impedir que se
desenvolvaplenamente; este é o princípio necessário, universal e
absoluto da ética”.
Outro
arquétipo do cuidado foi a
enfermeira inglesa Florence Nightingale. Humanista e profundamente
religiosa, decidiu melhorar os padrões da enfermagem em seu país.
Em
1854 com outras 28 companheiras Florence se deslocou para campo de
guerra na Criméia da Turquia, onde se empregavam bombas de
fragmentação que produziam muitos feridos. Aplicando no hospital
militar, a prática do rigoroso cuidado, em seis meses reduziu de
42% para 2% o número de mortos. Esse sucesso granjeou-lhe
notoriedade universal.
De
volta a seu pais e depois nos EUA, criou uma rede hospitalar que
aplicava ocuidado como eixo norteador da enfermagem e como sua
ética natural. Florence Nightingale continua a ser uma referência
inspiradora.
O
operador da saúde é por essência um curador. Cuida dos outros como
missão ecomo opção de vida. Mas quem cuida do cuidador, título de um
belo livro do médico Dr. Eugênio Paes Campos (Vozes 2005)?
Partimos do fato de que o ser humano é, por sua natureza e essência,
um ser de cuidado. Sente a predisposição de cuidar e a necessidade
de ser ele também cuidado. Cuidar e ser cuidado são existenciais
(estruturas permanentes) e indissociáveis.
É
notório que o cuidar é muito exigente e pode levar o cuidador ao
estresse. Especialmente se o cuidado constitui, como deve ser, não
um ato esporádico mas uma atitude permanente e consciente. Somos
limitados, sujeitos ao cansaço e à vivência de pequenos fracasos e
decepções. Sentimo-nos sós. Precisamos ser cuidados, caso contrário,
nossa vontade de cuidar se enfraquece. Que fazer então?
Logicamente, cada pessoa precisa enfrentar com sentido de
resiliência (saber dar a volta por cima) esta situação dolorosa. Mas
esse esforço não substitui o desejo de ser cuidado. É então que a
comunidade do cuidado, os demais operadores de saúde, médicos e o
corpo de enfermagem devem entrar em ação.
O
enfermeiro ou a enfermeira, o médico e a médica sentem necessidade
de seremtambém cuidados. Precisam se sentir acolhidos e
revitalizados, exatamente, como as mães fazem com seus filhos e
filhas. Outras vezes sentem necessidade do cuidado como suporte,
sustentação e proteção, coisa que o pai proporciona a seus filhos e
filhas.
Cria-se então o que o pediatra R. Winnicott chamava de “holding”,
quer dizer, aquele conjunto de cuidados e fatores de animação que
reforçam o estímulo para continuarem no cuidado para com pacientes.
Quando
este espírito de cuidado reina, surgem relações horizontais de
confiança e de mútua cooperação, se superam os constrangimentos,
nascidos da necessidade de ser cuidado..
Feliz
é o hospital e mais felizes são ainda aqueles pacientes que podem
contar com um grupo de cuidadores. Já não haverá “prescrevedores” de
receitas e aplicadores de fórmulas mas “cuidadores” de vidas
enfermas que buscam saúde. A boa energia que se irradia do cuidado
corrobora na cura.