PLATÃO:
Apologia de Sócrates

Trabalho de Rosana Madjarof

INDEX

L’impiété de Socrate: Myles F. Burnyeat
Notes

APOLOGIE:

- Pesquisa Junto aos Poetas
- Pesquisa Junto aos Artesãos
- O Verdadeiro Saber Consiste em Saber Que Não se Sabe
- As Muitas Inimizades e a Acusação
- Defesa Contra Meleto
- Meleto Não Sabe o Que é Educar Nem Corromper
- Meleto Acusa Sócrates de Ateísmo e se Contradiz
- A Missão Divina - Fazer o Que é Justo, Permanecer no Lugar Adequado, Obedecer ao Deus

A Missão Divina :
Fazer o Que é Justo, Permanecer no Lugar Adequado, Obedecer ao Deus

Chega, ó atenienses, isto é o bastante para demonstrar que não sou culpado das acusações de Meleto, pois não se faz necessária uma defesa muito longa. O que eu vos disse, desde o início, que um profundo ódio ergueu-se contra mim, e vindo de muitas pessoas, é verdade, vós sabeis; e se algo me causará dano, não será nem Meleto nem Ânito, mas sim este ódio, esta calúnia e esta raiva das pessoas. Pessoas estas que já causaram a perda de tantos outros e valorosos homens, e, acredito, outros ainda irão perder, não havendo perigo que causem somente a minha perda.

Algum de vós poderia talvez altercar-me: "Sócrates, não te envergonhas de haveres exercido tal atividade, que agora coloca em risco tua vida?" Eu responderia a este: "Não falas bem se pensas que alguém, tendo a capacidade de fazer algum bem, mesmo sendo pequeno, deva calcular os riscos de vida ou de morte e não deva olhar o injusto e se pratica as ações de homem honesto e corajoso ou de infame e mau. Por outro lado, acompanhando este teu raciocínio, teriam sido néscios todos os heróis que morreram em <http://www.mundodosfilosofos.com.br/troia.htm> Tróia, e o mais néscio de todos seria o filho de Tétis que, sem se envergonhar, tamanho desdém mostrou pelo perigo, quando sua mãe, uma deusa, estando ele ávido do sangue de Heitor, disse-lhe, se bem me lembro: 'Ó filho, se vingares a morte do teu companheiro Pátroclo e matares Heitor, também morrerás'. Ao ouvir tais palavras, Aquiles negligenciou o perigo e a morte, receando muito mais viver miseravelmente sem vingar o amigo, e declarou: 'Rapidamente eu morra, logo após ter castigado a quem matou, nem que para isso me torne objeto de desprezo'. Acreditas que Aquiles tenha pensado na morte e no perigo?"

É assim que deve ser, ó atenienses, que onde alguém se haja instalado, considerando ser aquele seu lugar mais honroso, ou onde tenha sido instalado por quem ordena, aí, creio, deve ficar e enfrentar os riscos e não pensar na morte, nem em outra desgraça qualquer, à exceção de na desonra e na vergonha.

Declaro-vos, ó cidadãos, que meu comportamento seria anormal e excêntrico se, ao passo que em Potidéia, Anfípolis e Délio, quando os comandantes que vós elegestes me designaram uma posição, lá fiquei, como qualquer outro, arriscando minha vida, aqui, ao contrário, ao receber ordens do deus, ao menos conforme pude ouvir e interpretar essa mesma ordem, pela qual deveria viver filosofando e dedicando-me a conhecer a mim mesmo e aos outros, que, digo, por temor à morte ou a outra desgraça semelhante, tivesse desertado do posto a mim designado pelo deus. Seria algo, repito, anormal e, de fato, existiriam então motivos para trazer-me aqui no tribunal como sendo um desumano que não cresse nos deuses, já que desobedece ao oráculo, receia a morte e julga ser sábio sem sê-lo. Com efeito, atenienses, recear a morte não passa de julgar ser sábio e não sê-lo, dado que significa pensar saber aquilo que não se sabe. E, em verdade, ninguém sabe se, por acaso, ela não seja o maior de todos os bens que podem ser dados ao homem e, contudo, receiam-na como se soubessem que ela é a maior das desgraças. E não é ignorância, a mais vergonhosa das ignorâncias, acreditar saber o que não se sabe? Ora, atenienses, acredito distinguir-me por este motivo e precisamente neste ponto da maior parte dos homens, e se me atrevesse a dizer que em alguma coisa sou mais sábio que os outros, somente por isto o diria, que como não sei nada de preciso a respeito das coisas do Hades, também nada penso saber a esse respeito. Mas ser injusto e desobedecer a quem é melhor que nós, seja deus, seja homem, isto bem sei que é coisa vergonhosa e indecente. Por isso, como ocorre diante dos males que sei que são nefastos, nunca acontecerá que eu fuja diante daqueles de que não sei se por acaso não são bens.

