venda das raparigas . britiande . portugal . abertura: 2006
Jardins ausentes
JOÃO RASTEIRO
 
Poema dos jardins ausentes
O canto da terra
A ferida inesgotável

O canto da terra

À Hilda Hilst

Tu que renasces da boca da terra

magia nua da inocência aberta nos dedos

que prolonga a ferida que se faz carne

e onde a água cintila de ingénuos aromas

propagando embriões numa concha redonda

e onde os homens farejam a vida inteira

escutando o silêncio sibilante dos astros roxos

e onde o orvalho abre o sexo da noite

esquecendo a morte agasalhada em asas.

 

Tu a continua fonte entre as ervas rebeldes

gemendo como magnólias acesas pela madrugada

que já não se separa da incessante metamorfose

e onde a lisura delira na suave fluidez animal

o sangue cheio de fêmeas grandiosamente abertas

e onde com o fogo lânguido se envolve a terra

como os amantes de pálpebras ainda adolescentes

e onde o som deles sufoca a construção do corpo

cantando o linho agudo com um feixe de vida.

 

Mulheres correndo a terra com crinas brancas

fogos de antimónio que ultrapassam o sol

uma constelação antiga ardente como sexos

unindo a ferocidade das palavras ao inebriado da boca

que da semente da terra nascerá a fêmea azul

ela mesma um mapa fruto uma flor da terra.

In, A revisitação dos lúzios (inédito)
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