Nesse
livro procura enfrentar os desafios colocados à pedagogia e à
educação que se derivam dos vários tipos de saberes, das novas
tecnologias e das transformações processadas pelo capitalismo. Tudo
isso a partir de nosso lugar social que é o Hemisfério Sul, um dia
colonizado e que está passando por um instigante processo de
neodescolonização e de um enfrentamento com o debilitado
neoeurocentrismo hoje devastado pela crise do Euro.
Muniz Sodré analisa as várias correntes da pedagogia e da
educação desde a paideia grega até o mercado mundial da
educação que representa uma crassa concepção da educação
utilitarista, ao transformar a escola numa empresa e numa praça de
mercado a serviço da dominação mundial.
Desmascara os mecanismos de poder econômico e político que
se escondem atrás de expressões que estão na boca de todos como
“sociedade do conhecimento ou da informação”. Melhor dito, o
capitalismo-informacional-cognitivo constitui a nova base da
acumulação do capital. Tudo virou capital: capital natural, capital
humano, capital cultural, capital intelectual, capital social,
capital simbólico, capital religioso...capital e mais capital. Por
detrás se oculta uma monocultura do saber, aquele maquínico,
expressso pela “economia do conhecimento” a serviço do mercado.
Hoje
projetou-se um tipo de educação que visa a formação de quadros que
prestam “serviços simbólico-analíticos”, quadros dotados de alta
capacidade de inventar, identificar problemas e de resolvê-los. Essa
educação “distribui conhecimentos da mesma forma que uma fábrica
instala componentes na linha de montagem”.
A
educação perde destarte seu caráter de formação. Ela cái sob a
crítica de Hannah Arendt que dizia: “pode-se continuar a aprender
até o fim da vida sem, no entanto, jamais se educar”. Educar
implica aprender sim a conhecer e a fazer, mas sobretudo aprender a
ser, a conviver e a cuidar. Comporta construir sentidos de vida,
saber lidar com a complexa condition humaine e definir-se
face aos rumos da história.
O que
agrava todo o processo educativo é a predominância do pensamento
único. Os americanos vivem de um mito o do“destino manifesto”.
Imaginam que Deus lhes reservou um destino, o de ser o “novo povo
escolhido” para levar ao mundo seu estilo de vida, seu modo de
produzir e de consumir ilimitadamente, seu tipo de democracia e seus
valores de livre mercado. Em nome desta excepcionalidade, intervem pelo
mundo afora, até com guerras, para garantir sua hegemonia imperial
sobre todo o mundo.
A
Europa não renunciou ainda a sua arrogância. A Declaração de
Bolonha de 1999 que reuniu 29 ministros da Educação de toda a
Europa, afirmava que só ela poderia produzir um conhecimento
universal, “capaz de oferecer aos cidadãos as competências
necessárias para responder aos desafios do novo milênio”. Antes a
imaginada universalidade se fundava nos direitos humanos e no
próprio Cristianismo com sua pretensão de ser a única religião
verdadeira. Agora a visão é mais rasteira: só a Europa garante
eficácia empresarial, competências, habilidades e destrezas que
realizarão a globalização dos negócios. A crise
econômico-finaneceira atual está tornando ridícula esta pretensão. A
maioria dos países não sabem como sair da crise que criaram.
Preferem lançar inteiras sociedades no desemprego e na miséria para
salvar o sistema financeiro especulativo, cruel e sem piedade.
Muniz
Sodré em seu livro traz para a realidade brasileira estas questões
para mostrar com que desafios nossa educação deve se confrontar nos
próximos anos. Chegou o momento de construirmo-nos como povo livre
e criativo e não mero eco da voz dos outros. Resgata os nomes de
educadores que pensaram uma educação adequada às nossas
virtualidades, como Joaquim Nabuco, Anísio Teixeira e
particularmente Paulo Freire. Darcy Ribeiro falava com entusiasmo da
“reinvenção do Brasil” a partir da riqueza da mestiçagem entre todos
representantes dos 60 povos que vieram ao nosso pais.
A
educação reinventada nos deve ajudar na descolonização e na
superação do pensamento único, aprendendo com as diversidades
culturais e tirando proveito das redes sociais. Deste esforço
poderão nascer entre nós os primeiros brotos de um outro paradigma
de civilização que terá como centralidade a vida, a Humanidade e a
Terra. |