Ganhou força
especial na discussão ecológica, constituindo uma peça central da
Carta da Terra. Cuidar do meio-ambiente, dos recursos escassos, da
natureza e da Terra se tornaram imperativos do novo discurso. Por
fim, viu-se o cuidado como definição esencial do ser humano, como é
abordado por Martin Heiger em Ser e Tempo recolhendo uma
tradição que remonta aos gregos, aos romanos e aos primeiros
pensadorescristãos como São Paulo e Santo Agostinho.
Constata-se
outrossim que a categoria cuidado vem ganhando força sempre que
emergem situações críticas. É ele que impede que as crises se
transformem em tragédias fatais.
A Primeira Grande
Guerra (1914-1918), desencadeada entre paises cristãos, destruira o
glamour ilusório da era vitoriana e produziu profundo desamparo
metafísico. Foi quando Martin Heidegger(1889-1976) escreveu seu
genial Ser e Tempo (1929), cujos parágrafos centrais (§
39-44) são dedicados ao cuidado como ontologia do ser humano.
Durante a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), despontou a figura do pediatra e
psicólogo D. W. Winnicott (1896-1971) encarregado pelo governo
inglês para acompanhar crianças órfãs ou vítimas dos horrorres dos
bombardeios nazistas sobre Londres. Desenvolveu toda uma reflexão e
uma prática ao redor dos conceitos de cuidado (care), de
preocupação pelo outro (concern) e de conjunto de apoios a
crianças ou a pessoas vulneráveis (holding), aplicáveis
também aos processos de crescimentoz e de educação.
Em 1972 o Clube de
Roma lançou o alarme ecológico sobre o estado doentio da Terra.
Identificou a causa principal: o nosso padrão de desenvolvimento,
consumista, predatório, perdulário e totalmente sem cuidado para com
os recursos escassos da natureza e os dejetos produzidos. Depois de
vários encontros organizados pela ONU a partir dos anos 70 do século
passado, chegou-se à proposta do um desenvolvimento sustentável,
como expressão do cuidado humano pelo meio ambiente mas centrado
especialmente no aspecto econômico.
O Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o Fundo Mundial para a
Natureza (WWF) e a União Internacional para a Conservação da
Natureza (UICN) elaboraram em 1991 uma estratégia minuciosa para o
futuro do planeta sob o signo Cuidando do Planeta Terra (Caring
for the Earth 1991). Ai se diz: Aética do cuidado se aplica
tanto a nivel internacional como a níveis nacional e individual;
nenhuma nação é auto-suficiente; todos lucrarão com a
sustentabilidade mundial e todos estarão ameaçados se não
conseguirmos atingi-la.
Em março de 2000,
recolhendo esta tradição, termina em Paris, depois de oito anos de
trabalho a nível mundial, a redação da Carta da Terra. A categoria
sustentabilidade, cuidado ou o modo sustentável de
viver constituem os dois eixos articuladores principais do novo
discurso ecológico, ético e espiritual. Em 2003 a UNESCO assumiu
oficialmente a Carta da Terra e a apresentou como um substancial
instrumento pedagógico para a construção responsável de nosso futuro
comum.
Em 2003 os
Ministros ou Secretários do meio ambiente dos países da América
Latina e do Caribe elaboram notável documento Manifesto pela
vida, por uma ética da sustentabilidade onde a categoria
cuidado é incorporada na idéia de um desenvolvimento para que seja
efetivamente sustentável e radicalmente humano.
O cuidado está
especialmente presente nas duas pontas da vida: no nascimento e na
morte. A criança sem ocuidado não existe. O moribundo precisa do
cuidado para sair decentemente desta vida.
Quando desponta
alguma crise num grupo gerando tensões e divisões, é a sabedoria do
cuidado o caminho mais adequado para ouvir as partes, favorecer o
diálogo e buscar convergências. O cuidado se impõe quando irrompe
alguma crise de saúde que exige internação hospitalar. O cuidado é
posto em ação por parte dos médicos, médicas, dos enfermeiros e
enfermeiras, decidindo sobre o que melhor fazer.
O cuidado é exigido
em praticamente todas as esferas da existência, desde o cuidado do
corpo, da vida intelectual e espiritual, da condução geral da vida
até ao se atravessar uma rua movimentada, Como já observava o poeta
romano Horácio, “o cuidado é aquela sombra que nunca nos abandona
porque somos feitos a partir do cuidado”.
Hoje dada a crise
generalizada seja social seja ambiental, o cuidado torna-se
imprescindível para preservarmos a integridade da Mãe Terra e
salvaguardar a continuidade de nossa espécie e de nossa civilização. |