Uma das mesas de debates importante no Forum
Social Temático em Porto Alegre, da qual me coube participar, foi
escutar os testemunhos vivos dos Indignados da Espanha, de Londres,
do Egito e dos USA. O que me deixou muito impressionado foi a
seriedade dos discursos, longe do viés anárquico dos anos 60 do
século passado com suas muitas “parolle”. O tema central era
“democracia já”. Revindicava-se uma outra democracia, bem diferente
desta a que estamos acostumados, que é mais farsa do que realidade.
Querem uma democracia que se constrói a partir da rua e das praças,
o lugar do poder originário. Uma democracia que vem de baixo,
articulada organicamente com o povo, transparente em seus
procedimentos e não mais corroída pela corrupção. Esta democracia,
de saida, se caracteriza por vincular justiça social com justiça
ecológica. |
Curiosamente, os indignados, os “occupiers” e os
da Primavera Árabe não se remeteram ao clássico discurso das
esquerdas, nem sequer aos sonhos das várias edições do Forum Social
Mundial. Encontramo-nos num outro tempo e surgiu uma nova
sensibilidade. Postula-se outro modo de ser cidadão, incluindo
poderosamente as mulheres antes feitas invisíveis, cidadãos com
direitos, com participação, com relações horizontais e transversais
facilitadas pelas redes sociais, pelo celular, pelo twitter e pelos
facebooks. Temos a ver com uma verdadeira revolução. Antes as
relações se organizavam de forma vertical, de cima para baixo. Agora
é de forma horizontal, para os lados, na imediatez da comunicação à
velocidade da luz. Este modo representa o tempo novo que estamos
vivendo, da informação, da descoberta do valor da subjetividade, não
aquela da modernidade, encapsulada em si mesma, mas da subjetividade
relacional, da emergência de uma consciência de espécie que se
descobre dentro da mesma e única Casa Comum, Casa, em chamas ou
ruindo pela excessiva pilhagem praticada pelo nosso sistema de
produção e consumo.
Essa sensibilidade não tolera mais os métodos do sistema de superar
a crise econômica e derivadas, sanando os bancos com o dinheiro dos
cidadãos, impondo severa austeridade fiscal, a desmontagem da
seguridade social, o achatamento dos salários, o corte dos
investimentos no pressuposto ilusório de que desta forma se
reconquista a confiança dos mercados e se reanima a economia. Tal
concepção é feita dogma e ai se ouve o estúpido bordão:“TINA: there
is no alternative”, não há alternativa. Os sacrílegos sumos
sacerdotes da trindade nada santa do FMI, da União Européia e do
Banco Central Europeu deram um golpe financeiro na Grécia e na
Itália e puseram lá seus acólitos como gestores da crise, sem passar
pelo rito democrático. Tudo é visto e decidido pela ótica exclusiva
do econômico, rebaixando o social e o sofrimento coletivo
desnecessário, o desespero das famílias e a indignação dos jovens
por não conseguirem trabalho. Tudo pode desembocar numa crise com
consequências dramáticas.
Paul Krugmann, prêmio Nobel de economia, passou uns dias na Islândia
para estudar a forma como esse pequeno pais ártico saiu de sua crise
avassaladora. Seguiram o caminho correto que outros deveriam também
ter seguido: deixaram os bancos quebrar, puseram na cadeia os
banqueiros e especuladores que praticaram falcatruas, reescreveram a
constituição, garantiram a seguridade social para evitar uma
derrocada generalizada e conseguiram criar empregos. Consequência: o
pais saiu do atoleiro e é um dos que mais cresce nos paises nórticos.
O caminho islandês foi silenciado pela midia mundial de temor de que
servisse de exemplo para os demais países. E a assim a carruagem,
com medidas equivocadas mas coerentes com o sistema, corre célere
rumo a um precipício.
Contra esse curso previsível se opõem os indignados. Querem um outro
mundo mais amigo da vida e respeitoso da natureza. Talvez a Islândia
servirá de inspiração. Para onde irão? Quem sabe? Seguramente não na
direção dos modelos do passado, já exauridos. Irão na direção
daquilo que falava Paulo Freire “do inédito viável” que nascerá
desse novo imaginário. Ele se expressa, sem violência, dentro de um
espírito democrático-participativo, com muito diálogo e trocas
enriquecedoras. De todas as formas o mundo nunca será como antes,
muito menos como os capitalistas gostariam que ficasse. |