Portanto, mesmo que me concedesses a liberdade, contra a vontade de Ânito que, desde o começo, declarava não ser necessário que eu viesse até este tribunal, ou, uma vez aqui trazido, que era impossível não condenar-me à morte, porque, dizia, se consigo safar-me da condenação, daquele momento em diante, seus filhos prosseguindo a praticar os ensinamentos de Sócrates, estariam inapelavelmente perdidos e corrompidos; se, ao ouvir este raciocínio de Ânito, me dissésseis: "Ó Sócrates, não pretendemos dar, agora, atenção a Ânito e deixamos-te livre, desde que não empregues mais teu tempo nessas pesquisas, nem te ocupes mais de filosofia, e se fores surpreendido a praticar ainda estas coisas, morrerás"; se, como dizia, com esta condição me deixásseis em liberdade, eu vos responderia: "Ó atenienses, eu vos amo, mas obedecerei primeiro ao deus do que a vós, e enquanto tiver ânimo, e enquanto for capaz, não pararei de filosofar, não pararei de estimular-vos e censurar-vos; e a quem quer que eu encontrasse de vós, em qualquer ocasião, conversando da minha maneira habitual, assim diria: "E tu, que és o melhor dos homens; tu, ateniense, cidadão da maior cidade e mais célebre por sabedoria e poder, não te envergonhes de pensar em acumular o máximo de riquezas, fama e honras, sem te preocupar em cuidar da inteligência, da verdade e da tua alma, para que se tornem tão boas quanto possível?" E se algum de vós retrucasse que cuida de fato delas, não o deixaria afastar-se nem iria embora, mas o interrogaria, o analisaria, o impugnaria, e se me afigurasse que não possui virtude mas apenas afirma possuí-la, eu o envergonharia demonstrando-lhe que considera infames as coisas mais estimáveis e de valor, as infames. E agiria assim com qualquer um que eu quisesse: jovens ou velhos, atenienses ou estrangeiros, e também com vós, que me sois mais estritamente próximos. Isto, vós não desconheceis, é ordem do deus e estou convencido de que haja para vós maior bem na cidade do que esta minha obediência ao deus.

Em verdade, com este meu caminhar não faço outra coisa a não ser convencer-vos, jovens e velhos, de que não deveis vos preocupar nem com o corpo, nem com as riquezas, nem com qualquer outra coisa antes e mais que com a alma, a fim de que ela se torne excelente e muito virtuosa, e de que das riquezas não se origina a virtude, mas da virtude se originam as riquezas e todas as outras coisas que são venturas para os homens, tanto para os cidadãos individualmente como para o Estado. Se ao falar desta maneira corrompo os jovens, está certo, isto significará que minhas palavras são nocivas, mas se alguém afirma que falo diferentemente e não deste modo, então diz coisas insensatas. Por tudo isso, permiti que vos diga, ó cidadãos atenienses: ou dareis ouvidos a Ânito, ou não dareis, absolver-me-eis ou não, mas, de qualquer forma, tende a certeza de que nunca agirei de outra maneira que esta, mesmo que não só uma, mas muito mais vezes devesse morrer.

Não promoveis algazarra, ó cidadãos, lembrai-vos de meu pedido de que não causásseis balbúrdia diante do que eu dissesse, mas que vos limitásseis a ouvir. Ademais, creio que vos será útil escutar. Restam-me algumas outras coisas a dizer-vos, às quais, talvez, erguereis a voz. Não, não fazei assim. Convencei-vos: se me condenardes à morte, a mim que sou como vos disse, não me causareis maior dano que podeis causar a vós mesmos. A mim não causarão dano nem Meleto nem Ânito. E nem o poderiam. Não penso que seja possível que um homem de bem receba o mal de um malvado. Poderá sim, Ânito, condenar-me à morte, ou ao desterro, espoliar-me dos direitos civis; tudo em que este homem crer e outros crerem serão grandes males, não o creio eu; penso que seja um mal bem mais grave aquele que é cometido por esses que tentam condenar à morte um homem inocente. Logo, ó atenienses, de maneira alguma estou falando em minha defesa, como alguém poderia achar, mas falo por vós, que não necessitais pecar, condenando-me à morte, contra o dom do deus. Pois se me matardes, não encontrarão facilmente um outro igual a mim, que, não riam da comparação, tenha sido colocado de fato pelo deus aos flancos da cidade como aos flancos de um cavalo grande e de boa raça, mas pelo seu próprio tamanho, um pouco lerdo e necessitado de estímulo, um ferrão. Assim parece-me que o deus me colocou aos flancos da cidade; nunca paro de exortar-vos, de convencer-vos, de falar-vos, um por um, estando a vosso lado, em todo lugar. Afirmo, pois, que outro como eu não nascerá facilmente, ó atenienses, e se desejais me ouvir, me poreis a salvo. Mas se estais irritados comigo como o que está em vias de adormecer com quem o desperta, e golpeais como a matar um inseto inoportuno, condenar-me-eis à morte, por obediência a Ânito, e depois, no decorrer de todo o resto de vossa existência, dormireis tranqüilamente, se o deus não vos mandar algum outro para substituir-me. E se for eu mesmo a pessoa indicada pelo deus para presentear a cidade, podereis me reconhecer por isso: que não parece humano que haja descuidado todos os meus negócios e ainda agüentar por tantos anos que tenham sido descuidadas as coisas da minha casa, e sempre, ao contrário, cuidando das vossas, estando por perto como estaria um pai ou irmão mais velho, para convencer-vos a buscar a virtude. Que se desta vida tirasse algum proveito e se pelos conselhos que dou recebesse alguma compensação, aí sim haveria uma razão, mas vistes que meus detratores, que me acusaram tão despudoradamente de tantas outras culpas, desta não tiveram o despudor de me acusar, pondo-me frente a frente com uma testemunha, somente uma, que provasse ter eu recebido uma única vez compensação ou de havê-la solicitado. E a prova cabal de que é verdade o que vos declaro, eu dou: a minha pobreza.

 
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