Estimo que a origem próxima (não vamos retroceder até o homo
faber de dois milhões de anos atrás) se encontra no
paradigma da modernidade que fragmentou o real e o transformou
num objeto de ciência e num campo de intervenção técnica. Até
então a humanidade se entendia normalmente com parte de um
cosmos vivente e cheio de propósito, sentindo-se filho e filha
da Mãe Terra. Agora ela foi transformada num armazém de
recursos. As coisas e os seres humanos estão desconectados entre
si, cada qual seguindo um curso próprio. Essa virada produziu
uma concepção mecanisista e atomizada da realidade que está
erodindo a continuidade de nossas experiências e a integridade
de nosso psiqué coletiva.
A
secularização de todas as esferas da vida nos tirou o sentimento
de pertença a um Todo maior. Estamos desenraizados e mergulhados
numa profunda solidão. O oposto à uma visão espiritual do
mundo não é o materialismo ou o ateismo. É o desenraizamento
e o sentimento de que estamos sós no universo e perdidos, coisa
que uma visão espiritual do mundo impedia. Esse complexo de
questões subjaz à atual crise. Precisamos, para sair dela,
reencantar o mundo e perceber a Matriz Relacional (Relational
Matrix) em erosão, que nos envolve a todos. Somos urgidos a comprender
o signficado do projeto humano no interior de um universo em
evolução/criação. As novas ciências depois de Einstein, de
Heisenberg/Bohr, de Prigogine e de Hawking nos mostraram que
todas as coisas se encontram interconectadas umas com as outras
de tal forma que formam um complexo Todo.
Os
átomos e as partículas elementares não são mais consideradas
inertes e sem vida. Os microcosmos emergem como um mundo
altamente interativo, impossível e ser descrito pela linguagem
humana, mas apenas por via da matemática. Forma uma unidade
complexa na qual cada partícula é ligada a todas as outras e
isso desde os primórdios da aventura cósmica há 13,7 bilhões de
anos. Matéria e mente comparecem misteriosamente entrelaçadas,
sendo difícil discernir se a mente surge da matéria ou a matéria
da mente ou se elas surgem conjuntamente. A própria Terra se
motra viva (Gaia) articulando todos os elementos para garantir
as condições ideais para a vida. Nela mais que a competição,
funciona a cooperação de todos com todos. Ela mostra um impulso
para a complexidade, para a diversidade e para a irrupção da
consciência em níveis cada vez mais complexos até a sua
expressão atual pelas redes de conexões globais dentro de um
processo de mundialização crescente.
Esta cosmovisão nos alimenta a esperança de um outro mundo
possível, a partir de um cosmos em evolução que através de nós
sente, pensa, cria, ama e busca permanente equilíbrio. As
idéias-mestras como interdependência, comunidade de vida,
reciprocidade, complementariedade, corresponsabilidade são
chaves de leitura e nos alimentam uma nova visão mais
harmoniosa das coisas.
Esta cosmologia é que falta hoje. Ela tem o condão de nos
fornecer uma visão coerente do universo, da Terra e de nosso
lugar no conjunto dos seres, como guardiães e cuidadores de todo
o criado. Esta cosmovisão nos impedirá de cair num abismo sem
retorno. Nas crises passadas, a Terra sempre se mostrou a nosso
favor, nos salvando. E não será diferente agora. Juntos, nós e
ela, sinergeticamente poderemos triunfar.