O dia do juízo sobre nossa cultura?
O final do ano oferece a ocasião para um balanço sobre a nossa
situação humana neste planeta. O que podemos esperar e que rumo
tomará a história? São perguntas preocupantes pois os cenários
globais apresentam-se sombrios. Estourou uma crise de magnitude
estrutural no coração do sistema econômico-social dominante (Europa
e USA), com reflexos sobre o resto do mundo. A Bíblia tem uma
categoria recorrente na tradição profética: o dia do juízo se
avizinha. É o dia da revelação: a verdade vem à tona e nossos erros
e pecados são denunciados como inimigos da vida. Grandes
historiadores como Toynbee e von Ranke falam também do juízo sobre
inteiras culturas. Estimo que, de fato, estamos face a um juízo
global sobre nossa forma de viver na Terra e sobre o tipo de relação
para com ela.
Considerando a situação num nível mais profundo que vai além das
análises econômicas que predominam nos governos, nas empresas, nos
foros mundiais e nos meios de comunicação, notamos, com crescente
clareza, a contradição existente entre a lógica de nossa cultura
moderna, com sua economia política, seu individualismo e consumismo
e entre a lógica dos processos naturais de nosso planeta vivo, a
Terra. Elas são incompatíveis. A primeira é competitiva, a segunda,
cooperativa. A primeira é excludente, a segunda, includente. A
primeira coloca o valor principal no indivíduo, a segunda no bem de
todos. A primeira dá centralidade à mercadoria, a segunda, à vida em
todas as suas formas. Se nada fizermos, esta incompatibilidade pode
nos levar a um gravíssimo impasse.
O que agrava esta incompatibilidade são as premissas subjacentes ao
nosso processo social: que podemos crescer ilimitadamente, que os
recursos são inesgotáveis e que a prosperidade material e individual
nos traz a tão ansiada felicidade. Tais premissas são ilusórias: os
recursos são limitados e uma Terra finita não agüenta um projeto
infinito. A prosperidade e o individualismo não estão trazendo
felicidade mas altos níveis de solidão, depressão, violência e
suicídio.
Há dois problemas que se entrelaçam e que podem turvar nosso futuro:
o aquecimento global e a superpopulação humana. O aquecimento global
é um código que engloba os impactos que nossa civilização produz na
natureza, ameaçando a sustentabilidade da vida e da Terra. A
conseqüência é a emissão de bilhões de toneladas/ano de dióxido de
carbono e de metano, 23 vezes mais agressivo que o primeiro. Na
medida em que se acelera o degelo do solo congelado da tundra
siberiana (permafrost), há o risco, nos próximos decênios, de um
aquecimento abrupto de 4-5 graus Celsius, devastando grande parte da
vida sobre a Terra. O problema do crescimento da população humana
faz com que se explorem mais bens e serviços naturais, se gaste mais
energia e se lancem na atmosfera mais gases produtores do
aquecimento global.
As estratégias para controlar esta situação ameaçadora praticamente
são ignoradas pelos governos e pelos tomadores de decisões. Nosso
individualismo arraigado tem impedido que nos encontros da ONU sobre
o aquecimento global se tenha chegado a algum consenso. Cada pais vê
apenas seu interesse e é cego ao interesse coletivo e ao planeta
como um todo. E assim vamos, gaiamente, nos acercando de um abismo.
Mas a mãe de todas as distorções referidas é nosso antropocentrismo,
a conviccção de que nós, seres humanos, somos o centro de tudo e que
as coisas foram feitas só para nós, esquecidos de nossa completa
dependência do que está à nossa volta. Aqui radica nossa
destrutividade que nos leva a devastar a natureza para satisfazer
nossos desejos.
Faz-se urgente um pouco de humildade e vermo-nos em perspectiva. O
universo possui 13,7 bilhões de anos; a Terra, 4,45 bilhões; a vida,
3,8 bilhões; a vida humana, 5-7 milhões; e o homo sapiens cerca de
130-140 mil anos. Portanto, nascemos apenas há alguns minutos, fruto
de toda a história anterior. E de sapiens estamos nos tornando
demens, ameaçadores de nossos companheiros na comunidade de vida.
Chegamos no ápice do processo da evolução não para destruir mas para
guardar e cuidar este legado sagrado. Só então o dia do juízo será a
revelação de nossa verdade e missão aqui na Terra.
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