Estruturais na Alquimia são a classificação dos elementos em masculino e feminino, a sua pureza ou virgindade, e a fusão do par nas bodas alquímicas. Macho e fêmea têm atributos muito característicos, referidos aos metais. Assim, o mercúrio é o princípio volátil, passivo, feminino, inerte. Combinado com o enxofre, que é masculino, activo e fixo, pratica o "coito do Rei e da Rainha", na linguagem hermética dos homens da Arte.
No romance de Maria do Pilar Osório encontramos alguns destes tópicos, pois fazem parte da nossa cultura, ou faziam, como a atribuição de passividade à mulher, por oposição ao homem, dotado para a acção.
Quanto à virgindade, no esoterismo como na religião, ela não é desejável apenas na mulher. Galaaz, com a sua, representa o ideal da cavalaria, numa época em que os monges usavam espada. Mas no espaço real, onde é a mulher e não um ideal de santidade que está em causa, a exigência de virgindade envolve uma moral do corpo que encobre factos diversos: a ferida aberta pela Igreja ao lançar o pecado sobre a matéria, e simultaneamente a concepção binária desse mesmo corpo, constituído em aparência por duas partes separáveis, o corpo e a alma. Tal exigência encobre sobretudo a selecção patriarcal, enfim, o controlo da natalidade por parte do homem.
Dir-se-á, com Elisabeth Badinter, que a emancipação feminina deu um salto a partir dos anos sessenta, com a mulher a controlar a sua própria fecundidade, de tal forma que o sistema patriarcal, não só ruiu nas sociedades ocidentais, como abriu as portas a uma nova era, de igualdade entre homem e mulher. Sim, a ruptura foi profunda, mas não sei se tão ampla como isso; alguns problemas levantados pela escritora de Britiande, no seu bem passado século XIX, ainda hoje são detectáveis em Portugal. Podem ter desaparecido da classe social a que ela pertencia, a qual, no seu tempo, fechava as mulheres em casa, mal lhes permitindo assomar à janela. Uma vez entradas no convento, como as heroínas de “A secular do convento de Barrô”, ficavam sujeitas a regras bem estritas, não só para freiras como sobretudo para aquelas às quais fora negado o direito à escolha, e ali encontravam um eufemístico recycle bin. Vejamos algumas regras do convento de Barrô:
Nesta piedosa obra, foi Marianna da Madre de Deus coadjuvada por sua mãe, que doou ao mosteiro uma parte dos seus haveres e também por outras senhoras, sendo uma d'ellas Luiza do Ceu, cujos donativos lhe foram muito valiosos, não só pela sua importância como por augmentarem a cerca, que ficou sendo muito mais ampla e rendosa.
Todas estas senhoras se recolheram á clausura e professaram. Como fica dito, Marianna da Madre de Deus adoptou para o seu convento a ordem de Santa Clara na qual fez algumas alterações, taes como: não fallarem as religiosas senão a parentes dentro do terceiro grau, não terem criadas próprias e usarem de hábitos de saial, véus de barbilho e toucas de linho sem nenhum ornato; e em empregarem o tempo na oração e serviço de Deus.
Maria do Pilar Osório, A secular do convento de Barrô
Não fica explícito na passagem acima, mas explicitemos nós que estes androceus e gineceus forçados, constituídos pelos conventos, são formas de selecção de genes: quem neles vive, seculares, frades ou freiras, está impedido de transmitir o seu património genético, portanto é excluído do direito à reprodução da espécie.
Da classe aristocrática a que pertencia a autora, a educação repressiva da mulher passou para outras, onde ainda encontra redutos. Não é meu intuito falar de sociedades em que a mulher se troca e vende, nem referir a actual escravatura, na qual também são vítimas homens e crianças. No retrato duriense do século XIX traçado por Maria do Pilar Osório, bastará reter que não existe direito da mulher à escolha de marido. As personagens femininas, com os seus fins trágicos, contam histórias de amores contrariados. A selecção de genes, ou a preservação da pureza de dada genealogia, é poder que a cultura atribui ao pai. Não passemos adiante sem sublinhar este ponto, pois é o tipo de escolha – selecção natural ou devida ao acaso; selecção artificial ou devida à cultura – a coluna vertebral do paradigma biológico pelo qual actualmente nos regemos.
Maria do Pilar, sem o saber, é uma adepta da selecção cultural - a sua Gaia é uma deusa da beleza em que pouco ou nada existe de selvagem. Todo o nicho ecológico é fruto do labor humano, como aliás comprova o facto de parte dele ser património mundial, por isso paisagem protegida: são fruto da arte os vinhedos descendo em socalcos para o Douro, os jardins em que ela identifica uma a uma as espécies botânicas, conhecendo, até, quais as exóticas; são fruto de labor nosso os íngremes caminhos em que resfolegam burros, machos e mulas (e ela escolhe os híbridos, muito mais seleccionados pelo homem que os cavalos); são originados pela arte e não pelo acaso os animais de capoeira, os cinegéticos, e tudo isto, acrescentado ao poder de o patriarca decidir que lote de genes vai enriquecer o património familiar, se o lote chamado "Bernardo Cabral" se o lote identificado como "Luís de Ataíde", tudo isto nos dá a imagem da civilização. Sem máquinas à vista, mas tão mecânica e distante da natureza como o peixe encravado no ascensor do conto “Civilização”, de Eça de Queirós.
Maria do Pilar Osório comporta-se por vezes como naturalista, ao descrever os campos, pois não só conhece as aves e as plantas pelos nomes, como conhece as espécies avianas pelos ovos. É uma oologista a informar que os pequeninos ovos pintados de verde pertencem ao rouxinol, que os riscados de preto são de escrevedeira, e de melro os salpicados de pintas negras. |